Três horas depois, aqui estava eu, parada em frente à tal "casinha fofa" do anúncio, tentando desesperadamente encontrar alguma semelhança com a imagem idealizada que eu tinha criado na minha cabeça.
— Algumas reformas — Murmurei o que dizia o anúncio.
Precisava era derrubar e construir de novo, isso sim!
A "casinha" era, na verdade, uma construção de madeira pequena e desgastada, com um ar de abandono que me dava calafrios. A pintura descascada revelava um amadeirado cinzento, com pedaços lascados aqui e ali. O telhado, coberto de musgo e com algumas telhas faltando, parecia prestes a desabar a qualquer momento.
A varanda, estreita e com o piso apodrecido, rangia ameaçadoramente a cada brisa que passava. As janelas, empenadas e com vidros rachados, pareciam olhos mortos me encarando. A porta da frente, de madeira maciça, estava coberta de ferrugem e com a maçaneta bamba, dando a impressão de que se abriria com um simples toque.
Ao redor da casa, o jardim, que um dia devia ter sido exuberante, agora era um matagal denso e descuidado. A grama alta cobria o que antes devia ter sido um caminho de pedras, e as flores, antes coloridas, estavam murchas e esquecidas.
Suspiro, derrotada. Tinha me iludido com a ideia de encontrar um refúgio charmoso e aconchegante no interior. A realidade era bem diferente: eu havia comprado uma casa caindo aos pedaços, que precisava de muito mais do que "algumas reformas".
— E agora? — murmuro, olhando para a casa com um misto de desespero e determinação.
Talvez devesse ter ouvido meus pais e ficado em São Paulo. Talvez estivesse cometendo um erro enorme. Mas, no fundo, sabia que não podia desistir. Tinha chegado até ali, tinha investido todas as minhas economias nessa casa, e não ia voltar atrás.
— Eu vou dar um jeito nisso — digo em voz alta, com a determinação renascendo em meu peito — Eu vou transformar essa casa em um lar. Nem que para isso eu tenha que aprender a construir do zero. Ou eu não me chamo Alice Montenegro.
Respiro fundo e caminho em direção à porta. Era hora de encarar a realidade e começar a colocar a mão na massa. A aventura tinha acabado de começar. E eu estava pronta para enfrentá-la, com todos os seus desafios e surpresas.
Entro na casa, já abrindo todas as janelas empenadas para tentar fazer o ar circular e espantar o cheiro de mofo que pairava no ar. Cada rangido da madeira era como um lamento fantasmagórico, me lembrando do meu erro colossal.
A sala e a cozinha formavam um único cômodo, pequeno e abafado. As paredes, antes pintadas de um branco amarelado, estavam descascadas e manchadas pela umidade. O piso de madeira, em alguns pontos, cedia sob meus pés, revelando buracos escuros e assustadores.
A sala era decorada com móveis antigos e empoeirados: um sofá de tecido floral desbotado, duas poltronas desconjuntadas e uma mesinha de centro com a pintura craquelada. A cozinha, por sua vez, era equipada com um fogão a lenha enferrujado, uma pia de pedra rachada e alguns armários de madeira com as portas penduradas.
Atravessei o cômodo e encontrei o quarto. Era ainda menor que a sala, com espaço apenas para uma cama de ferro antiga, um guarda-roupa empoeirado e uma mesinha de cabeceira com uma lamparina quebrada. A janela, em frente à cama, dava para o matagal, aumentando a sensação de isolamento e abandono.
— Ok, onde está o banheiro? — Falo para as paredes, começando a vasculhar a casa.
Abro todas as portas, espreito em todos os cantos, mas não encontro nada.
A ideia de não existir um banheiro me causa um arrepio na espinha. Não era possível que alguém vivesse em uma casa sem banheiro! Continuo procurando, cada vez mais desesperada, até que avisto uma pequena construção de madeira no quintal, afastada da casa principal.
— Não... Não pode ser — murmuro, caminhando em direção à construção. Abro a porta hesitante e me deparo com um uma privada ao lado de um chuveiro, cercado por quatro paredes de madeira e um telhado de zinco.
Um banheiro no lado de fora? Aquilo era um pesadelo! Como eu ia fazer minhas necessidades no meio do mato, com medo de ser picada por algum bicho venenoso? Como ia tomar banho em um lugar sem água quente e sem privacidade?
O horror me invade por completo. Tinha me iludido com a ideia de transformar essa casa em um lar aconchegante, mas a verdade era que eu havia comprado um lugar insalubre e inabitável.
Lágrimas de arrependimento começam a escorrer pelo meu rosto. Tinha sido impulsiva, ingênua e estúpida. Tinha me colocado em uma situação desesperadora.
Mas, em meio ao desespero, uma faísca de rebeldia se acende em meu interior. Eu não ia deixar que essa casa me derrotasse. Eu não ia voltar para São Paulo com o rabo entre as pernas. Eu ia dar um jeito nisso, nem que fosse a última coisa que eu fizesse.
— Eu vou construir um banheiro novo! — digo em voz alta, enxugando as lágrimas com raiva — E vou transformar essa casa em um paraíso. Nem que para isso eu tenha que virar pedreira!
E, com essa nova determinação, saio do banheiro externo, decidida a enfrentar todos os desafios que me aguardavam. A aventura tinha ficado mais difícil, mas eu estava pronta para lutar.
Começo a tirar todas as minhas coisas de dentro do carro, determinada a não perder tempo lamentando. Precisava agir, e rápido. A prioridade era tornar aquele lugar minimamente habitável.
Enquanto tiro as malas cheias de roupas de grife, sapatos de salto alto e produtos de beleza caríssimos, me pergunto o que raios estava pensando quando fiz as malas. Aquelas coisas não me serviriam para nada no meio do mato.
— Ok, foco, Alice — digo para mim mesma — Primeiro, ferramentas. Segundo, chuveiro quente.
A cidadezinha mais próxima ficava a alguns quilômetros de distância, e eu precisava chegar lá antes que escurecesse. Tranco a casa (mesmo sabendo que a fechadura não valia nada) e entro no carro, pisando fundo no acelerador.
A estrada de terra era esburacada e poeirenta, e o carro sacolejava violentamente a cada buraco. Mas eu não me importava. Estava decidida a transformar aquele lugar em um lar, e nada me impediria.
Finalmente, avisto as primeiras casas da cidade. Era um lugar pequeno e tranquilo, com ruas estreitas e casas coloridas. Estaciono o carro na praça principal e começo a procurar uma loja de materiais de construção.
Depois de perguntar para algumas pessoas, encontro um pequeno armazém que vendia de tudo um pouco. Entro na loja e sou recebida por um senhor simpático, com um sorriso acolhedor.— Tarde, moça. Posso ajudar? — ele pergunta, com um sotaque mineiro carregado.— Boa tarde — respondo, com um sorriso — Eu preciso de uma caixa de ferramentas e de uma extensão para ligar um chuveiro.O senhor me olha com curiosidade, mas não faz perguntas. Ele me mostra uma variedade de ferramentas e extensões, e me ajuda a escolher as melhores opções.Enquanto pago pelas compras, pergunto sobre a instalação do chuveiro. O senhor me indica um eletricista da cidade, dizendo que ele era o melhor da região.— Eletricista? Eu não posso fazer isso sozinha? — pergunto, com um tom de voz desafiador.O senhor sorri, balançando a cabeça.— Moça, mexer com eletricidade não é brincadeira. É melhor deixar para quem entende do assunto.Suspiro, derrotada. Sabia que ele estava certo, mas não queria depender de ninguém.
Água quente! Pelo menos isso.— Obrigada — agradeci ao caipira entojado que não havia dito uma palavra gentil desde que apareceu — ou melhor, agradeça ao seu pai!Cruzei os braços enquanto ele revirava os olhos, guardando as ferramentas de volta para a caixa. Zeca limpou as gotículas de suor em seu rosto, e eu não pude deixar de notar o quão bronzeada estava sua pele. Um bronzeado de quem trabalha duro sob o sol, não como o meu, conquistado em sessões de solário e protetor solar fator 50.— Olha só, dona, conheço bem seu tipinho. Menina de cidade que fica entediada e quer vir em busca de aventura, mas não fica com esse pensamento de querer fazer as coisas sozinhas, que você vai só se lascar
Fui até a cozinha e cortei uma fatia generosa do bolo de fubá, acompanhada de uma xícara de chá. Sentei-me na varanda e observei o céu estrelado, tentando identificar as constelações que meus avós haviam me ensinado quando eu era criança.Estava admirando o céu, quando de repente, sou brutalmente atacada.Penas, unhas, cacarejos e bicadas.Gritei, pulando da varanda como se minha vida dependesse disso (e talvez dependesse, considerando a fúria da criatura).Uma galinha. Uma galinha gigante e furiosa, com o olhar fixo em mim e uma determinação assustadora em seus cacarejos. Ela avançava em minha direção, como se eu fosse a personificação de todos o
O galo cantou. De novo. E de novo.Afundei o rosto no travesseiro, soltando um grunhido indignado contra a "criatura de penas" que, aparentemente, havia decidido que seu propósito na vida era me atormentar. Quem acorda assim? Quem, em sã consciência, acha que é uma boa ideia começar o dia berrando para os quatro ventos? Esse galo precisava rever suas escolhas.Soltei um suspiro dramático e virei de barriga para cima, encarando o teto com aquele olhar perdido de quem ainda não aceitou o fato de que precisa levantar. Havia tanto para fazer… Tanta coisa para consertar, remendar, pregar e – dependendo do meu talento com ferramentas – possivelmente destruir ainda mais. Essa casinha era meu novo lar, mas, no momento, parecia mais um projeto de sobrevivência do que qualquer outra coisa.E eu precisaria de ajuda. Mas isso era um problema para a Alice do futuro. A Alice do presente tinha prioridades mais urgentes, como, por exemplo, um café da manhã gigantesco, digno de uma heroína que estava
Dirigir pelo interior era uma experiência curiosa. Diferente da selva de pedra que eu deixei para trás, aqui as ruas eram estreitas, como se cada pedaço da cidade tivesse sido construído para acomodar conversas na calçada e encontros casuais entre vizinhos que se conheciam pelo nome há gerações.Ao entrar no centro da cidade, reduzi a velocidade, observando o cenário ao meu redor. As casas eram pequenas, com fachadas coloridas que variavam entre tons vibrantes de amarelo, azul e verde, algumas com portas de madeira antigas e janelas decoradas com cortinas rendadas. Quase todas tinham vasos de flores nas sacadas ou jardineiras na entrada, como se fosse lei ter um mínimo de charme natural.As ruas de paralelepípedo faziam meu carro trepidar levemente, me lembrando que aqui as coisas tinham outro ritmo – mais devagar, sem pressa, como se o tempo tivesse aprendido a caminhar em vez de correr. Nas calçadas, senhorinhas conversavam enquanto equilibravam sacolas de feira, e um grupo de crian
O plano era simples: entrar no mercado, pegar o que eu precisava e sair. Mas eu tinha esquecido de um pequeno detalhe…Dona Gertrudes.A mulher era praticamente uma celebridade local.Mal tínhamos saído da padaria e já fomos paradas três vezes antes mesmo de atravessar a rua.— Gertrudes, minha fia! Cê viu que o Zeca perdeu uma vaca? — Um senhorzinho de chapéu e bigode branco perguntou, parecendo realmente chocado com a notícia.Eu arregalei os olhos. Zeca perdeu uma vaca?!— Ah, mas achou já, Ubaldo. Foi só a bicha querer dar um rolê.— Eita, mas é cada coisa… — O tal do Ubaldo balançou a cabeça e olhou pra mim como se só agora tivesse notado minha existência. — E essa moça bonita aí?Dona Gertrudes sorriu e me cutucou.— Essa aqui é a Alice, minha nova vizinha! Veio da cidade grande pra aprender a ser gente.— Oi? — Pisquei, indignada. Eu já sou gente, obrigada.Mas ninguém pareceu me ouvir, porque Ubaldo já estava puxando outra conversa sobre a previsão do tempo e como as formigas
Sorri educadamente para o senhorzinho atrás do balcão assim que nos aproximamos, mas, como era de se esperar, Dona Gertrudes tomou a frente antes que eu dissesse qualquer coisa.— E aí, seu Evaldo, como vão as coisas?— Melhor agora, Dona Gertrudes! E essa moça aí? — ele apontou para mim com um sorriso simpático. — Deu certo o chuveiro que levou?Assenti, cruzando os braços.— Deu sim! Agora só falta consertar o resto da casa. Coisa pouca, só umas paredes que precisam de reforço, um telhado meio duvidoso, umas portas que não fecham direito…Seu Evaldo riu.— Ah, então cê tá praticamente morando numa casa de papelão.— Olha, não queria admitir, mas às vezes parece mesmo.Dona Gertrudes deu um tapinha no meu braço.— Eu falei que cê não ia dar conta sozinha! Mas vamos lá, seu Evaldo, vê aí umas ferramentas boas pra essa menina não derrubar o teto na cabeça.Ele coçou o queixo, me analisando como quem tentava decidir se eu era uma cliente determinada ou apenas uma maluca com uma marreta.
Depois do pequeno sermão de Seu Evaldo sobre ferramentas e da teoria conspiratória de Dona Gertrudes sobre meu livro envolvendo cowboys — o que definitivamente não iria acontecer —, seguimos para o restante das compras.Se eu achava que o mercado tinha sido uma experiência intensa, eu estava enganada.Andar pelo centro com Dona Gertrudes era como caminhar com uma celebridade. Ela conhecia todo mundo, todo mundo a conhecia, e aparentemente, a cidade toda já sabia da "moça nova que veio de São Paulo e tá reformando um chalé sozinha".— Uai, Alice! Então cê que é a escritora? Vai escrever sobre a nossa cidade? — Uma senhora com um avental florido perguntou, me segurando pelo braço antes que eu pudesse escapar.— Hmmm… talvez?— Mas é romance ou mistério? Porque se for mistério, tem que contar da lenda do Chico sem sombra!— Do… do quê?Dona Gertrudes acenou para a senhora e me puxou pelo braço antes que eu fosse arrastada para uma história maluca de assombração.— Depois eu te conto. Se