O silêncio no quarto de hotel era cortado apenas pelo ruído distante da cidade lá fora. Me virei na cama, puxando os lençóis até o queixo, tentando me entregar ao sono. Mas algo me despertou.Um som baixo. Irregular.Abri os olhos, franzindo a testa. Era quase como uma respiração acelerada.Pisquei algumas vezes, tentando entender se tinha sido apenas coisa da minha cabeça. Mas lá estava de novo, vindo de algum lugar além da porta que separava o meu quarto do de Matheus.A inquietação tomou conta de mim.Eu podia simplesmente ignorar. Me virar para o outro lado e tentar dormir. Não era problema meu. Matheus e eu não éramos amigos, apenas colegas de trabalho. Pior que isso, éramos chefe e funcionária. Mas algo me dizia que aquilo não era normal.Joguei os lençóis para o lado e me levantei. Meus pés tocaram o chão frio, e um arrepio percorreu minha pele quando me aproximei da porta entreaberta. Hesitei, mordendo o lábio, antes de empurrá-la levemente.A cena diante de mim fez meu peito
A manhã seguinte foi estranhamente silenciosa.Depois da noite anterior, eu não sabia como agir perto de Matheus. Ele também não parecia saber como agir perto de mim. Durante a reunião com os investidores, mantivemos a mesma formalidade de sempre — olhares calculados, palavras bem escolhidas. Mas havia algo diferente no ar.Era uma amizade silenciosa.Não precisávamos falar sobre o que aconteceu. Sobre como eu o vi no seu momento mais vulnerável. Sobre como ele segurou minha mão como se precisasse de algo firme para se apoiar.Mas mesmo sem falar, eu sentia.Para um homem como ele devia ser algo novo ter expressado tamanha vulnerabilidade na frente de uma quase desconhecida, ainda mais uma funcionária. Me lembrei da noite em que nos conhecemos, de ter expressado seus pensamentos sobre se sentir pressionado, e comecei a achar ser um equívoco da minha parte, sequer sugerir, que poderíamos nos tornar amigos.Pensei que tudo voltaria a ser como antes.Mas, fui surpreendida, quando voltam
O restaurante escolhido para o jantar de negócios do nosso último dia era sofisticado e discreto, localizado no terraço de um hotel cinco estrelas. Luzes baixas, velas acesas sobre a mesa e uma vista panorâmica da cidade que brilhava abaixo de nós.Um ambiente perfeito para uma reunião corporativa — ou para algo completamente diferente. Eu sabia que nossa utopia estava chegando ao fim, e fiquei ansiosa com a possibilidade de as coisas voltarem exatamente ao que eram antes.Mas eu não deveria estar pensando nisso.Matheus estava ao meu lado, impecável em um terno escuro, sua presença dominando o ambiente sem esforço. O perfume amadeirado e o brilho das luzes refletindo em seus olhos verdes impossibilitavam ignorá-lo.Eu me obriguei a manter a postura profissional enquanto discutiam números e estratégias com os investidores, e eu era obrigada a anotar tudo, enquanto era monitorada por Henrique. Mas era difícil.Porque toda vez que eu desviava o olhar para ele, Matheus já estava me obser
Ouvia a música vibrar pelas paredes, as penetrando dramaticamente, como se o som e o ambiente fossem um só. Sacudindo o ar e ocultando sussurros secretos dos presentes. As luzes piscavam, e as cores neon implodiram em erupções luminosas, ora quente, ora frias, enfeitando a pele das pessoas que dançavam ao meu redor. Tão contentes, tão alheios. Construindo sozinhos sua própria serenata particular de felicidade, loucura, empolgação e desejo, como se estivessem dispostos a me causar certo grau de inveja. Eu não queria estar ali.No entanto, minha melhor amiga – Sofia —, sempre foi muito boa com oratória. Filha de advogados e campeã municipal de redação, claro que falava mais que uma matraca e o suficiente para me meter nisso. Eu, que estava desempregada e deprimida, e passara as últimas semanas enviando e-mails e andando pela cidade em entrevistas medonhas, com pessoas terríveis que nem olhavam na minha cara. "Vamos lá, Julia! Não é crime nenhum, você precisa respirar." Foi o que ela
Conversamos por um tempo, tempo este que me pareceram horas, embora tenha sido apenas parte da noite. As barreiras que eu tanto me esforçava para manter pareciam dispostas a desaparecer. Enquanto isso, meu interior derretia mediante sua atenção, sua voz grave, seus comentários inteligentes e sua lucidez perspicaz. Em pouco tempo estava rindo, a discretas gargalhadas, embalada numa felicidade que há muito tempo não conhecia.Até que Matheus tocou minha mão. Um gesto pequeno, quase insignificante. Mas foi como se uma corrente elétrica passasse entre nós, não consegui conter o salto em meu coração, nem a retraída de meus músculos que desejaram se afastar mas não conseguiram, e Matheus percebeu. Seu olhar se tornou ainda mais intenso, era como um teste silencioso, como se desejasse com unhas e dentes estar certo sobre algo.— Julia — ele murmurou, e meu nome na sua boca soou assustador. — Eu não costumo insistir quando percebo que alguém está fugindo, mas não quero que fuja de mim.Aque
O sábado de manhã chegou. De ressaca, só me levantei quando os reflexos da luz através do vidro, que batiam em meu rosto, se tornaram insuportáveis. Voltei a me deitar, tentando prolongar o silêncio tranquilo antes que o dia realmente começasse. A noite anterior ainda estava confusa, voltando aos poucos, assim como a culpa.Me sentia uma criminosa.Como se tivesse traído alguém.O celular vibrou sobre a mesa de cabeceira, desejei ignorá-lo, me fingir de morta e continuar ali até desaparecer. As mensagens matinais geralmente não traziam boas notícias, ainda mais em um sábado.Mas o peguei mesmo assim e, quando vi o remetente, meu coração deu um salto."Parabéns, Julia! Você foi aprovada no processo seletivo. Esperamos você na segunda-feira às 8h. Bem-vinda à equipe."Me sentei na cama, sem acreditar que aquela mensagem era mesmo para mim. Depois de meses tentando e me sustentando com uma mesada dada por meus pais, finalmente as portas voltavam a se abri. Senti o peito encher de alívio,
Pega de surpresa, me virei depressa, e o susto foi imenso quando a visão finalmente revelou quem se tratava.Meu coração saltou no peito, como se aquela fosse uma aparição ou uma alucinação ocasionada pela fadiga e cansaço.Mas era mesmo Matheus.Usava um terno impecável, olhava para a frente e admirava a vista do seu próprio jeito, como se não tivesse me reconhecido. Como se aquela sexta-feira tivesse acontecido apenas comigo.O encarei, esperando alguma reação, sem saber se deveria dizer ou não alguma coisa. Esperei por um olhar, reconhecimento, um sorriso, mas sua expressão não se alterou. Os olhos passaram por mim rapidamente, mas se manteve sério, como se eu fosse uma secretária qualquer.— Não esperava te encontrar aqui, mas espero que goste do trabalho.Frio.Ele estava frio como gelo e nossa troca de olhares não durou nem trinta segundos.Senti frustração, alivio, e tentei manter a compostura e continuar seguindo o mesmo tom que ele, como se não me importasse. A boate não tinh
A manhã seguinte começou, tão agitada como sempre. A luz fria da manhã entrava pelas paredes de vidro do escritório moderno, as mesas em fileiras estavam organizadas — dentro do possível —, cada uma com sua própria pilha de documentos. O ar-condicionado soprava, zumbindo solenemente, um ruído relaxante naquele ambiente sem vida, se misturando ao som dos teclados que eram pressionados com maestria por todos os trabalhadores.Quando cheguei à minha mesa, o estômago chegou a embrulhar com a visão de Henrique mexendo nas minhas coisas e conferindo ele mesmo a pilha de documentos deixada por mim no organizador.— Até que enfim — disse, mas sem olhar na minha direção. — Tem até o meio-dia para revisar esse contrato, ouviu? Estou cheio de coisas, não terei tempo de revisar de novo seu trabalho, seja prolífica o suficiente para manter seu lugar aqui.Quase revirei os olhos, enquanto segurava a vontade de fazer ele mesmo engolir os malditos papéis.— Sim, senhor — disse suavemente, absorvendo