Capítulo Três

O sábado de manhã chegou. De ressaca, só me levantei quando os reflexos da luz através do vidro, que batiam em meu rosto, se tornaram insuportáveis. Voltei a me deitar, tentando prolongar o silêncio tranquilo antes que o dia realmente começasse. A noite anterior ainda estava confusa, voltando aos poucos, assim como a culpa.

Me sentia uma criminosa.

Como se tivesse traído alguém.

O celular vibrou sobre a mesa de cabeceira, desejei ignorá-lo, me fingir de morta e continuar ali até desaparecer. As mensagens matinais geralmente não traziam boas notícias, ainda mais em um sábado.

Mas o peguei mesmo assim e, quando vi o remetente, meu coração deu um salto.

"Parabéns, Julia! Você foi aprovada no processo seletivo. Esperamos você na segunda-feira às 8h. Bem-vinda à equipe."

Me sentei na cama, sem acreditar que aquela mensagem era mesmo para mim. Depois de meses tentando e me sustentando com uma mesada dada por meus pais, finalmente as portas voltavam a se abri. Senti o peito encher de alívio, enquanto lutava ferozmente contra a insegurança e ansiedade. Consegui. Depois tantas entrevistas, finalmente um recomeço.

Eu queria muito esse emprego, queria mesmo, mas a realidade caiu pesada sobre os ombros. Os últimos cinco meses foram difíceis, mesmo! Desejei realmente que esse trabalho me mantivesse longe de pensamentos infundados, corrosivos, de culpa, mágoa, que me deixasse ocupada o suficiente para fingir esquecer.

Não queria me importar.

Respirei fundo.

Levantei, decidida a sair da cama e aproveitar o fim de semana, pois seria minha última manhã de sábado livre por um tempo. Passei o dia todo com dificuldade de focar nas coisas que queria fazer. Não prestei atenção no filme, nem terminei a limpeza da cozinha e até queimei o almoço. Além do medo de as coisas não darem certo, havia um pressentimento estranho.

E a lembrança da noite anterior não sumiu, apenas se tornava cada vez mais clara e, quanto mais desejava esquecer, mais real Matheus se tornava dentro de mim.

***

O fim de semana passou bem rápido e nem vi a segunda-feira chegar. Vestida com minha melhor roupa, uma camisa social clara e uma calça de alfaiataria, entrei no prédio imponente onde começaria minha nova vida profissional, usando toda a coragem e autoconfiança que consegui reunir nas últimas horas. O saguão era moderno, cum balcão de vidro e dezenas de funcionários indo de um lado para o outro. Segui as instruções do e-mail, usando o QR code que me enviaram para entrar no elevador, e subi para o 15º andar.

Lá, uma moça do RH já me esperava, e me acompanhou pelo corredor enquanto completava as burocracias de explicar minhas funções, indicar meu posto e acertar as últimas informações para que o período de teste começasse. 

Foi ali que conheci Henrique.

— Ah, então você é a nova contratada — o homem disse sem prestar atenção em nós, ou tirar os olhos do computador.

Sua voz carregava um tom entediado, quase impaciente.

— Sim, meu nome é Julia, muito prazer — fiz de tudo para ser cordial, não querendo deixar transparecer como esse primeiro contato já estava sendo frustrante.

Ele ergueu finalmente o olhar e me analisou de cima a baixo. Era um homem bonito, devia ter perto dos quarenta anos, havia algumas linhas de expressão, mas seus olhos azuis penetrantes pareciam capazes de amenizá-las. Mesmo assim, tinha um ar arrogante, como se estivesse analisando quanto tempo exatamente valia perder comigo.

— Ok, Julia, espero mesmo que aprenda rápido, porque com tantas coisas para fazer não sobra muito tempo para te ajudar. São muitas responsabilidades e preciso de alguém preciso, e eficiente, pode fazer isso por mim?

Seu tom era frio e caprichoso, como se esperasse que eu desistisse e saísse correndo dali, e esse tipo de postura me pegou desprevenida outra vez. Sua beleza diminuía aos poucos, porque sua personalidade obtusa nos distanciava, em menos de cinco minutos aprendi que dá muito bem para se odiar alguém à primeira vista.

Muito mais do que para amar.

— Pode confiar em mim, aprendo rápido e darei o meu melhor.

Seu sorriso atravessado denunciou o quanto não estava convencido sobre mim, mas o ignorei.

— Ótimo! Sua primeira tarefa então é organizar estes relatórios em ordem de importância numérica e de gravidade de problemas, você não é minha secretária, é minha assistente, então leia tudo e faça sugestões, quero alguém prolífico perto de mim e preciso que me mostre agora — juntou uma pilha de documentos em uma pasta incapaz de os comportar. — Vou querer isso no final do dia, então seja atenciosa, porém rápida, quero revisá-los hoje a noite. 

— Sim, senhor, com licença.

Peguei a pasta e sai da sala, indo encontrar minha mesa. Não tive tempo de ajeitar minhas canetas no organizador ou de pensar muito, precisei começar imediatamente. Costumava aprender rápido, ser boa com números, mas o comportamento de Henrique me expunha a uma pressão doentia. O entusiasmo deu lugar a mesma ansiedade de antes, já que a primeira impressão do meu novo chefe não era das melhores.

Ao passar do dia, minha paciência parecia diminuir, dando lugar a impaciência e o desejo de que as horas passassem logo. Henrique passava na frente da minha mesa o tempo inteiro, checando se eu estava fazendo meu trabalho do jeito certo, fazia perguntas idiotas e interrompia minhas respostas, me corrigia o tempo todo. Fazia questão de mostrar que era o chefe, e os outros funcionários me encaravam com pena.

Seu comportamento passivo-agressivo mostrava o quanto estava disposto a me humilhar, enquanto respondia de forma impaciente e continuava a me lembrar, incisivamente, que qualquer erro meu podia custar muito caro.

Sem conseguir aguentar, finalmente tive um intervalo para o café no final do pior primeiro dia de trabalho da minha vida. Usei o tempo limitado para respirar, precisava me recompor, então fiz meu café e procurei por um corredor afastado da sala de Matheus, onde as janelas enormes exibiam a vista da cidade imensa à minha frente. 

Me perguntei quantas possibilidades melhores não deviam haver naquele mar de prédios e pessoas, observando a rua movimentada e o caminhar daqueles desconhecidos. Fechei os olhos, tentando fazer o cansaço passar e respirei inúmeras vezes, queria desmanchar a tensão e retornar ao meu posto.

Minha audição foi tomada por um ruído oco de passos, de uma dobradiça, enquanto me mantinha impassível e tentava continuar calma, sem sair do lugar.

E foi quando senti uma presença ao meu lado.

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