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Capítulo 02 - Solução Drástica

Chego em casa, a determinação latejando em cada célula do meu corpo. Mudar de vida. Era isso. Nada mais de rotina, nada mais de bem bom. Bem bom era o código para o meu estado de conforto paralisante, onde maratonava séries sem graça e pedia a mesma pizza de sempre, todas as sextas.

Enquanto eu saia do elevador pronta para entrar na minha cobertura, já podia sentir o cheiro familiar do meu apartamento: uma mistura de sachê de lavanda e resignação. Abro a porta e jogo minha bolsa no sofá, que geme sob o peso extra. Olho ao redor. As paredes cor de creme pareciam me encarar, cúmplices silenciosas da minha vida insossa.

Chega!  eu digo em voz alta, o som ecoando no espaço. Alice 2.0 está na área.

O problema é: quem era essa Alice 2.0? Eu não tinha a menor ideia. Sabia apenas que precisava ser alguém mais... vibrante. Alguém que dissesse sim para o inesperado, que arriscasse um tropeção em vez de ficar sentada no sofá, colecionando migalhas de biscoito.

Talvez devesse começar com algo pequeno. Tipo, radicalmente pequeno. Em vez do meu pijama de flanela de sempre, poderia usar aquela lingerie "mais para um monte de fios do que para calcinha e sutiã" que comprei por impulso e nunca tive coragem de usar.

A ideia me faz rir. Era um começo ridículo, mas um começo.

Continuo encarando o teto da sala, satisfeita com a minha rebeldia repentina. Pelo menos até Marta, a governanta, surgir na porta da cozinha, me olhando como se eu tivesse enlouquecido de vez. E talvez eu estivesse, mas quem se importava?

Eu tive uma ideia, Martinha  digo, com um sorriso que aposto ser meio maníaco. Afinal, eu estava ficando maluca. E dane-se essa história de começar com algo pequeno.

Agora eu sei o que eu realmente preciso  declaro, sentindo a empolgação crescer a cada palavra Mudar a minha vida!

Marta me observa, curiosa. 

Mudar como, menina?

Raciocina comigo  peço, me levantando e começando a gesticular com as mãos, como se estivesse apresentando um caso para um júri Primeiro, eu passo o dia todo olhando para o teto, esperando minha criatividade cair do céu. Segundo, esse apartamento pode ser o mais luxuoso de São Paulo, mas também é o mais sem graça. E terceiro, não aguento mais a minha rotina!

Faço uma pausa dramática para deixar minhas palavras fazerem efeito. Marta, por sua vez, parece genuinamente interessada.

Então, o que você propõe?  ela pergunta, cruzando os braços.

Eu preciso de um choque de realidade! De uma imersão no mundo real! De... um emprego!  exclamo, como se tivesse acabado de descobrir a cura para o câncer.

Marta arregala os olhos. 

Um emprego? Alice, você não precisa trabalhar. Sua família deixou uma fortuna para você. Você pode viver confortavelmente pelo resto da vida sem levantar um dedo.

Eu sei, eu sei respondo, impaciente Mas não é sobre dinheiro, Marta. É sobre propósito! Sobre fazer algo que me faça sentir útil! Eu quero contribuir para o mundo, sabe? Além de comprar sapatos de grife e frequentar salões de beleza.

E o que você faria?  Marta pergunta, ainda cética Você não tem experiência em nada, a não ser gastar dinheiro.

Aquelas palavras me atingem como um balde de água fria. Ela tinha razão. Eu era uma completa inútil. Mas isso não ia me impedir.

Eu vou descobrir!  digo, com determinação Vou procurar algo que eu goste, algo que me desafie, algo que me faça levantar da cama todos os dias com um sorriso no rosto.

E onde você vai procurar?  Marta pergunta, com um tom de voz que sugere que ela espera que eu desista da ideia no minuto seguinte.

Eu não sei!  respondo, honestamente Mas eu vou encontrar. Vou vasculhar a internet, vou perguntar para as pessoas, vou me inscrever em cursos, vou fazer o que for preciso. Eu vou achar o meu lugar no mundo, Marta. Custe o que custar.

E, pela primeira vez em muito tempo, sinto uma pontada de esperança. Talvez, só talvez, eu estivesse prestes a transformar minha vida sem graça em algo extraordinário.

Me afundo na internet, buscando por empregos. Nada! Nada que eu ache ou goste. Massageio as têmporas. Até achar um emprego era difícil assim?

Foi então que eu vi. Um anúncio de venda. Uma casinha no interior de Minas Gerais.

Abro o anúncio e começo a ler. A dona da casa estava muito idosa e os filhos a levaram para morar com eles. A casa estava vazia há alguns anos, precisaria de pequenas reformas.

As fotos da casa? Uma fofura!

É isso!

Marta!  grito, correndo para a cozinha Achei! Achei a solução para os nossos problemas!

Marta, que estava preparando um sanduíche, se assusta com a minha entrada repentina. 

O que foi, Alice? Aconteceu alguma coisa?

Eu vou comprar uma casa!  exclamo, exibindo o anúncio no meu celular No interior de Minas!

Marta franze a testa, confusa. 

Comprar uma casa? Mas por quê? Você já tem um baita apartamento aqui na Paulista.

Eu sei, mas essa casa é diferente  respondo, com um brilho nos olhos Ela é charmosa, aconchegante, cheia de história... E o melhor de tudo: precisa de reforma!

Reforma?  Marta repete, horrorizada Alice, você não sabe nem trocar uma lâmpada!

Eu sei, mas eu posso aprender!  digo, com entusiasmo E você pode me ajudar! Nós podemos transformar essa casa em um refúgio perfeito, longe da agitação da cidade. Podemos ter um jardim, criar galinhas, fazer geleia de frutas...

Marta me encara, incrédula.

Você está falando sério? 

Nunca falei tão sério na minha vida!  respondo, com um sorriso radiante Essa casa é a nossa chance de recomeçar, de mudar de vida, de encontrar a felicidade no meio do mato!

Alice, eu posso até apoiar essa loucura, mas de longe. Eu fico por aqui e cuido do seu apartamento enquanto você vai atrás... do que quer que seja  Marta diz, com um tom firme que não admite discussão.

Faço bico. 

Martinha...

Não adianta. Ficar ouvindo você reclamar de mosquitos? Estou fora!  ela exclama, voltando a preparar seu sanduíche.

Suspiro, derrotada. Sabia que seria difícil convencê-la a largar o conforto do apartamento. 

Tudo bem, Marta  digo, tentando soar compreensiva Eu entendo. Mas promete que vai me visitar? E que vai me dar conselhos por telefone? E que vai cuidar do meu apartamento como se fosse seu?

Marta me olha de soslaio, com um sorriso divertido nos lábios. 

Prometo  ela diz Mas só se você me prometer que não vai fazer nenhuma besteira. E que vai me ligar todos os dias para contar as novidades. E que vai me trazer um queijo de Minas delicioso.

Prometo, prometo, prometo!  respondo Você é a melhor, Marta. A melhor governanta, a melhor amiga, a melhor conselheira…

Tá bom, tá bom ela me interrompe, corando levemente Já entendi. Agora vai arrumar as malas e se preparar para a vida no campo. E não se esqueça de levar repelente.

Rio, abraçando-a novamente. 

Pode deixar. Vou levar repelente, protetor solar, chapéu de palha e tudo o mais que eu precisar para sobreviver na selva.

Agora só faltava convencer o proprietário a me vender a casa, arrumar as malas e me despedir da vida de luxo em São Paulo. Ah, e talvez aprender a usar uma furadeira. Mas isso eram detalhes. O importante é que eu estava prestes a embarcar na maior aventura da minha vida. E, pela primeira vez em muito tempo, eu estava realmente animada.

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