Depois de perguntar para algumas pessoas, encontro um pequeno armazém que vendia de tudo um pouco. Entro na loja e sou recebida por um senhor simpático, com um sorriso acolhedor.
— Tarde, moça. Posso ajudar? — ele pergunta, com um sotaque mineiro carregado.
— Boa tarde — respondo, com um sorriso — Eu preciso de uma caixa de ferramentas e de uma extensão para ligar um chuveiro.
O senhor me olha com curiosidade, mas não faz perguntas. Ele me mostra uma variedade de ferramentas e extensões, e me ajuda a escolher as melhores opções.
Enquanto pago pelas compras, pergunto sobre a instalação do chuveiro. O senhor me indica um eletricista da cidade, dizendo que ele era o melhor da região.
— Eletricista? Eu não posso fazer isso sozinha? — pergunto, com um tom de voz desafiador.
O senhor sorri, balançando a cabeça.
— Moça, mexer com eletricidade não é brincadeira. É melhor deixar para quem entende do assunto.
Suspiro, derrotada. Sabia que ele estava certo, mas não queria depender de ninguém. Queria fazer tudo sozinha, provar para mim mesma que era capaz de superar qualquer obstáculo.
— Tudo bem — digo, pegando o telefone do eletricista — Vou ligar para ele.
Saio da loja com a caixa de ferramentas e a extensão, sentindo-me um pouco mais confiante. Pelo menos, teria chuveiro quente naquela noite.
— Eu me nego a tomar banho frio! — penso, com um sorriso determinado.
Dirijo de volta para casa, ansiosa para começar a trabalhar. Tinha muito a fazer, mas estava disposta a dar o meu melhor. A aventura tinha ficado mais desafiadora do que eu imaginava, mas eu não ia desistir. Eu ia transformar aquela casa em um lar, nem que para isso eu tivesse que virar eletricista, pedreira e o que mais fosse preciso.
Já em casa ligo para o tal eletricista.
— Alô? — Um homem atende com a voz grave.
— Oi, é o Zeca?
— Sim, quem é?
— Meu nome é Alice, me mudei agora aqui para Monte Verde e preciso instalar um chuveiro... o senhor simpático onde comprei umas ferramentas me passou seu contato.
A linha fica em silêncio por um tempo, até ouvir alguém bufando do outro lado da linha.
— Qual seu endereço, moça?
Sorrio satisfeito e passo o endereço, sendo avisada que ele está vindo.
Enquanto espero Zeca chegar, resolvo dar uma olhada mais de perto na caixa de ferramentas que comprei. Chaves de fenda, alicates, fitas isolantes... um universo totalmente novo para mim. Folheio o guia prático de "Como instalar um chuveiro" que encontrei na internet. Desligo o disjuntor e o registro de água, como manda o figurino. A teoria parece simples, mas a prática... bem, a prática é outra história.
Quando Zeca desce do carro, perco o fôlego por um instante. Já estava na hora de ver alguma coisa boa por aqui.
Não era o Zeca que eu imaginava. Longe do eletricista corpulento e mal-humorado que eu tinha visualizado, surge um homem jovem, moreno com traços fortes. Ele vestia uma camisa xadrez surrada, calças jeans desbotadas e um chapéu de cowboy que lhe dava um charme rústico irresistível. Seus olhos castanhos brilhavam com uma intensidade que me deixou sem palavras.
Aquele não era um eletricista, era um galã de novela das nove!
— Dona Alice? — ele pergunta, com a voz rouca e um sotaque mineiro que me faz suspirar.
— Sim, sou eu — respondo, tentando disfarçar o meu embaraço — Você é o Zeca? —
Ele assente com a cabeça, tirando o chapéu e revelando um cabelo castanho escuro, um pouco comprido e bagunçado, que só o deixava ainda mais charmoso.
— Eu mesma queria instalar, mas tenho noção zero sobre isso, aí o senhorzinho me passou seu número.
— Você já disse isso na ligação — Falou ríspido.
É, aparentemente, a parte do eletricista mal-humorado eu acertei.
— Meu pai adora me dar coisas para fazer que não é meu serviço — ele murmura. — Onde é o banheiro?
— Como assim não é o seu serviço?
— Não sou eletricista, meu pai só não queria ser culpado de você se matar eletrocutada — Ele sorri irônico.
Arregalo os olhos, surpresa e um tanto irritada. Não bastasse a casa estar caindo aos pedaços e o banheiro ser uma privada a céu aberto, o eletricista gato era um impostor!
— Então quer dizer que você não sabe instalar um chuveiro? — pergunto, cruzando os braços e arqueando uma sobrancelha.
— É claro que sei — ele responde, com um tom de voz despreocupado.
A vontade que eu tenho é de mandá-lo embora e tentar instalar o chuveiro sozinha. Mas a ideia de levar um choque e virar churrasquinho me impede de fazer uma loucura.
Mais uma, no caso.
— Ótimo — digo, bufando — Era só o que me faltava. Um eletricista de meia tigela para me ajudar a consertar uma casa de meia tigela.
— Eita, lasqueira. Além de vir ajudar me xinga? — Ele fechou ainda mais a cara.
— Você não disse que não era seu trabalho? Então pronto, não precisa mais fazer!
Falei irritada me virando e seguindo determinada a me virar sozinha.
— Ah, mas não vai mesmo, égua! — Ele começou a vir atrás de mim.
— Você me chamou do que? — Pergunto ofendida, parando de andar e me virando para encará-lo.
— Chamei de nada, égua! — Respondeu parecendo mais ofendido que eu — Se a dondoca se machucar meu pai me inferniza, então não vai fazer é nada!
Cruzo os braços, indignada. Além de ser um eletricista fake e mal-humorado, ele ainda me chamava de "égua" e "dondoca"? Que ultraje!
— Olha aqui, seu caipira — digo, com a voz carregada de irritação — Eu não sou nenhuma dondoca e muito menos uma égua. Sou uma mulher independente e capaz de fazer o que quiser. E se eu quiser instalar um chuveiro sozinha, vou instalar, sim!
Zeca solta um riso debochado, que me irrita ainda mais.
— Independente? Capaz? Ah, faça-me o favor! — ele diz, com um tom de voz sarcástico.
Sinto minhas bochechas corarem de raiva. Como ele ousa me desafiar daquele jeito?
— Quer apostar? — pergunto, com um olhar desafiador — Aposto que consigo instalar esse chuveiro antes de você terminar de tomar uma cerveja!
— Para de ser maluca e me diz onde fica o chuveiro pra eu instalar esse trem e poder ir — ele fala estressado.
— Eu disse que não precisa — Cruzo os braços, levantando o queixo.
Ele passa uma das mãos pelo rosto, parecendo prestes a voar no meu pescoço.
Sem dizer mais nada, ele passa por mim indo em direção à casa.
— Ei! Onde você pensa que vai?
— Onde você acha? Instalar a porcaria do chuveiro antes que eu te afogue... na água gelada ainda.
Solto um suspiro irritado. Zeca era impossível! Teimoso, mandão e, para completar, ainda me ameaçava. Mas, no fundo, eu sabia que ele estava certo. Eu não fazia a menor ideia de como instalar um chuveiro e, por mais que doesse admitir, precisava da ajuda dele.
— Tá bom, tá bom — digo, seguindo-o até a casa — Eu te mostro onde fica o banheiro. Mas não precisa ser grosso.
Zeca me ignora e entra na casa, vasculhando a caixa de ferramentas que havia trazido.
— Cadê a chave de fenda? — ele pergunta, sem me olhar.
— Está aí dentro — respondo, apontando para a caixa.
Zeca pega a chave de fenda e caminha em direção ao banheiro externo, murmurando algo sobre "mulheres complicadas".
Reviro os olhos e o sigo, tentando manter a calma. Aquela situação toda era absurda. Eu, uma patricinha acostumada a ter tudo do bom e do melhor, agora estava dependendo de um caipira mal-humorado para tomar um banho quente. Era o fim da picada!
Chegando ao banheiro, Zeca examina a fiação e o encanamento com atenção.
— A situação aqui é pior do que eu imaginava — ele diz, com um tom de voz preocupado — Mas dá pra fazer.
Ele começa a trabalhar, manuseando as ferramentas com habilidade e precisão. A cada movimento, seus músculos se contraem sob a camisa xadrez, me deixando hipnotizada.
— Precisa de alguma coisa? — pergunto, tentando ser útil.
Zeca me lança um olhar de soslaio.
— Só preciso que você fique quieta e não me atrapalhe — ele responde, com um sorriso de canto.
E com um bico de todo tamanho, eu esperei.
Água quente! Pelo menos isso.— Obrigada — agradeci ao caipira entojado que não havia dito uma palavra gentil desde que apareceu — ou melhor, agradeça ao seu pai!Cruzei os braços enquanto ele revirava os olhos, guardando as ferramentas de volta para a caixa. Zeca limpou as gotículas de suor em seu rosto, e eu não pude deixar de notar o quão bronzeada estava sua pele. Um bronzeado de quem trabalha duro sob o sol, não como o meu, conquistado em sessões de solário e protetor solar fator 50.— Olha só, dona, conheço bem seu tipinho. Menina de cidade que fica entediada e quer vir em busca de aventura, mas não fica com esse pensamento de querer fazer as coisas sozinhas, que você vai só se lascar
Fui até a cozinha e cortei uma fatia generosa do bolo de fubá, acompanhada de uma xícara de chá. Sentei-me na varanda e observei o céu estrelado, tentando identificar as constelações que meus avós haviam me ensinado quando eu era criança.Estava admirando o céu, quando de repente, sou brutalmente atacada.Penas, unhas, cacarejos e bicadas.Gritei, pulando da varanda como se minha vida dependesse disso (e talvez dependesse, considerando a fúria da criatura).Uma galinha. Uma galinha gigante e furiosa, com o olhar fixo em mim e uma determinação assustadora em seus cacarejos. Ela avançava em minha direção, como se eu fosse a personificação de todos o
O galo cantou. De novo. E de novo.Afundei o rosto no travesseiro, soltando um grunhido indignado contra a "criatura de penas" que, aparentemente, havia decidido que seu propósito na vida era me atormentar. Quem acorda assim? Quem, em sã consciência, acha que é uma boa ideia começar o dia berrando para os quatro ventos? Esse galo precisava rever suas escolhas.Soltei um suspiro dramático e virei de barriga para cima, encarando o teto com aquele olhar perdido de quem ainda não aceitou o fato de que precisa levantar. Havia tanto para fazer… Tanta coisa para consertar, remendar, pregar e – dependendo do meu talento com ferramentas – possivelmente destruir ainda mais. Essa casinha era meu novo lar, mas, no momento, parecia mais um projeto de sobrevivência do que qualquer outra coisa.E eu precisaria de ajuda. Mas isso era um problema para a Alice do futuro. A Alice do presente tinha prioridades mais urgentes, como, por exemplo, um café da manhã gigantesco, digno de uma heroína que estava
Dirigir pelo interior era uma experiência curiosa. Diferente da selva de pedra que eu deixei para trás, aqui as ruas eram estreitas, como se cada pedaço da cidade tivesse sido construído para acomodar conversas na calçada e encontros casuais entre vizinhos que se conheciam pelo nome há gerações.Ao entrar no centro da cidade, reduzi a velocidade, observando o cenário ao meu redor. As casas eram pequenas, com fachadas coloridas que variavam entre tons vibrantes de amarelo, azul e verde, algumas com portas de madeira antigas e janelas decoradas com cortinas rendadas. Quase todas tinham vasos de flores nas sacadas ou jardineiras na entrada, como se fosse lei ter um mínimo de charme natural.As ruas de paralelepípedo faziam meu carro trepidar levemente, me lembrando que aqui as coisas tinham outro ritmo – mais devagar, sem pressa, como se o tempo tivesse aprendido a caminhar em vez de correr. Nas calçadas, senhorinhas conversavam enquanto equilibravam sacolas de feira, e um grupo de crian
Frustrada.Irritada.Com ódio.Gritei, enterrando o rosto no travesseiro.O som abafado não foi suficiente para expressar toda a minha revolta, então rolei na cama e arremessei o travesseiro contra a parede. Claro que ele caiu no chão de um jeito pateticamente inofensivo, o que só me deixou ainda mais irritada.— Como eu pude ser tão burra?! — esbravejei, sentando na cama e bagunçando ainda mais o cabelo que já estava um caos.Respirei fundo, tentando me acalmar. Contar até dez? Esquece. Se contar até dez funcionasse, eu já estaria zen igual um monge tibetano. Mas não. Eu estava a um passo de tacar o celular na parede e me autoexilar em uma montanha distante, longe da sociedade e dos idiotas que habitam nela.Levantei de um pulo, marchando pelo quarto como um animal enjaulado. Cada passo ecoava minha fúria.O motivo? Simples. Eu tinha passado dias, semanas, meses construindo uma ilusão. Alimentando uma esperança idiota baseada em nada mais que mensagens bonitinhas, emojis fofos e prom
Chego em casa, a determinação latejando em cada célula do meu corpo. Mudar de vida. Era isso. Nada mais de rotina, nada mais de bem bom. Bem bom era o código para o meu estado de conforto paralisante, onde maratonava séries sem graça e pedia a mesma pizza de sempre, todas as sextas.Enquanto eu saia do elevador pronta para entrar na minha cobertura, já podia sentir o cheiro familiar do meu apartamento: uma mistura de sachê de lavanda e resignação. Abro a porta e jogo minha bolsa no sofá, que geme sob o peso extra. Olho ao redor. As paredes cor de creme pareciam me encarar, cúmplices silenciosas da minha vida insossa.— Chega! — eu digo em voz alta, o som ecoando no espaço. — Alice 2.0 está na área.O problema é: quem era essa Alice 2.0? Eu não tinha a menor ideia. Sabia apenas que precisava ser alguém mais... vibrante. Alguém que dissesse sim para o inesperado, que arriscasse um tropeção em vez de ficar sentada no sofá, colecionando migalhas de biscoito.Talvez devesse começar com al
Minhas malas estavam prontas, espalhadas no meio do meu apartamento, enquanto meus pais olhavam horrorizados para elas. Pareciam duas estátuas de sal, paralisadas diante do caos que se instaurou na sala de estar.— Vocês vão ficar aí parados, ou vão me ajudar a levar isso pro carro? — pergunto, sorrindo.Meus pais eram diplomatas, nascidos e criados em berço de ouro, assim como eu. Então não os julgo por estarem malucos com a ideia de eu me mudar sozinha para o interior. Afinal, qual filha de embaixador, sã, trocaria um apartamento de luxo em São Paulo por uma casa no meio do mato?— Ela ficou maluca de vez, Carlos — mamãe fala para meu pai, com a voz embargada — Primeiro compra uma casa caindo aos pedaços, depois me pede para carregar malas usando um salto!— Entendo, Diana, também estou preocupado. Será que ela bateu a cabeça? — papai responde, com um olhar preocupado.Bufo, irritada. Sério que eles achavam que eu tinha enlouquecido? Eu estava apenas buscando a felicidade, e eles
Três horas depois, aqui estava eu, parada em frente à tal "casinha fofa" do anúncio, tentando desesperadamente encontrar alguma semelhança com a imagem idealizada que eu tinha criado na minha cabeça.— Algumas reformas — Murmurei o que dizia o anúncio.Precisava era derrubar e construir de novo, isso sim!A "casinha" era, na verdade, uma construção de madeira pequena e desgastada, com um ar de abandono que me dava calafrios. A pintura descascada revelava um amadeirado cinzento, com pedaços lascados aqui e ali. O telhado, coberto de musgo e com algumas telhas faltando, parecia prestes a desabar a qualquer momento.A varanda, estreita e com o piso apodrecido, rangia ameaçadoramente a cada brisa que passava. As janelas, empenadas e com vidros rachados, pareciam olhos mortos me encarando. A porta da frente, de madeira maciça, estava coberta de ferrugem e com a maçaneta bamba, dando a impressão de que se abriria com um simples toque.Ao redor da casa, o jardim, que um dia devia ter sido ex