Capítulo Dois

Conversamos por um tempo, tempo este que me pareceram horas, embora tenha sido apenas parte da noite. As barreiras que eu tanto me esforçava para manter pareciam dispostas a desaparecer. Enquanto isso, meu interior derretia mediante sua atenção, sua voz grave, seus comentários inteligentes e sua lucidez perspicaz. Em pouco tempo estava rindo, a discretas gargalhadas, embalada numa felicidade que há muito tempo não conhecia.

Até que Matheus tocou minha mão. 

Um gesto pequeno, quase insignificante. Mas foi como se uma corrente elétrica passasse entre nós, não consegui conter o salto em meu coração, nem a retraída de meus músculos que desejaram se afastar mas não conseguiram, e Matheus percebeu. 

Seu olhar se tornou ainda mais intenso, era como um teste silencioso, como se desejasse com unhas e dentes estar certo sobre algo.

— Julia — ele murmurou, e meu nome na sua boca soou assustador. — Eu não costumo insistir quando percebo que alguém está fugindo, mas não quero que fuja de mim.

Aquelas palavras, aterradoras, acenderam um alerta e me mandaram ir embora, e eu queria ter ido.

Mas não fui.

Estava muito envolvida nas promessas implícitas em seus olhos e, por um instante, permiti-me esquecer de tudo. De todas as minhas próprias promessas, meus sacrifícios e minhas escolhas egoístas do passado que me fizeram chegar a esse tipo de momento da minha vida.

Desejei realmente que todas as memórias se fossem, só para que eu e aquele homem estranho pudéssemos ter um ao outro na noite mais louca e breve de toda minha vida.

Eu não fugi, mas não confirmei que foi por vontade própria, e tentei fazer parecer que suas palavras não haviam me atingido com a força com a qual atingiram.

Depois de mais alguns drinks, aceitei ir com ele até a pista de dança. A batida, agora mais calma e íntima, nos envolvia. Mesmo sabendo que deveria me afastar, me entreguei. Matheus tinha um toque gentil e firme, suas mãos tomaram posse de minha cintura como se meu corpo fosse dele. Minha derme reconheceu seu calor, despejando calafrios estrondosos por todos os cantos.

Cada movimento, cada troca de olhar parecia carregada de algo maior, algo que eu não conseguia nomear. A forma como ele me guiava, como sussurrava em meu ouvido, fazia com que eu esquecesse de tudo. Esqueci da dor, do passado, do medo de me envolver. Fazia tudo isso parecer um conto secreto e antigo, um sussurro que desaparecia aos poucos.

E quando a noite avançou, quando a música desacelerou e as luzes ficaram mais difusas, e a hora de partir foi se aproximando, percebi que não queria que aquilo acabasse. 

Mas sabia que precisaria enfrentá-lo novamente, todos aqueles sentimentos e rancores sussurrados.

Tudo seria diferente.

Nunca mais nos veríamos, porque eu não devia ver ninguém, não desejava.

Não merecia.

No terraço da boate, o ar era mais fresco, fugimos do ar abafado da pista de dança, mas a verdade é que precisava de um último momento com ele, sem testemunhas. Precisava de um fôlego, me desconectar, mas seus passos vieram atrás de mim.

— Fugindo de novo? — A voz de Matheus era leve, mas a profundidade bagunçou minha respiração.

— Só precisava de um pouco de ar. — Cruzei os braços, queria interpor uma barreira física, uma barreira tão fácil de se ultrapassar que era doentio ser vista assim. — E você?

Ele encostou-se à grade, observando a cidade iluminada abaixo de nós.

— Talvez eu também precise de um pouco de ar — admitiu, me olhando de esguelha, enquanto apoiava os cotovelos na proteção.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas ouvindo a música de fundo, que tinha votlado a ser agitada. Queria encerrar isso ali, não era natural se apegar tanto a um desconhecido, eu só o havia visto uma vez na vida. 

Mas Matheus não parecia o tipo de homem fácil de ignorar.

— Você tem um olhar triste — ele comentou, quebrando o silêncio. — Me faz querer protegê-la de algo que cresce dentro do seu peito.

Suas palavras foram introduzidas abruptamente, marcando a ferro e fogo meu coração.

Quem diz esse tipo de coisa para alguém que conheceu há horas em uma boate?

Ele era intenso demais.

Estava me arrastando com ele.

— E você fala como alguém que pode entender os outros apenas olhando, como se tivesse algum tipo de poder.

— Talvez eu possa. — Se voltou para mim, sério. — Vejo que está me afastando, e nunca vou insistir, mas sou sincero. Não posso protegê-la de si, mas posso compreender quando alguém está machucado. Não dá pra esconder.

Por um momento quase cedi, mas me repeti tudo.

O contexto.

Quem éramos.

Quem ele era.

Quem eu era.

Tudo o que havia perdido.

— Algumas coisas não precisam ser ditas, Matheus. — Sussurrei. — Prefiro que elas fiquem no passado.

Ele concordou. 

A noite terminou pouco tempo depois, nossa despedida foi distante, decepcionante, como se o feitiço tivesse sido quebrado. Matheus me pagou um táxi, beijou minha bochecha e me deixou partir em minha infeliz e deprimente carruagem, e conclui, de fato, que nunca mais nos veríamos de novo.

E que assim seria. Um homem como ele não podia entrar na minha vida, não podia.

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