O ar fresco do jardim me trouxe um alívio imediato. O som abafado da recepção ainda ecoava ao fundo, mas ali, entre as sombras das árvores e o perfume suave das flores noturnas, parecia um outro mundo. Caminhei devagar pelo caminho de pedra, abraçando a mim mesma. Meu coração ainda estava acelerado, e a lembrança daquele telefone tocando depois da briga com Gabriel continuava grudada na minha mente como um veneno.Ouvi passos atrás de mim e me virei instintivamente. Matheus estava ali, com as mãos nos bolsos do terno, me observando. Seu olhar era intenso, mas sem o julgamento que eu esperava. Apenas observador, paciente.— Está fugindo de novo? — Sua voz era baixa, quase gentil.Soltei um suspiro e dei de ombros. — Talvez só precisando respirar. E você? O que está fazendo aqui?— Precisando respirar também. — Ele sorriu de lado e caminhou até mim, parando a uma distância segura. — Parece que você teve uma noite difícil.Ri sem humor, desviando o olhar. — E você percebeu isso tão fác
O silêncio no quarto de hotel era cortado apenas pelo ruído distante da cidade lá fora. Me virei na cama, puxando os lençóis até o queixo, tentando me entregar ao sono. Mas algo me despertou.Um som baixo. Irregular.Abri os olhos, franzindo a testa. Era quase como uma respiração acelerada.Pisquei algumas vezes, tentando entender se tinha sido apenas coisa da minha cabeça. Mas lá estava de novo, vindo de algum lugar além da porta que separava o meu quarto do de Matheus.A inquietação tomou conta de mim.Eu podia simplesmente ignorar. Me virar para o outro lado e tentar dormir. Não era problema meu. Matheus e eu não éramos amigos, apenas colegas de trabalho. Pior que isso, éramos chefe e funcionária. Mas algo me dizia que aquilo não era normal.Joguei os lençóis para o lado e me levantei. Meus pés tocaram o chão frio, e um arrepio percorreu minha pele quando me aproximei da porta entreaberta. Hesitei, mordendo o lábio, antes de empurrá-la levemente.A cena diante de mim fez meu peito
A manhã seguinte foi estranhamente silenciosa.Depois da noite anterior, eu não sabia como agir perto de Matheus. Ele também não parecia saber como agir perto de mim. Durante a reunião com os investidores, mantivemos a mesma formalidade de sempre — olhares calculados, palavras bem escolhidas. Mas havia algo diferente no ar.Era uma amizade silenciosa.Não precisávamos falar sobre o que aconteceu. Sobre como eu o vi no seu momento mais vulnerável. Sobre como ele segurou minha mão como se precisasse de algo firme para se apoiar.Mas mesmo sem falar, eu sentia.Para um homem como ele devia ser algo novo ter expressado tamanha vulnerabilidade na frente de uma quase desconhecida, ainda mais uma funcionária. Me lembrei da noite em que nos conhecemos, de ter expressado seus pensamentos sobre se sentir pressionado, e comecei a achar ser um equívoco da minha parte, sequer sugerir, que poderíamos nos tornar amigos.Pensei que tudo voltaria a ser como antes.Mas, fui surpreendida, quando voltam
O restaurante escolhido para o jantar de negócios do nosso último dia era sofisticado e discreto, localizado no terraço de um hotel cinco estrelas. Luzes baixas, velas acesas sobre a mesa e uma vista panorâmica da cidade que brilhava abaixo de nós.Um ambiente perfeito para uma reunião corporativa — ou para algo completamente diferente. Eu sabia que nossa utopia estava chegando ao fim, e fiquei ansiosa com a possibilidade de as coisas voltarem exatamente ao que eram antes.Mas eu não deveria estar pensando nisso.Matheus estava ao meu lado, impecável em um terno escuro, sua presença dominando o ambiente sem esforço. O perfume amadeirado e o brilho das luzes refletindo em seus olhos verdes impossibilitavam ignorá-lo.Eu me obriguei a manter a postura profissional enquanto discutiam números e estratégias com os investidores, e eu era obrigada a anotar tudo, enquanto era monitorada por Henrique. Mas era difícil.Porque toda vez que eu desviava o olhar para ele, Matheus já estava me observ
A viagem de volta foi um verdadeiro inferno.Matheus precisou resolver algo antes de voltarmos, e, para minha total infelicidade, fiquei presa no carro com Henrique.Cinco horas de estrada. Cinco horas ao lado dele.Eu preferia enfrentar um interrogatório com meu ex-sogro do que isso.(Talvez não, mas esta era a pior hipótese em que conseguia pensar naquele momento).Desde o minuto em que saímos, o silêncio entre nós foi carregado, como se cada palavra dita tivesse o potencial de detonar uma bomba. Mas, como sempre, Henrique não soube ficar calado.— Então… Você e o chefe, hein?Revirei os olhos, tentando me concentrar na paisagem pela janela.— Para de falar besteira, Henrique.— Besteira? — Ele riu de um jeito irritante. — Achei que você fosse mais difícil de conquistar. Mas, pelo visto, era só um pouco de paciência.Fechei os olhos por um segundo, contando mentalmente até dez.— Eu não estou com Matheus.— Ah, claro. Porque ele paga bebidas para todas as funcionárias quando não está
A noite estava silenciosa. Apenas o som da caneta deslizando contra o papel preenchia o pequeno apartamento.Era um hábito que eu nunca consegui abandonar.Escrever para você, Gabriel.Talvez fosse minha maneira de segurar algo que já não existia. Ou talvez fosse uma forma de me libertar, mesmo que, no fundo, eu nunca quisesse realmente deixar você ir.Meus dedos apertaram a caneta com mais força. Fechei os olhos por um instante, sentindo o peito apertar.Então, comecei.***Gabriel,Hoje foi um daqueles dias difíceis. Um daqueles dias em que tudo parece apertar dentro do peito e que até respirar se torna um esforço.Seu pai apareceu. Ele me esperou na porta do meu prédio e despejou sobre mim todas as palavras que eu mais temia ouvir.Que eu segui em frente rápido demais. Que eu não fui à sua homenagem. Que… que foi minha culpa.E eu sei que não deveria me importar. Eu sei que, no fundo, nada do que ele diz pode mudar o passado. Mas, Gabriel, doeu. Deus, como doeu.Porque uma parte de
Matheus: "Se precisar de algo, estou por perto."Meus dedos pairaram sobre a tela, e meu coração deu um pequeno solavanco.Ele não perguntou se eu estava bem. Ele sabia que não estava.Mas Matheus sempre sabia como dizer as coisas certas.Pensei em responder, mas, antes que pudesse digitar qualquer coisa, meu celular começou a vibrar em minhas mãos.Mãe.Soltei um suspiro antes de atender.— Mãe?— Julia, querida… — A voz dela veio carregada de preocupação. — Está tudo bem?Fechei os olhos por um instante, sentindo um nó na garganta.— Estou bem, mãe.— Tem certeza?— Tenho.O silêncio do outro lado da linha me disse que ela não acreditou em mim.— Seu ex-sogro me ligou. Ele me contou o que aconteceu ontem.Meu estômago revirou.— Mãe…— Ele não tinha o direito de falar com você daquele jeito! — Ela interrompeu, sua voz embargada de indignação. — Como se você já não tivesse sofrido o bastante… Como se você não tivesse perdido também! — Como sempre, dona Ofélia estava pronta para me def
O silêncio dentro do carro era sufocante.Desde que saímos do restaurante, Matheus estava ainda mais fechado. Seus dedos estavam brancos de tanto apertar o volante, os músculos do maxilar travados, e seu olhar focado na estrada como se tentasse controlar algo dentro de si.Eu queria ter coragem de perguntar sobre o que havia acontecido, se eu tinha feito algo que pudesse lhe ofender. Talvez fosse por ter reparado a forma como agi estranha depois do vinho, devia querer se livrar de uma mulher como eu, e a ficha só caiu quando ficamos sozinhos em um lugar livre o suficiente para que transparecesse mais quem eu era de verdade.Me senti perdida.Envergonhada.A cada semáforo fechado, ele soltava um suspiro impaciente. A cada carro mais lento à frente, os dedos tamborilavam contra o volante.Mas o que me preocupava não era sua irritação.Era a forma como ele parecia… chateado consigo mesmo.A tensão irradiava de seu corpo, diferente de tudo que eu já tinha visto antes. Não era só raiva. Era