Julia ainda sofre pelo noivo que morreu tragicamente há cinco anos. No entanto, sua vida muda ao encontrar Matheus, um homem misterioso, que faz seu coração voltar a bater. No primeiro dia em seu novo trabalho, descobre que Matheus é o CEO da empresa. Com um comportamento frio e distante, diferente do dia que se conheceram, acha que a conexão que sentiu não passou de um delírio. Mas, a medida que o tempo passa, fica impossível ignorar o sentimento que se forma ao redor dos dois. Julia então, começa a considerar que talvez seja a hora de finalmente seguir em frente.
Ler maisA estrada era quase deserta.Matheus dirigia com uma das mãos no volante e a outra entrelaçada à minha, repousando sobre meu colo. Às vezes ele cantava baixinho, outras apenas ficava em silêncio, os olhos perdidos na linha do horizonte. Não era o silêncio tenso de antes. Era como se, pela primeira vez em semanas, ele tivesse espaço para respirar.O rádio tocava uma música antiga, com arranjos suaves e voz rouca. Uma daquelas que a gente não sabe de onde conhece, mas parece feita pra aquele momento.Quando finalmente paramos, o sol já começava a cair. Encontramos uma pousada simples perto de uma praia deserta, com chalés de madeira e cheiro de maresia. O quarto era pequeno, mas confortável, com uma varanda voltada para o mar. Assim que entramos, largamos as mochilas no chão e deixamos as janelas abertas, deixando o vento invadir tudo.Eu me deitei de lado na cama e fiquei observando Matheus tirar os sapatos, o olhar perdido nos próprios movimentos.— Tá tudo bem? — perguntei baixinho.
— Ele acha que tá ajudando — murmurou. — Mas tudo o que faz é me lembrar do quanto eu nunca fui suficiente pra ele.Fui até ele, sentei ao seu lado e segurei sua mão.— Talvez você precise de distância. Às vezes o que a gente chama de família também adoece a gente.Matheus virou o rosto devagar e me encarou.— Você acha que eu devia cortar laços com ele?— Eu acho que você merece paz. E se ela não existe quando ele tá por perto... talvez seja um começo pensar sobre isso.Ele não respondeu. Apenas apertou minha mão com força, e ali, naquele gesto silencioso, eu senti que ele estava ouvindo. Talvez pela primeira vez.No elevador, o silêncio era diferente do anterior. Não havia tranquilidade. Só uma tensão latejante no ar.— Desculpa — ele disse, finalmente. — Por te expor a isso. Por ele.— Não é você quem tem que se desculpar.Ele esfregou o rosto com as mãos, visivelmente esgotado, se desfazendo num tipo de cansaço que parecia arrastá-lo para baixo como areia movediça.— Ele não enten
As mensagens começaram a chegar logo.Primeiro, uma DM de uma advogada de uma associação de mulheres que havia lido os relatos anônimos na matéria que vazou no fim de semana. Depois, uma jornalista de um portal progressista que cobria casos de assédio e corrupção corporativa. E, por fim, o mais inesperado: uma defensora pública querendo agendar uma conversa comigo “em caráter informal”, segundo suas palavras. Quase todas diziam a mesma coisa — que meu depoimento poderia ser importante não só para mim, mas para outras.Eu li tudo sem conseguir respirar direito.Parte de mim queria sumir. Outra parte, a que Matheus vinha ajudando a acordar aos poucos, sentia algo novo: força.O telefone vibrou de novo. Beatriz.“Estamos com você. Quase todas do time estão. E algumas mulheres de outros setores também querem te apoiar publicamente. Se você deixar.”Era estranho. Depois de tanto tempo me sentindo invisível ou silenciada, agora havia vozes surgindo das sombras. E mesmo que o medo ainda esti
No dia seguinte, acordei com meu celular vibrando sem parar. Notificações, mensagens, chamadas perdidas. A entrevista vazada com meu depoimento havia se espalhado como um incêndio pelas redes.O nome de Henrique estava entre os assuntos mais comentados. Ao lado do meu.Abri o Twitter e levei um segundo para entender a avalanche."A funcionária que teve coragem de falar. Que venham mais vozes.""Se até agora estavam caladas, é porque sabiam que ninguém ouviria. Agora é diferente."Mas nem todos os comentários eram assim. Alguns me chamavam de oportunista. Outros diziam que eu estava tentando destruir a carreira de um “homem de sucesso”. Havia até um vídeo manipulado de uma reunião antiga onde eu aparecia rindo de uma piada dele — como se aquilo fosse prova de consentimento.Os advogados de Henrique haviam começado sua defesa agressiva.“Desacreditar a vítima. Manual padrão”, pensei com amargura.Matheus veio até mim, os olhos vermelhos de cansaço, mas a expressão bem melhor que do dia
A sala de reuniões da sede corporativa parecia mais gelada do que eu lembrava. Talvez fosse o ar-condicionado forte demais. Ou talvez fosse o silêncio incômodo das seis pessoas que me esperavam sentadas à mesa de vidro, todas com seus olhos atentos e semblantes impassíveis. Ao centro, uma câmera já ligada apontava para a única cadeira vazia: a minha.Respirei fundo antes de me sentar.— Sra. Julia Nunes — começou uma das advogadas da empresa, sem levantar os olhos do tablet —, este é o registro oficial do seu depoimento voluntário para o comitê interno de ética e compliance da NovaCorp. Você está ciente de que esta gravação poderá ser utilizada como parte do processo disciplinar e, se necessário, encaminhada para órgãos externos?— Estou — respondi, firme, tentando manter a voz estável.— Deseja a presença de um representante legal?— Não. Eu mesma falarei.Uma leve tensão percorreu a sala. O homem do outro lado da mesa — o presidente interino do comitê — entrelaçou os dedos sobre os
Horas depois, voltamos ao apartamento, e Matheus desabou.Tirou o paletó, largou os sapatos pelo quarto e se jogou na poltrona com as mãos no rosto. Ele tremia. Não de frio — mas de exaustão emocional.— Eu tô tentando manter tudo sob controle — ele disse, a voz abafada. — Mas tem horas que parece que tudo vai desmoronar. Que vou desmoronar.Me aproximei devagar, ajoelhando à frente dele.— Você não precisa manter tudo sozinho, Matheus. — Você não entende, eu preciso, preciso provar pro meu pai que não sou defeituoso, que posso fazer isso sozinho.Ele me olhou, e havia algo quebrado ali. Uma rachadura aberta demais pra fingir que não existia.— Eu tô com medo de piorar, Julia. Medo de entrar num episódio de verdade. Isso… isso tudo tá me levando pro limite.Toquei o rosto dele com as duas mãos.— Então vamos buscar ajuda. Você já faz o tratamento, você reconhece os sinais. Isso é força, não fraqueza.Ele assentiu devagar, os olhos cheios. Ficamos em silêncio, comigo acariciando seus
O calor do café ainda fumegava na minha xícara, mas eu mal conseguia sentir o gosto. Meus olhos estavam presos na tela do notebook diante de mim, onde um e-mail recém-aberto expunha o início de algo que já sabíamos que viria: o jurídico da empresa oficializou a abertura de um comitê de investigação interna.Henrique tinha sido afastado, sim — mas ele não cairia sozinho. E os outros diretores financeiros com quem ele articulou o desvio de verba estavam tentando jogar a culpa em alguém. Em mim, principalmente.A alegação era absurda, frágil, mas ainda assim suficiente para manchar meu nome.— Isso é ridículo — falei em voz alta, os dedos tremendo levemente sobre o teclado.Matheus, sentado ao meu lado, estendeu a mão para segurar a minha. O toque dele foi firme, quente.— Eu sei. E a gente vai provar isso.Ele falava com convicção, mas havia tensão em cada músculo do corpo. Desde a ligação do diretor financeiro na noite anterior, Matheus não conseguia relaxar. Estava mais calado, os olh
A noite tinha finalmente trazido um pouco de silêncio. Depois de dias em meio a advogados, investigações, reuniões de crise e acusações injustas, o apartamento parecia um abrigo precário, mas ainda assim, um abrigo.Não conseguia me lembrar há quanto tempo exatamente tinha começado a passar os dias ali, só sabia que Matheus precisava de ajuda, que precisava de mim. Na empresa, não podíamos demonstrar qualquer tipo de sentimentalismo, porque eu ainda estava na mira, e minha inocência poderia ser facilmente invalidada.Estávamos sentados na varanda, com uma manta sobre as pernas, dividindo uma garrafa de vinho quase esquecida no fundo da adega do hotel. O som do mar se misturava ao vento leve, e pela primeira vez em dias, ele parecia respirar com um pouco menos de dificuldade.Mas havia algo nos olhos dele. Uma inquietação. Como se ele ainda carregasse um peso que não conseguia largar.— Você tá quieto — comentei, quebrando o silêncio com cuidado.— Eu tô cansado — ele respondeu, e depo
O retorno foi tenso. Matheus mal falou durante o voo. Seu corpo permanecia ao meu lado, mas a mente… estava longe. E eu sentia — em cada silêncio dele, em cada movimento brusco — que algo grande nos esperava.Assim que chegamos à sede da empresa, fomos praticamente arrastados para a sala de reuniões do décimo andar. A luz fria do teto não ajudava com a sensação de claustrofobia, e o clima estava pesado, como se todos ali soubessem de algo que nós ainda não sabíamos por completo.Henrique já estava sentado à cabeceira da mesa, com aquele sorriso falso colado no rosto. Outros dois diretores financeiros estavam ao lado dele, com pastas abertas e olhares tensos demais para um fim de tarde qualquer.— Que bom que conseguiram voltar a tempo — Henrique disse, e sua voz escorria veneno disfarçado de cordialidade. — Precisamos esclarecer algumas... inconsistências nos relatórios das últimas semanas.Matheus apertou minha mão sob a mesa antes de soltar devagar. Era como se dissesse fica calma.