Frustrada.
Irritada.Com ódio.Gritei, enterrando o rosto no travesseiro.
O som abafado não foi suficiente para expressar toda a minha revolta, então rolei na cama e arremessei o travesseiro contra a parede. Claro que ele caiu no chão de um jeito pateticamente inofensivo, o que só me deixou ainda mais irritada.
— Como eu pude ser tão burra?! — esbravejei, sentando na cama e bagunçando ainda mais o cabelo que já estava um caos.
Respirei fundo, tentando me acalmar. Contar até dez? Esquece. Se contar até dez funcionasse, eu já estaria zen igual um monge tibetano. Mas não. Eu estava a um passo de tacar o celular na parede e me autoexilar em uma montanha distante, longe da sociedade e dos idiotas que habitam nela.
Levantei de um pulo, marchando pelo quarto como um animal enjaulado. Cada passo ecoava minha fúria.
O motivo? Simples. Eu tinha passado dias, semanas, meses construindo uma ilusão. Alimentando uma esperança idiota baseada em nada mais que mensagens bonitinhas, emojis fofos e promessas vazias. Como se um "bom dia, princesa" fosse suficiente para me convencer de que ele era diferente.
Spoiler: não era.
Peguei o celular e encarei a última mensagem. A m*****a mensagem que me fez surtar. Três palavrinhas que detonaram minha paciência:
"Foi mal, Alice."
Sério? Foi mal? FOI MAL?!
Eu podia estar exagerando? Talvez. Mas e daí? Eu tinha todo o direito de surtar. De chorar. De quebrar alguma coisa — ainda que fosse apenas minha dignidade.
Suspirei, jogando o celular na cama e me deixando cair ao lado dele. Abracei um travesseiro, encarando o teto. Talvez fosse hora de aceitar a realidade: príncipes encantados só existiam nos contos de fadas. E eu? Bem, eu estava vivendo um belo de um conto do vigarista.
E o pior de tudo? Eu não conseguia escrever uma linha sequer há mais de três meses.
Uma escritora que não escreve? Era minha sentença de morte!
Já consigo enxergar meu futuro. Alice Montenegro decaiu depois do sucesso do best-seller Amor Sob Contrato, e pra completar, levou um chute na bunda por mensagem de texto.
Em alguns meses, minha editora iria me dispensar, meu nome ia sumir das prateleiras e eu ia acabar escrevendo resenhas fakes de vibradores na internet para pagar as contas. No Twitter, meu nome viraria um daqueles exemplos tristes de "onde foi parar aquela autora mesmo?". E, para fechar com chave de ouro, meu ex provavelmente apareceria feliz e apaixonado no I*******m, enquanto eu afogava minha tristeza em um pote de sorvete.
Lindo. Perfeito. Era oficial: minha vida estava indo ladeira abaixo sem freio.
— O que você está sapateando aí, menina? — Marta, a governanta da casa, apareceu no meu quarto.
— Meu fim está próximo, Martinha — caí de volta na cama.
Marta deu uma risadinha.
— Você está enfurnada nessa casa há dias, vai dar uma volta.
— Pra onde? — murmurei, enfiando a cara no travesseiro. — Para o bar mais próximo e me afogar em uma boa e velha dose de tequila?
— Para tomar um ar! — ela retrucou, puxando as cortinas e me cegando temporariamente com a luz do dia. — Parece um morcego, menina. Precisa ver gente, se mexer, fazer alguma coisa que não envolva reclamar e comer besteira.
Bufei, me sentando de qualquer jeito.
— Mas reclamar e comer besteira são os pilares da minha existência neste momento.
Marta cruzou os braços, me encarando como se fosse minha mãe.
— Levanta. Vai tomar um banho, colocar uma roupa decente e sair. Nem que seja para andar na rua e olhar a vida alheia. Você precisa de inspiração, não precisa?
Suspirei dramaticamente, mas ela estava certa. Talvez o universo não fosse me enviar um sinal divino enquanto eu estivesse largada na cama com migalhas de biscoito na roupa. Quem sabe, sair um pouco não fosse uma ideia tão ruim assim.
*
Andei pelas ruas movimentadas de São Paulo sem um destino definido. O sol quente batia no meu rosto, e o cheiro de café fresco das padarias me fez pensar que talvez a vida ainda tivesse pequenos prazeres a oferecer.
Foi então que parei em frente a uma floricultura. Um daqueles lugares que costumava ignorar, mas que, naquele momento, me fez refletir.
Nos meus livros, minhas protagonistas sempre ganhavam flores. Sempre havia um gesto romântico, um buquê deixado na porta, um vaso colorido na mesa da cozinha. Mas na vida real? A única flor que eu já tinha ganhado foi um arranjo do meu ex quando ele esqueceu nosso aniversário e tentou se redimir.
Ridículo.
Entrei na loja, determinada. O cheiro das flores misturava notas doces e terrosas, e me fez sentir algo que eu não sentia há um tempo: carinho por mim mesma. Escolhi um buquê de girassóis, vibrantes e alegres, como se fossem pequenos raios de sol em forma de planta.
— Para presente? — a atendente perguntou, embalando as flores com delicadeza.
Sorri.
— Sim. Para mim mesma.
Talvez eu não tivesse um romance digno de livro naquele momento, mas isso não significava que eu não pudesse me tratar como uma protagonista.
Segurei o buquê e continuei caminhando, observando os detalhes da cidade ao meu redor. Pessoas apressadas, carros buzinando, crianças correndo de mãos dadas com os pais. Tudo tão cheio de vida e ao mesmo tempo tão distante de mim.
Sentei-me em um banco na pracinha próxima e encarei as flores em meu colo. Tentei transformar aquele momento em algo inspirador, imaginar uma história, um romance novo. Mas nada fluía. Nenhuma ideia fazia sentido. Tudo parecia forçado, clichê, vazio.
Suspirei, frustrada. Talvez o problema não fosse a falta de ideias. Talvez o problema fosse eu.
Balancei a cabeça. Como eu podia escrever sobre sentimentos, emoções intensas e gestos grandiosos, se eu mesma estava presa em uma bolha de exaustão e bloqueio criativo?
Talvez eu precise sentir alguma coisa nova. Talvez precisasse sair da minha cabeça, viver alguma coisa que não envolvesse apenas ficção.
Mas como? Essa era a questão.
Chego em casa, a determinação latejando em cada célula do meu corpo. Mudar de vida. Era isso. Nada mais de rotina, nada mais de bem bom. Bem bom era o código para o meu estado de conforto paralisante, onde maratonava séries sem graça e pedia a mesma pizza de sempre, todas as sextas.Enquanto eu saia do elevador pronta para entrar na minha cobertura, já podia sentir o cheiro familiar do meu apartamento: uma mistura de sachê de lavanda e resignação. Abro a porta e jogo minha bolsa no sofá, que geme sob o peso extra. Olho ao redor. As paredes cor de creme pareciam me encarar, cúmplices silenciosas da minha vida insossa.— Chega! — eu digo em voz alta, o som ecoando no espaço. — Alice 2.0 está na área.O problema é: quem era essa Alice 2.0? Eu não tinha a menor ideia. Sabia apenas que precisava ser alguém mais... vibrante. Alguém que dissesse sim para o inesperado, que arriscasse um tropeção em vez de ficar sentada no sofá, colecionando migalhas de biscoito.Talvez devesse começar com al
Minhas malas estavam prontas, espalhadas no meio do meu apartamento, enquanto meus pais olhavam horrorizados para elas. Pareciam duas estátuas de sal, paralisadas diante do caos que se instaurou na sala de estar.— Vocês vão ficar aí parados, ou vão me ajudar a levar isso pro carro? — pergunto, sorrindo.Meus pais eram diplomatas, nascidos e criados em berço de ouro, assim como eu. Então não os julgo por estarem malucos com a ideia de eu me mudar sozinha para o interior. Afinal, qual filha de embaixador, sã, trocaria um apartamento de luxo em São Paulo por uma casa no meio do mato?— Ela ficou maluca de vez, Carlos — mamãe fala para meu pai, com a voz embargada — Primeiro compra uma casa caindo aos pedaços, depois me pede para carregar malas usando um salto!— Entendo, Diana, também estou preocupado. Será que ela bateu a cabeça? — papai responde, com um olhar preocupado.Bufo, irritada. Sério que eles achavam que eu tinha enlouquecido? Eu estava apenas buscando a felicidade, e eles
Três horas depois, aqui estava eu, parada em frente à tal "casinha fofa" do anúncio, tentando desesperadamente encontrar alguma semelhança com a imagem idealizada que eu tinha criado na minha cabeça.— Algumas reformas — Murmurei o que dizia o anúncio.Precisava era derrubar e construir de novo, isso sim!A "casinha" era, na verdade, uma construção de madeira pequena e desgastada, com um ar de abandono que me dava calafrios. A pintura descascada revelava um amadeirado cinzento, com pedaços lascados aqui e ali. O telhado, coberto de musgo e com algumas telhas faltando, parecia prestes a desabar a qualquer momento.A varanda, estreita e com o piso apodrecido, rangia ameaçadoramente a cada brisa que passava. As janelas, empenadas e com vidros rachados, pareciam olhos mortos me encarando. A porta da frente, de madeira maciça, estava coberta de ferrugem e com a maçaneta bamba, dando a impressão de que se abriria com um simples toque.Ao redor da casa, o jardim, que um dia devia ter sido ex
Depois de perguntar para algumas pessoas, encontro um pequeno armazém que vendia de tudo um pouco. Entro na loja e sou recebida por um senhor simpático, com um sorriso acolhedor.— Tarde, moça. Posso ajudar? — ele pergunta, com um sotaque mineiro carregado.— Boa tarde — respondo, com um sorriso — Eu preciso de uma caixa de ferramentas e de uma extensão para ligar um chuveiro.O senhor me olha com curiosidade, mas não faz perguntas. Ele me mostra uma variedade de ferramentas e extensões, e me ajuda a escolher as melhores opções.Enquanto pago pelas compras, pergunto sobre a instalação do chuveiro. O senhor me indica um eletricista da cidade, dizendo que ele era o melhor da região.— Eletricista? Eu não posso fazer isso sozinha? — pergunto, com um tom de voz desafiador.O senhor sorri, balançando a cabeça.— Moça, mexer com eletricidade não é brincadeira. É melhor deixar para quem entende do assunto.Suspiro, derrotada. Sabia que ele estava certo, mas não queria depender de ninguém.
Água quente! Pelo menos isso.— Obrigada — agradeci ao caipira entojado que não havia dito uma palavra gentil desde que apareceu — ou melhor, agradeça ao seu pai!Cruzei os braços enquanto ele revirava os olhos, guardando as ferramentas de volta para a caixa. Zeca limpou as gotículas de suor em seu rosto, e eu não pude deixar de notar o quão bronzeada estava sua pele. Um bronzeado de quem trabalha duro sob o sol, não como o meu, conquistado em sessões de solário e protetor solar fator 50.— Olha só, dona, conheço bem seu tipinho. Menina de cidade que fica entediada e quer vir em busca de aventura, mas não fica com esse pensamento de querer fazer as coisas sozinhas, que você vai só se lascar
Fui até a cozinha e cortei uma fatia generosa do bolo de fubá, acompanhada de uma xícara de chá. Sentei-me na varanda e observei o céu estrelado, tentando identificar as constelações que meus avós haviam me ensinado quando eu era criança.Estava admirando o céu, quando de repente, sou brutalmente atacada.Penas, unhas, cacarejos e bicadas.Gritei, pulando da varanda como se minha vida dependesse disso (e talvez dependesse, considerando a fúria da criatura).Uma galinha. Uma galinha gigante e furiosa, com o olhar fixo em mim e uma determinação assustadora em seus cacarejos. Ela avançava em minha direção, como se eu fosse a personificação de todos o
O galo cantou. De novo. E de novo.Afundei o rosto no travesseiro, soltando um grunhido indignado contra a "criatura de penas" que, aparentemente, havia decidido que seu propósito na vida era me atormentar. Quem acorda assim? Quem, em sã consciência, acha que é uma boa ideia começar o dia berrando para os quatro ventos? Esse galo precisava rever suas escolhas.Soltei um suspiro dramático e virei de barriga para cima, encarando o teto com aquele olhar perdido de quem ainda não aceitou o fato de que precisa levantar. Havia tanto para fazer… Tanta coisa para consertar, remendar, pregar e – dependendo do meu talento com ferramentas – possivelmente destruir ainda mais. Essa casinha era meu novo lar, mas, no momento, parecia mais um projeto de sobrevivência do que qualquer outra coisa.E eu precisaria de ajuda. Mas isso era um problema para a Alice do futuro. A Alice do presente tinha prioridades mais urgentes, como, por exemplo, um café da manhã gigantesco, digno de uma heroína que estava
Dirigir pelo interior era uma experiência curiosa. Diferente da selva de pedra que eu deixei para trás, aqui as ruas eram estreitas, como se cada pedaço da cidade tivesse sido construído para acomodar conversas na calçada e encontros casuais entre vizinhos que se conheciam pelo nome há gerações.Ao entrar no centro da cidade, reduzi a velocidade, observando o cenário ao meu redor. As casas eram pequenas, com fachadas coloridas que variavam entre tons vibrantes de amarelo, azul e verde, algumas com portas de madeira antigas e janelas decoradas com cortinas rendadas. Quase todas tinham vasos de flores nas sacadas ou jardineiras na entrada, como se fosse lei ter um mínimo de charme natural.As ruas de paralelepípedo faziam meu carro trepidar levemente, me lembrando que aqui as coisas tinham outro ritmo – mais devagar, sem pressa, como se o tempo tivesse aprendido a caminhar em vez de correr. Nas calçadas, senhorinhas conversavam enquanto equilibravam sacolas de feira, e um grupo de crian