Pega de surpresa, me virei depressa, e o susto foi imenso quando a visão finalmente revelou quem se tratava.
Meu coração saltou no peito, como se aquela fosse uma aparição ou uma alucinação ocasionada pela fadiga e cansaço.
Mas era mesmo Matheus.
Usava um terno impecável, olhava para a frente e admirava a vista do seu próprio jeito, como se não tivesse me reconhecido. Como se aquela sexta-feira tivesse acontecido apenas comigo.
O encarei, esperando alguma reação, sem saber se deveria dizer ou não alguma coisa. Esperei por um olhar, reconhecimento, um sorriso, mas sua expressão não se alterou. Os olhos passaram por mim rapidamente, mas se manteve sério, como se eu fosse uma secretária qualquer.
— Não esperava te encontrar aqui, mas espero que goste do trabalho.
Frio.
Ele estava frio como gelo e nossa troca de olhares não durou nem trinta segundos.
Senti frustração, alivio, e tentei manter a compostura e continuar seguindo o mesmo tom que ele, como se não me importasse. A boate não tinha sido coisa da minha cabeça, mas não valia minha energia pensar sobre algo assim. As coisas seriam melhores desse jeito, eu devia manter tudo no passado.
Ele era o chefe.
Eu, a secretária.
Sentia meu estômago pesar e baixei os olhos para minha xícara, sorrindo sem emoção, tentando parecer natural.
Baixei os olhos para minha xícara e me forcei a agir com naturalidade.
— Muito obrigada, senhor, com licença — passei por ele, com os olhos ardendo, e respirei fundo enquanto voltava ao meu lugar.
Sentei em minha cadeira, tentando não reparar no desconforto e nos calafrios, tentando focar no trabalho. Eu merecia aquele emprego, seria boa o suficiente para ser promovida e não precisaria da ajuda dos meus pais para nada.
Matheus não significava nada, e nós não precisávamos passar dos limites.
Eu não precisava.
Não podia.
Devia mesmo ser assim.
Sabia que estava mentindo para mim mesma, mas minhas vontades não eram importantes, e só precisava de paciência enquanto observava o tempo passar.
***
Quase sucumbi aos sentimentos obscuros que tentavam me dominar e faltei, mas resisti. Me arrumei e cheguei trinta minutos mais cedo no trabalho, antes de Henrique, para que o homem não tivesse abertura para implicar comigo. Trabalhei arduamente, sem pausas, e fiquei contente por minhas alterações dos documentos estarem corretas, embora minhas folhas de sugestões tenham sido devolvidas.
No almoço, procurei por alguém que parecesse minimamente simpático porque, com tanta coisa pra resolver, ainda não tinha tido oportunidade de conhecer ninguém.
— Oi, posso me sentar aqui? — perguntei e a moça se virou.
— Claro! — Ela sorriu. — Eu sou a Carla. Você é nova, não é?
— Sim, comecei hoje. Julia.
— Bem-vinda ao caos — brincou, me arrancando uma risada.
Conversamos durante o tempo de almoço todo, e felizmente Carla se mostrou uma pessoa bem simpática, desejei de verdade que fosse alguém com quem pudesse contar ali dentro. Seus comentários espirituosos e sinceros amenizaram o clima, me deixando mais a vontade e fazendo-me sentir um pouco mais pertencente aquele ambiente confuso e estranho.
No entanto, nossa conversa, assim como todas as outras, diminuíram até sumir. Quando segui seu olhar até a entrada do refeitório, arregalei os olhos brevemente, um tanto nervosa com a presença ali.
— Ih, temos uma visita — murmurou, com uma apreensão fácil de ser compreendida.
Matheus havia entrado, e meu coração tornou a apertar, explodindo em uma taquicardia ansiosa em seguida, que deixou meus dedos gelados. Ao conversar com um grupo de executivos, na entrada no refeitório, seu rosto era sério e sua postura imponente era bem diferente da que usara para me abordar naquela maldita boate.
Tentei seriamente não pensar muito nisso.
— Quem é ele? — fingi desinteresse e desconhecimento, sabia que ele era um executivo importante, porque estava na ala da diretoria, mas seu cargo pouco importava, eu não tinha qualquer interesse nele.
— Como assim? Você realmente não sabe? Ele é seu chefe! Matheus Vasconcellos, o CEO e herdeiro desta empresa. O homem mais lindo e mais gelado que tenha o prazer, ou desprazer de conhecer na sua vida.
Dei uma risada seca, sem graça.
CEO.
Não conseguia decidir entre rir ou entrar em pânico.
— Julia? — Carla me chamou, tentando desmanchar a mortalha de silêncio repentino. — Tudo bem?
— Não é nada — declarei. — Não sabia que ele era tão jovem, e é mais bonito pessoalmente.
Carla riu, alheia as minhas mentiras.
— Ele é lindo demais, mas nunca se envolve com ninguém, por mais que tentem, nenhuma mulher dessa empresa jamais se deu bem com aquele deus grego.
Olhei na direção dele uma última vez, antes de vê-lo se afastar, e voltei a comer. Em momento nenhum, nossos olhos se encontraram, era quase como se os olhos dele fugissem de mim.
Ele estava realmente inclinado a fingir que eu não existia, então eu devia deixar de ser idiota.
Tinha que fazer o mesmo.
A manhã seguinte começou, tão agitada como sempre. A luz fria da manhã entrava pelas paredes de vidro do escritório moderno, as mesas em fileiras estavam organizadas — dentro do possível —, cada uma com sua própria pilha de documentos. O ar-condicionado soprava, zumbindo solenemente, um ruído relaxante naquele ambiente sem vida, se misturando ao som dos teclados que eram pressionados com maestria por todos os trabalhadores.Quando cheguei à minha mesa, o estômago chegou a embrulhar com a visão de Henrique mexendo nas minhas coisas e conferindo ele mesmo a pilha de documentos deixada por mim no organizador.— Até que enfim — disse, mas sem olhar na minha direção. — Tem até o meio-dia para revisar esse contrato, ouviu? Estou cheio de coisas, não terei tempo de revisar de novo seu trabalho, seja prolífica o suficiente para manter seu lugar aqui.Quase revirei os olhos, enquanto segurava a vontade de fazer ele mesmo engolir os malditos papéis.— Sim, senhor — disse suavemente, absorvendo
Não imaginei que o dia pudesse piorar, mas a comida deu forças a Henrique, que estava ainda pior do que de manhã. Aos gritos, criticava todas as coisas que eu fazia, e não parava de se curvar sobre meu computador e encostar em mim, tentando corrigir minhas planilhas enquanto os outros funcionários me encaravam, complacentes, mas sem dizer uma palavra.Eu queria morrer.— Está tudo errado! — Sem aviso, jogou outra pilha de papéis sobre minha mesa, e a xícara de café quase caiu. — Não te mandei revisar de novo? Os números estão errados!Me esforçava ao máximo para manter a compostura, cerrando os dentes e engolindo meus suspiros de frustração.— Já revisei duas vezes, senhor, mas posso olhar de novo — murmurei. — Só que eu realmente não faço ideia do que está errado, pode por favor me explicar?Um grande erro.— Faça de novo desde o começo! Eu preciso te explicar tudo? Acha mesmo que merece continuar aqui — me cortou, com um rugido arrogante e repleto de desdém.Não estava mais aguentan
Parei diante da porta, o coração batia violentamente no peito, enquanto eu tentava reunir coragem para entrar. Depois do dia caótico, claro que quando Henrique me enviou até ali, obedeci sem questionar, mas agora estava pagando por isso. Os sentimentos eram pesados e conflitantes, como se estivesse prestes a invadir um espaço proibido.Mesmo assim, empurrei a maçaneta.Os olhos vagaram pela sala, analisando cada detalhe, mapeando inconscientemente aquele local que me pareceu estranhamente íntimo. Matheus estava levemente inclinado para frente, com os cotovelos apoiados na mesa de mogno e um meio-sorriso nos lábios, enquanto os olhos estavam fixos apenas na mulher à sua frente.Se portava de uma maneira diferente da que pude acompanhar nos últimos dias, parecia tão relaxado quanto quando nos encontramos naquele bar. Era cordial. A luz iluminava seu rosto, destacando seus traços mais marcantes, que pareciam suaves e expressivos, diferente de sua frieza assustadora.Meus músculos travara
O corredor se estendia à minha frente, quase infinito. Meus passos eram pesados, como se todos os pensamentos e angústias acumulados nestes dias longos e ansiosos estivessem amarrados aos meus tornozelos, lutando para me impedir de sair do lugar. Meus dedos ainda amassavam as bordas dos papéis, e me lembrei de afrouxar o aperto, para não danificá-los.A verdade adoecedora era que eu queria sentir seu toque, como se a sensação pudesse ser transmitida através das digitais deixadas na celulose maculada por suor e tinta.Aquela semana tinha sido um inferno. Mal dormi nos últimos dias, e tinha aquela sensação adoecedora de que estava bem próxima do meu limite. Henrique corroía todas as minhas forças, se alimentando de minhas vontades como um parasita, e ainda não havia completado nem meu primeiro mês.No entanto, a sombra da presença de Matheus pelos corredores era sempre mais asfixiante, a sombra e a esperança de que ele viesse a me perceber outra vez. E todas as vezes que pensava nesse t
Aceitei a convocação sem pensar muito. Totalmente por impulso, porque sabia que recusar não pegaria bem. Eu estava em período de testes, não poderia simplesmente me dar ao luxo de dizer não ao chefe, por pior que ele fosse. Mas se eu soubesse o quão torturante seriam as horas seguintes, poderia ter reconsiderado melhor.Henrique dirigia com a mão firme no volante, mas sua atenção estava em qualquer lugar, menos na estrada. O trânsito parecia um detalhe insignificante diante do verdadeiro centro das suas preocupações: a sua esposa.— Eu faço de tudo naquela casa e ela ainda reclama! — bufou grosseiramente, acelerando um pouco mais do que deveria. — E agora vem com essa história de terapia de casal. Como se eu tivesse tempo para isso! Quem é que banca as viagens, os jantares, os presentes? Sou eu! Mas, claro, eu sou o problema também! O que mais preciso fazer pra que aquela encostada fique satisfeita?Assenti com a cabeça, tentando não me encolher no banco. Não era a primeira vez que o
O vestido preto que escolhi era simples, elegante e seguro. Nada que chamasse atenção demais, mas também nada que me fizesse parecer deslocada em um evento como aquele. O tecido leve abraçava meu corpo sem marcar demais, e as alças finas revelavam meus ombros. Meus cabelos estavam presos em um coque baixo, e o batom vinho que passei foi a única ousadia que permiti a mim mesma. Encostei-me ao espelho do quarto do hotel, respirando fundo antes de sair. Ainda havia um nó no meu estômago, um peso que me acompanhava desde a viagem de carro com Henrique.Ao descer para a recepção, encontrei Henrique já me esperando no saguão. Ele usava um terno bem cortado, e o perfume forte denunciava que ele havia exagerado na quantidade. Quando seus olhos deslizaram sobre mim de cima a baixo, senti um arrepio desagradável.— Nada mal, Julia. — sorriu de lado, tomando um gole do uísque que segurava. — Mas talvez um pouco comportada demais. Está parecendo uma freira.Engoli seco, apertando minha bolsa entr
O ar fresco do jardim me trouxe um alívio imediato. O som abafado da recepção ainda ecoava ao fundo, mas ali, entre as sombras das árvores e o perfume suave das flores noturnas, parecia um outro mundo. Caminhei devagar pelo caminho de pedra, abraçando a mim mesma. Meu coração ainda estava acelerado, e a lembrança daquele telefone tocando depois da briga com Gabriel continuava grudada na minha mente como um veneno.Ouvi passos atrás de mim e me virei instintivamente. Matheus estava ali, com as mãos nos bolsos do terno, me observando. Seu olhar era intenso, mas sem o julgamento que eu esperava. Apenas observador, paciente.— Está fugindo de novo? — Sua voz era baixa, quase gentil.Soltei um suspiro e dei de ombros. — Talvez só precisando respirar. E você? O que está fazendo aqui?— Precisando respirar também. — Ele sorriu de lado e caminhou até mim, parando a uma distância segura. — Parece que você teve uma noite difícil.Ri sem humor, desviando o olhar. — E você percebeu isso tão fác
O silêncio no quarto de hotel era cortado apenas pelo ruído distante da cidade lá fora. Me virei na cama, puxando os lençóis até o queixo, tentando me entregar ao sono. Mas algo me despertou.Um som baixo. Irregular.Abri os olhos, franzindo a testa. Era quase como uma respiração acelerada.Pisquei algumas vezes, tentando entender se tinha sido apenas coisa da minha cabeça. Mas lá estava de novo, vindo de algum lugar além da porta que separava o meu quarto do de Matheus.A inquietação tomou conta de mim.Eu podia simplesmente ignorar. Me virar para o outro lado e tentar dormir. Não era problema meu. Matheus e eu não éramos amigos, apenas colegas de trabalho. Pior que isso, éramos chefe e funcionária. Mas algo me dizia que aquilo não era normal.Joguei os lençóis para o lado e me levantei. Meus pés tocaram o chão frio, e um arrepio percorreu minha pele quando me aproximei da porta entreaberta. Hesitei, mordendo o lábio, antes de empurrá-la levemente.A cena diante de mim fez meu peito