Alice Montenegro sempre viveu cercada pelo luxo. Filha de diplomatas, ela cresceu viajando pelo mundo, hospedando-se nos melhores hotéis e jantando com a elite. Mas nem toda a sofisticação do mundo conseguiu salvá-la de um bloqueio criativo terrível. Escritora de romances best-sellers, Alice não consegue escrever uma única linha há meses. Determinada a mudar isso, ela toma uma decisão radical: troca sua vida glamourosa por uma casinha no interior, onde acredita que o sossego e a simplicidade vão ajudá-la a reencontrar sua inspiração. Mas a realidade do campo é bem diferente do que ela imaginava. Entre galinhas rebeldes, internet lenta e um vizinho irritantemente charmoso—e totalmente cético sobre sua nova vida—, Alice logo percebe que escrever pode ser mais fácil do que sobreviver ao dia a dia rural. No entanto, enquanto tenta lidar com os desafios de sua nova rotina, ela descobre que talvez o amor—e não apenas a escrita—precise de um recomeço. Será que Alice vai encontrar seu final feliz longe dos holofotes? Ou vai perceber que algumas histórias merecem ser vividas antes de serem escritas? enemies to lovers / ele se apaixona primeiro / grumpy e grumpy
Ler maisAcompanhei Lucas até onde a moto estava estacionada, ainda não totalmente convencida de que aquilo era uma boa ideia. A cada passo, meu cérebro repetia o mesmo mantra: Você vai subir numa moto. Com um estranho. À noite. No meio do interior. Ótimo enredo para um suspense — e não o tipo de romance que eu estava tentando escrever.Parei diante da moto, os braços cruzados. Olhei para ela como quem encara uma fera selvagem. Depois, olhei para ele. Sorridente, tranquilo demais para alguém que pretendia equilibrar duas pessoas numa máquina de duas rodas.— Você ainda tá com essa cara de quem vai fugir — ele disse, parando ao meu lado. — Relaxa, moça. A dona Gertrudes já me recomendou. E ela não recomenda qualquer um, viu?— Eu sei… — suspirei. — Mas eu não te conheço.Ele sorriu, como se já esperasse por isso.— Justo. Então deixa eu me apresentar direito. — Estendeu a mão. — Lucas Andrade. Sou o veterinário da região. Se tiver algum bicho doente, eu sou quem a cidade chama.Apertei a mão de
Zeca não respondeu. Apenas estendeu a mão com naturalidade para Letícia, e ela aceitou como se fosse parte de uma coreografia que já conhecia bem. A cena se desenrolou diante dos meus olhos quase em câmera lenta: ele guiando-a até a pista de dança, os dois se posicionando com familiaridade, como quem já havia feito aquilo muitas vezes antes.E então começaram a dançar.Não era só técnica — era sintonia. Os passos de Zeca eram firmes, seguros, e Letícia o acompanhava com uma leveza que parecia ensaiada. Eles se encaixavam de um jeito que me incomodou mais do que eu gostaria de admitir.Fiquei ali, sentada, fingindo que observava a decoração da festa, as luzinhas penduradas nas árvores, o movimento das pessoas nas barraquinhas… mas meus olhos voltavam para eles, como se minha curiosidade tivesse vontade própria.E foi aí que senti. Uma pontinha de ciúmes.Ridículo.Balancei a cabeça discretamente, como se tentasse espantar o pensamento. Não fazia sentido. Eu mal conhecia Zeca. Ele era g
Nos perdemos entre as barraquinhas, a música vibrando pelos paralelepípedos da praça, e a cachaça ainda zunindo levemente na minha cabeça. Era como estar dentro de um daqueles livros de romance de interior, só que com sapatos desconfortáveis e o cabelo já começando a armar por causa da umidade.— Quer pamonha, moça? — uma senhora me ofereceu com um sorriso tão gentil que, se eu dissesse não, provavelmente desrespeitaria três gerações da família dela.Aceitei. E logo em seguida, um copinho de quentão. E depois um pedacinho de bolo de fubá. E foi assim que descobri que em festas de cidade pequena, você não anda — você come, e muito.Zeca desapareceu por uns minutos, e confesso que senti falta de sua presença irritante. Ele tinha aquele jeito de “não ligo pra nada”, mas andava como se conhecesse cada centímetro daquela praça — e, provavelmente, conhecia. Quando voltou, trazia duas cadeiras de plástico equilibradas num braço.— Achei que ia desmaiar em pé — ele falou, me entregando uma e
As ruas de paralelepípedo de Monte Verde pareciam ter ganhado vida própria. Fitas coloridas cruzavam o alto das vielas, balançando com a brisa leve do fim de tarde. Pequenas bandeirinhas de papel tremulavam entre os postes de luz, formando um céu vibrante sobre nossas cabeças. O cheiro de comida tomava conta do ar, uma mistura deliciosa de milho assado, churros, espetinhos e um leve aroma adocicado de quentão, mesmo que a noite ainda não tivesse chegado.As barraquinhas se alinhavam lado a lado, cada uma mais convidativa que a outra. Algumas exibiam prateleiras recheadas de doces caseiros, enquanto outras tinham senhorinhas vendendo artesanato local — toalhinhas bordadas, colchas de tricô e pequenas esculturas de madeira. Ao fundo, um palco improvisado feito de tábuas rústicas já estava montado, com caixas de som posicionadas e um grupo de músicos ajeitando seus instrumentos. Vi um sanfoneiro testando os primeiros acordes, e soube que logo a festa estaria completa.A praça central era
Fiquei parada na frente da minha mala — qual eu ainda não tinha desfeito completamente — olhando para as roupas como se elas fossem me dar a resposta sozinhas.O que diabos se usa em uma festa no centro de uma cidadezinha do interior? Certamente não era nada parecido com os vestidos luxuosos que eu costumava usar nas festas da elite que frequentava com meus pais. Nada de saltos absurdamente altos, nada de tecidos delicados que não podiam ver um pingo de sujeira sem estragar.Eu precisava de algo confortável, algo que não gritasse "turista perdida", mas que também não me fizesse parecer deslocada.Revirei minhas roupas e puxei uma calça jeans confortável, um pouco mais justa do que o necessário, mas nada que me deixasse desconfortável. Combinei com uma blusa branca simples, de mangas curtas, e finalizei com uma jaqueta jeans, porque, pelo que eu havia aprendido nos últimos dias, o clima por aqui podia mudar num piscar de olhos.Nos pés, dispensei qualquer tentativa de sofisticação. Se
Suspirei, olhando ao redor. O chalé, apesar de não estar exatamente perfeito, já estava habitável graças à ajuda de Zeca no dia anterior. Não tinha mais janelas despencando, o chão não rangia como se gritasse por socorro a cada passo, e eu não corria mais o risco de um armário cair sobre minha cabeça.Mas e agora?A ideia era simples: me isolar, encontrar inspiração, escrever o bendito livro. Só que, claramente, meu cérebro não estava colaborando. E sem escrever, o que mais eu poderia fazer aqui?Fui até a cozinha, enchi a terceira xícara de café da manhã – porque aparentemente, essa era minha nova personalidade – e encarei a paisagem pela janela. A calmaria do lugar me dava uma inquietação estranha.Talvez eu devesse explorar um pouco. Dar uma volta pela cidade, ver se alguma coisa me despertava criatividade. Ou talvez…Uma batida na porta me fez sair dos devaneios.— Alice, minha filha, tá viva aí dentro?Dona Gertrudes.Respirei fundo e fui abrir a porta. Ela me olhou de cima a bai
Zeca estava ali, parado no batente da janela, concentrado em encaixar a madeira no lugar certo, e eu? Bom, eu estava parada, segurando uma caixa de pregos que ele nem tinha pedido, observando cada detalhe dele como se fosse meu trabalho.A camisa xadrez de mangas curtas estava um pouco aberta no topo, revelando um pedaço do peito bronzeado. Os músculos dos braços se flexionavam toda vez que ele levantava a janela, e eu podia ver claramente as veias sob a pele. Aquele homem definitivamente trabalhava duro.Os cabelos castanhos escapavam por baixo do chapéu surrado, um pouco mais longos do que deviam ser, caindo sobre a testa de um jeito que parecia bagunçado de propósito. Meu Deus, ele precisava urgentemente de um corte de cabelo... ou talvez não. Talvez fosse melhor deixar assim, meio rebelde, meio despreocupado.
Eu sempre achei que assistir a um monte de episódios de Irmãos à Obra me tornava, no mínimo, semi-profissional na arte da reforma. Afinal, como poderia ser tão difícil? Você pega umas ferramentas, dá umas marteladas aqui, passa um pouco de massa ali, pronto.Doce ilusão.Comecei organizando minhas compras. O que significava que eu basicamente joguei tudo em um canto da cozinha e decidi fingir que estava organizado.Prioridades.A primeira coisa que precisava de atenção era a janela da sala. Ela estava meio emperrada, rangendo como se estivesse gritando de dor toda vez que eu tentava abrir. Peguei minha nova chave de fenda e me aproximei com a confiança de quem não faz ideia do que está fazendo.— Ok, garota. Você consegue. É só desmontar, passar um óleo, montar de novo.Afrouxei alguns parafusos, empurrei a madeira… e a janela saiu inteira da parede.Fiquei parada olhando para aquilo, ainda segurando a chave de fenda, me perguntando se tinha como colar de volta só com força do pensame
Depois do pequeno sermão de Seu Evaldo sobre ferramentas e da teoria conspiratória de Dona Gertrudes sobre meu livro envolvendo cowboys — o que definitivamente não iria acontecer —, seguimos para o restante das compras.Se eu achava que o mercado tinha sido uma experiência intensa, eu estava enganada.Andar pelo centro com Dona Gertrudes era como caminhar com uma celebridade. Ela conhecia todo mundo, todo mundo a conhecia, e aparentemente, a cidade toda já sabia da "moça nova que veio de São Paulo e tá reformando um chalé sozinha".— Uai, Alice! Então cê que é a escritora? Vai escrever sobre a nossa cidade? — Uma senhora com um avental florido perguntou, me segurando pelo braço antes que eu pudesse escapar.— Hmmm… talvez?— Mas é romance ou mistério? Porque se for mistério, tem que contar da lenda do Chico sem sombra!— Do… do quê?Dona Gertrudes acenou para a senhora e me puxou pelo braço antes que eu fosse arrastada para uma história maluca de assombração.— Depois eu te conto. Se