Capítulo 06 - Dona G

Água quente! Pelo menos isso.

— Obrigada — agradeci ao caipira entojado que não havia dito uma palavra gentil desde que apareceu — ou melhor, agradeça ao seu pai!

Cruzei os braços enquanto ele revirava os olhos, guardando as ferramentas de volta para a caixa. Zeca limpou as gotículas de suor em seu rosto, e eu não pude deixar de notar o quão bronzeada estava sua pele. Um bronzeado de quem trabalha duro sob o sol, não como o meu, conquistado em sessões de solário e protetor solar fator 50.

— Olha só, dona, conheço bem seu tipinho. Menina de cidade que fica entediada e quer vir em busca de aventura, mas não fica com esse pensamento de querer fazer as coisas sozinhas, que você vai só se lascar.

— Primeiro, meu nome é Alice. Segundo, não sou dona. Terceiro, não estou entediada, estou aqui para um propósito. E quarto, acho que consigo me virar muito bem sozinha, obrigada.

Ele soltou uma risada que soou mais como um relincho.

— Ah, vai mesmo? Quero só ver você tentando trocar uma telha desse seu telhado despedaçado. Vai sair correndo no primeiro mosquito!

— Eu não tenho medo de mosquitos! — retruquei, sentindo minhas bochechas esquentarem. Ok, talvez eu tivesse um pouco de medo de mosquitos. E de aranhas. E de qualquer inseto que fizesse "zum".

— Sei... E essa sua roupinha aí? — Zeca apontou para meu look "aventureira chic", composto por uma calça cáqui de grife e uma camisa de linho que custou mais caro que a caixa de ferramentas. — Muito apropriada para o mato.

Olhei para minhas roupas e bufei. Ok, talvez eu não tivesse me vestido da maneira mais adequada para a vida no campo. Mas quem imaginaria que a fazenda seria tão... rural?

— Eu posso trocar de roupa, sabia? E só para constar, eu tenho um diploma em letras, então acho que sou capaz de aprender algumas coisas por aqui.

Zeca arqueou as sobrancelhas, claramente não convencido.

— Ah, é? Então me diga, senhorita Diploma, qual a diferença entre um boi e um touro?

Senti meu cérebro dar um nó. Boi... touro... ambos têm chifres, certo?

— Hum... um é... mais peludo?

Zeca gargalhou, e dessa vez o som foi um pouco mais agradável. Quase.

— Essa foi boa, Dona. Mas fica tranquila, vou te dar um desconto por ser turista. Só não espere que eu pegue leve com você o tempo todo.

Ele então começou a se afastar.

— E, só para você saber, a diferença é que o touro tem testosterona e o boi, não.

Zeca me deixou plantada ali, fervendo de raiva e um pouco envergonhada pela minha ignorância campestre. Cruzei os braços novamente e observei-o se afastar, com seu andar confiante e um sorriso divertido no rosto.

— Idiota— murmurei para mim mesma. 

Mas, no fundo, uma vozinha insistia em dizer que talvez, só talvez, eu precisasse da ajuda daquele caipira entojado para sobreviver à minha aventura no campo. E que, quem sabe, essa aventura não fosse tão desastrosa quanto parecia.

Com um banheiro minimamente decente, mesmo sendo do lado de fora da minha nova casinha campestre, comi um sanduíche que Martinha havia mandado para mim comer na viagem, e depois me ocupei em terminar as coisas básicas da casa.

Como, por exemplo... a limpeza.

Marta é um anjo na minha vida e tinha comprado tudo o que achou que eu fosse precisar. Então, peguei a caixa escrita "limpeza" e coloquei a mão na massa. É claro que antes eu troquei de roupa; não usaria uma de minhas belas calças de alfaiataria para lidar com desinfetante. Em vez disso, optei por um macacão jeans surrado que encontrei no fundo da mala - herança dos meus tempos de "artista" (leia-se: tentativa frustrada de ser cool na faculdade).

Enquanto encarava a poeira acumulada nos móveis, suspirei. A última vez que tinha limpado algo além da minha tela de celular, provavelmente, foi quando minha mãe me obrigou a lavar a louça depois de uma festa. Mas, ei, eu estava determinada a fazer isso dar certo. Vida nova, casa nova, eu nova. Ou pelo menos, uma versão minha que não entra em pânico ao ver uma aranha.

Coloquei uma música animada para dar um gás e abri a caixa de produtos de limpeza. Marta não economizou! Tinha de tudo: desinfetante com cheiro de lavanda, limpa vidros, lustra móveis, esponjas coloridas e até um daqueles espanadores de pena que pareciam ter saído diretamente de um filme antigo. Quase chorei quando vi ali um mini aspirador de mão, aquilo salvaria à minha vida!

Comecei pela sala, tirando o pó dos móveis e aspirando o carpete empoeirado. Confesso que até achei divertido, pelo menos nos primeiros dez minutos. Logo, meus braços começaram a doer e o suor escorria pela minha testa. Limpar era definitivamente mais cansativo do que parecia.

Enquanto lutava com uma mancha persistente no chão da cozinha, ouvi uma batida na porta. Quem seria? Será que Zeca tinha vindo zombar da minha falta de jeito com a faxina também?

Larguei o esfregão e fui atender, já preparada para uma possível discussão. Para minha surpresa, não era o caipira ranzinza que estava parado na varanda, mas sim uma senhora simpática, com um sorriso acolhedor e um bolo de fubá nas mãos.

— Boa tarde, querida! Seja bem-vinda à vizinhança. Eu sou a Dona Gertrudes, moro aqui na fazenda ao lado. Trouxe um bolinho para adoçar sua chegada.

— Ah, que gentileza! — respondi, surpresa e aliviada. — Muito obrigada, Dona Gertrudes. Eu sou Alice.

— Que bom ter você por aqui, querida. Estávamos precisando de um rosto novo nestas terras.

Dona Gertrudes entrou na casa e observou a bagunça com um olhar compreensivo.

— Vejo que está se instalando. Precisa de ajuda?

— Ah, não precisa se incomodar...

— Que nada! Tenho tempo de sobra e adoro uma boa fofoca. Além disso, conheço essa casa como a palma da minha mão. Já limpei muito essa cozinha antes dos filhos da Lenir Maria à levarem para à cidade.

Antes que eu pudesse responder, Dona Gertrudes já estava arregaçando as mangas e pegando um pano de chão. Em poucos minutos, a cozinha estava brilhando e o cheiro delicioso do bolo de fubá invadia o ar.

Enquanto tomávamos um café juntas, Dona Gertrudes me contou histórias engraçadas sobre à antiga dona da casa e sobre a vida na fazenda. Descobri que ela era uma verdadeira enciclopédia ambulante sobre tudo o que acontecia na região.

— E aquele Zeca, hein? — ela comentou, com um sorriso malicioso. — Aquele menino tem um coração de ouro, apesar de ser um pouco rabugento.

— Ah, sim, o caipira entojado — resmunguei. — Digamos que não começamos com o pé direito.

Dona Gertrudes riu.

— Zeca é um bom rapaz, querida. Só precisa de alguém que o coloque na linha. Quem sabe você não seja essa pessoa?

Corei com a sugestão. Eu? Colocar Zeca na linha? Aquilo era tão improvável quanto eu aprender a ordenhar uma vaca.

Mas, enquanto observava o pôr do sol alaranjado através da janela, senti um calorzinho no coração. Talvez a vida no campo não fosse tão ruim assim. Talvez, com a ajuda de Dona Gertrudes e, quem sabe, até do caipira entojado, eu pudesse encontrar meu lugar naquele paraíso rural. 

— Dona G, eu não sei nem como agradecê-la pela ajuda — falei ao levá-la até a porta.

— Égua, precisa agradecer não.

E só então percebi que "égua" não era um xingamento, e sim uma expressão da região. Senti minhas bochechas corarem levemente. Típico de mim, a garota da cidade, interpretar tudo ao pé da letra.

— Boa noite, Dona G.

— Boa noite, minha filha. E qualquer coisa, grita! A casa é pertinho.

Dona Gertrudes se foi, deixando para trás o aroma delicioso do bolo de fubá e uma sensação estranha de acolhimento. Fechei a porta e me encostei nela, suspirando. Quem diria que, em tão pouco tempo, eu já estaria me sentindo um pouco menos deslocada?

Olhei ao redor para a casa limpa e organizada, e um sorriso se formou em meus lábios. Talvez, só talvez, eu pudesse realmente me adaptar à vida no campo. E talvez, com a ajuda de pessoas como Dona Gertrudes, eu pudesse até gostar disso.

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