Fiquei parada na frente da minha mala — qual eu ainda não tinha desfeito completamente — olhando para as roupas como se elas fossem me dar a resposta sozinhas.O que diabos se usa em uma festa no centro de uma cidadezinha do interior? Certamente não era nada parecido com os vestidos luxuosos que eu costumava usar nas festas da elite que frequentava com meus pais. Nada de saltos absurdamente altos, nada de tecidos delicados que não podiam ver um pingo de sujeira sem estragar.Eu precisava de algo confortável, algo que não gritasse "turista perdida", mas que também não me fizesse parecer deslocada.Revirei minhas roupas e puxei uma calça jeans confortável, um pouco mais justa do que o necessário, mas nada que me deixasse desconfortável. Combinei com uma blusa branca simples, de mangas curtas, e finalizei com uma jaqueta jeans, porque, pelo que eu havia aprendido nos últimos dias, o clima por aqui podia mudar num piscar de olhos.Nos pés, dispensei qualquer tentativa de sofisticação. Se
As ruas de paralelepípedo de Monte Verde pareciam ter ganhado vida própria. Fitas coloridas cruzavam o alto das vielas, balançando com a brisa leve do fim de tarde. Pequenas bandeirinhas de papel tremulavam entre os postes de luz, formando um céu vibrante sobre nossas cabeças. O cheiro de comida tomava conta do ar, uma mistura deliciosa de milho assado, churros, espetinhos e um leve aroma adocicado de quentão, mesmo que a noite ainda não tivesse chegado.As barraquinhas se alinhavam lado a lado, cada uma mais convidativa que a outra. Algumas exibiam prateleiras recheadas de doces caseiros, enquanto outras tinham senhorinhas vendendo artesanato local — toalhinhas bordadas, colchas de tricô e pequenas esculturas de madeira. Ao fundo, um palco improvisado feito de tábuas rústicas já estava montado, com caixas de som posicionadas e um grupo de músicos ajeitando seus instrumentos. Vi um sanfoneiro testando os primeiros acordes, e soube que logo a festa estaria completa.A praça central era
Nos perdemos entre as barraquinhas, a música vibrando pelos paralelepípedos da praça, e a cachaça ainda zunindo levemente na minha cabeça. Era como estar dentro de um daqueles livros de romance de interior, só que com sapatos desconfortáveis e o cabelo já começando a armar por causa da umidade.— Quer pamonha, moça? — uma senhora me ofereceu com um sorriso tão gentil que, se eu dissesse não, provavelmente desrespeitaria três gerações da família dela.Aceitei. E logo em seguida, um copinho de quentão. E depois um pedacinho de bolo de fubá. E foi assim que descobri que em festas de cidade pequena, você não anda — você come, e muito.Zeca desapareceu por uns minutos, e confesso que senti falta de sua presença irritante. Ele tinha aquele jeito de “não ligo pra nada”, mas andava como se conhecesse cada centímetro daquela praça — e, provavelmente, conhecia. Quando voltou, trazia duas cadeiras de plástico equilibradas num braço.— Achei que ia desmaiar em pé — ele falou, me entregando uma e
Zeca não respondeu. Apenas estendeu a mão com naturalidade para Letícia, e ela aceitou como se fosse parte de uma coreografia que já conhecia bem. A cena se desenrolou diante dos meus olhos quase em câmera lenta: ele guiando-a até a pista de dança, os dois se posicionando com familiaridade, como quem já havia feito aquilo muitas vezes antes.E então começaram a dançar.Não era só técnica — era sintonia. Os passos de Zeca eram firmes, seguros, e Letícia o acompanhava com uma leveza que parecia ensaiada. Eles se encaixavam de um jeito que me incomodou mais do que eu gostaria de admitir.Fiquei ali, sentada, fingindo que observava a decoração da festa, as luzinhas penduradas nas árvores, o movimento das pessoas nas barraquinhas… mas meus olhos voltavam para eles, como se minha curiosidade tivesse vontade própria.E foi aí que senti. Uma pontinha de ciúmes.Ridículo.Balancei a cabeça discretamente, como se tentasse espantar o pensamento. Não fazia sentido. Eu mal conhecia Zeca. Ele era g
Acompanhei Lucas até onde a moto estava estacionada, ainda não totalmente convencida de que aquilo era uma boa ideia. A cada passo, meu cérebro repetia o mesmo mantra: Você vai subir numa moto. Com um estranho. À noite. No meio do interior. Ótimo enredo para um suspense — e não o tipo de romance que eu estava tentando escrever.Parei diante da moto, os braços cruzados. Olhei para ela como quem encara uma fera selvagem. Depois, olhei para ele. Sorridente, tranquilo demais para alguém que pretendia equilibrar duas pessoas numa máquina de duas rodas.— Você ainda tá com essa cara de quem vai fugir — ele disse, parando ao meu lado. — Relaxa, moça. A dona Gertrudes já me recomendou. E ela não recomenda qualquer um, viu?— Eu sei… — suspirei. — Mas eu não te conheço.Ele sorriu, como se já esperasse por isso.— Justo. Então deixa eu me apresentar direito. — Estendeu a mão. — Lucas Andrade. Sou o veterinário da região. Se tiver algum bicho doente, eu sou quem a cidade chama.Apertei a mão de
— Dona Gertrudes não vai junto? — perguntei, olhando pela janela, tentando encontrar aquela silhueta familiar entre as pessoas que ainda circulavam pela festa.— Não — Zeca respondeu seco, sem nem desviar os olhos da estrada.— Ué… por quê?— Vai ficar ajudando o pessoal a desmontar as barracas, como sempre — ele deu de ombros, como se fosse óbvio. — Dona Ge conhece cada um aqui, tem dedo em tudo.Assenti devagar, absorvendo a resposta. Claro que ela ficaria. Aquela mulher parecia ser a alma daquele lugar. Sempre disposta, sempre presente. E, por algum motivo, aquilo me deu um pequeno alívio. Eu não teria que encarar o silêncio desconfortável do carro sozin
Frustrada.Irritada.Com ódio.Gritei, enterrando o rosto no travesseiro.O som abafado não foi suficiente para expressar toda a minha revolta, então rolei na cama e arremessei o travesseiro contra a parede. Claro que ele caiu no chão de um jeito pateticamente inofensivo, o que só me deixou ainda mais irritada.— Como eu pude ser tão burra?! — esbravejei, sentando na cama e bagunçando ainda mais o cabelo que já estava um caos.Respirei fundo, tentando me acalmar. Contar até dez? Esquece. Se contar até dez funcionasse, eu já estaria zen igual um monge tibetano. Mas não. Eu estava a um passo de tacar o celular na parede e me autoexilar em uma montanha distante, longe da sociedade e dos idiotas que habitam nela.Levantei de um pulo, marchando pelo quarto como um animal enjaulado. Cada passo ecoava minha fúria.O motivo? Simples. Eu tinha passado dias, semanas, meses construindo uma ilusão. Alimentando uma esperança idiota baseada em nada mais que mensagens bonitinhas, emojis fofos e prom
Chego em casa, a determinação latejando em cada célula do meu corpo. Mudar de vida. Era isso. Nada mais de rotina, nada mais de bem bom. Bem bom era o código para o meu estado de conforto paralisante, onde maratonava séries sem graça e pedia a mesma pizza de sempre, todas as sextas.Enquanto eu saia do elevador pronta para entrar na minha cobertura, já podia sentir o cheiro familiar do meu apartamento: uma mistura de sachê de lavanda e resignação. Abro a porta e jogo minha bolsa no sofá, que geme sob o peso extra. Olho ao redor. As paredes cor de creme pareciam me encarar, cúmplices silenciosas da minha vida insossa.— Chega! — eu digo em voz alta, o som ecoando no espaço. — Alice 2.0 está na área.O problema é: quem era essa Alice 2.0? Eu não tinha a menor ideia. Sabia apenas que precisava ser alguém mais... vibrante. Alguém que dissesse sim para o inesperado, que arriscasse um tropeção em vez de ficar sentada no sofá, colecionando migalhas de biscoito.Talvez devesse começar com al