Até onde você iria para proteger quem ama? Essa é a pergunta que levou Alberto a tentar descobrir, depois de mais de oitenta anos, o que aconteceu naquela noite de 31 de maio de 1930. Atormentado, desde a infância, pelo crime sem solução que manchara o nome de sua família, recebe de sua velha tia Eneida - professora e historiadora - um dossiê completo sobre a vida de seus parentes, os irmãos Augusto e Ângelo Corvecchio. Ângelo, um homem belo e bon vivant, que vê na fortuna deixada pelo pai, um meio de saldar suas dívidas, sendo impedido pelo irmão. Augusto, um homem dividido entre o amor de Mercedes, sua noiva, e Glória, seu braço direito na fazenda. Somente eu Sei a Verdade é uma estória intrigante de amor e ódio. Um mergulho nas fazendas cafeeiras em um Brasil da Era Vargas. Conseguirá Alberto, junto com Marina, por quem nutre um amor platônico, desvendar os meandros do passado, trazendo luz à sombra que afeta o nome de sua família?
Ler maisTerminei a leitura singular chocado. Marina tinha os olhos vítreos ao me encarar estupefata. Saber da verdade, depois de tanto tempo, não fez com que me sentisse melhor. Meus parentes distantes não se mataram, o que não deixa de ser um alívio. Mas também não fica mais fácil saber que foram vítimas de uma mulher obsessiva e doente. Não quero imaginar o que é ter um filho com essa doença, ou mesmo, se o amor justifica tudo. Seus pais deveriam tê-la internado numa instituição para doentes mentais, quando cometeu o primeiro crime? A lógica diz que sim. Por outro lado, entendo que o correto nem sempre é a melhor forma de se lidar com um problema. Toda essa estória poderia ter sido diferente caso Mercedes não tivesse surgido na vida dos irmãos? Talvez sim, talvez não, se esse fosse o destino dos dois. Aí então poderia ser Mercedes,
Meu pai me enviou para uma casa de repouso no Rio de Janeiro, depois de me arranjar uma certidão de nascimento falsa, jurando que jamais poria os olhos em mim novamente. Eu estava por minha conta. Despedi-me de mamãe. Seu choro foi sincero durante os velórios. Acredito que papai tenha mexido os pauzinhos dentro da polícia, já que era um político de respeito, amigo íntimo do delegado. Deu uma pequena fortuna para o capataz e fê-lo deixar a cidade na calada da noite. Naquele dia eu morri. Todos pensavam que Glória havia partido algumas semanas antes do ocorrido. Não houve muita investigação, como sabem. Especulou-se muito na época. Tenho certeza de que papai deu um jeito de as promissórias adulteradas aparecerem na gaveta da escrivaninha da casa da fazenda, quando enviou o capataz em busca do corpo de Glória. Todos foram unânimes em dizer que os irmãos viviam brigando p
Por alguns segundos me vi deitada em seu lugar. Já disse que nos parecíamos e isso me enlouqueceu naqueles segundos em que via seu peito arfar. Cheguei a pensar que era por isso que Augusto me beijara quando menti sobre a minha mãe estar morrendo. Naquele momento vi sua figura projetada em mim e percebi que se fosse eu naquele chão, Augusto se sentiria aliviado e feliz. Senti o sangue penetrar em meus olhos e atirei em seu peito, deixando-a ali no chão frio, apagando a luz antes de sair. Fui para a casa. Não sei exatamente como cheguei lá. Parecia estar em outro mundo, ou enfrentando um pesadelo do qual logo acordaria e tudo seria diferente.Queria um mundo onde as pessoas não mentiam, não traiam, não pensavam em si mesmas. Um mundo onde Augusto era meu, onde nosso filho cresceria naqueles campos de café, onde poderia rodá-lo nos braços ouvindo o som de sua gargalhada. Onde a felicidade
— Você mentiu pra mim. Fez-me crer que era minha amiga. Aceitou meus presentes, usou minhas roupas, ou melhor, está usando minhas roupas, e ainda assim preferiu acabar comigo.— Você tem que entender, Mercedes. Ele nunca te amou. Seu pai antecipou as coisas e ele não teve como negar o noivado na presença de todos. Augusto é um homem honrado. A gente se ama. Não há nada que mude isso, nem mesmo sua família.— Ele era meu! — gritei para ela — Meu! Desde criança. Você estragou tudo.— Ele nunca foi seu, Mercedes, e sabe muito bem disso. Seu passado te condenou...— Cale a boca! O que pensa que sabe sobre meu passado? O que aquele cretino do Ângelo te contou? Ele não sabia de nada. — Gritei, apontando a arma para ela.— Eu ouvi quando ele te chantageou. Estava na janela.— Então não ouvi
Nossa Senhora seria coroada a Rainha dos Anjos e dos Homens, reverenciando o gesto carinhoso da Princesa Isabel, em sua segunda visita à Basílica Velha, quando presenteou a imagem com uma coroa de ouro. Aquela seria a primeira festa depois que o Papa Pio XI decretou a santa como Padroeira do Brasil naquele ano. Era certo de que todos estariam lá. Menos eu, que declarei estar com um súbito mal estar. Sabendo que não haveria ninguém na casa e nem nas ruas, senti-me mais que segura em continuar com meus planos.Tudo corroborava para os acontecimentos daquela noite. Dizem que quando se pensa em suicídio ou assassinato, o diabo toma conta de sua mão e faz acontecer. Não sei quem inventou essa, mas é a pura verdade. Uma tensão tomou conta de meu corpo como se uma energia pulsasse, surgindo do âmago, em direção às mãos. Só havia um pensamento: acabar com os dois e te
É mais difícil do que pensava, colocar no papel as ocorrências que levaram àquela tragédia. Talvez seja a data de hoje, 31 de maio, que me fez ter coragem para falar no assunto, mesmo tendo se passado sessenta anos e eu já estando com meus noventa. Não acredito que tenha durado tanto, depois de ter visto as pessoas de minha convivência morrendo dia a dia. Hoje penso se tudo aquilo poderia ter sido evitado e, quanto mais penso nisso, mais me convenço de que não, tal o grau de desespero em que me encontrava naquele dia. Havia perdido tudo o que me era mais precioso, o que havia conquistado e planejado ao longo da vida, e por culpa deles. Foi preciso me decidir: acabar com a minha própria vida ou acabar com a deles, que me traíram de forma tão mesquinha e vil. Optei por acabar com a deles, mesmo que isso me fizesse cair em desgraça. Sim, isso é uma confissão de assassinato. Eu
São Carlos, 31 de maio de 1990.Caro Doutor Alvarenga, o filho do filho, suponho.Você deve estar se perguntando o motivo de eu ter guardado todas essas reportagens. Nem mesmo sei a verdadeira razão disso. Tanto se falou sobre o crime na época. O veredicto foi de assassinato seguido de suicídio. Conversa pra boi dormir. Com o passar dos anos tornei-me uma pessoa cínica. Estou em frente à televisão, vendo o primeiro Presidente do Brasil ser eleito de forma direta. O povo pediu, aclamou, gritou pelas Diretas Já, e agora é isso aí. Tolos! Dizem que a democracia venceu e que um povo democrático é um povo que rege sua própria história.Eu digo: Tolos são os que pensam assim. A Democracia não existe! Do Povo, para o Povo e pelo Povo
— Morreu com noventa anos? Meu Deus! Tudo nesse caso é estranho. — Disse Marina, largando os braços no colo, em rendição.— Vocês saberão a verdade e, por ter visto sua entrevista é que resolvi quebrar o sigilo. A decisão de fazer algo só no centenário da morte dos Corvecchio caberá a você, Alberto. Particularmente, acho que deve continuar seu projeto e acabar logo com isso. Todos os envolvidos merecem descansar em paz.— Você a trouxe? Posso ver?— Sim. — Disse abrindo uma pasta de couro marrom e retirando um envelope grosso, pardo e envelhecido. Minhas mãos tremiam ao segurar o envelope. Nelas havia um segredo guardado há tanto tempo, que mudou a vida de todos os envolvidos, inclusive a minha.— Espero que saiba dar valor a essas páginas, Alberto.— Você as leu? Sabe o que tem aqui?
— Entendo! Mas o que tem a me dizer? Desculpe se estou sendo inconveniente, mas deve entender minha aflição. O que sabe sobre o caso? — Perguntei ansioso.— Você terá que ter um pouco de paciência, Alberto. Eu já vou chegar lá. Primeiro precisa entender uma coisa. O que tenho em mãos nos chegou de forma bastante inusitada e tem estado em nosso cofre há alguns anos. Meu pai ainda advogava quando a carta chegou.— Carta? Que carta? — Perguntou Marina prendendo o fôlego.— Já vou chegar lá, Marina — disse Tobias, sorrindo calmamente, depois de beber da xícara fumegante — Pois bem, essa carta chegou às mãos de meu pai por volta de 1990.— Mas faz quase trinta anos! — exclamou Marina sem se conter — Por que a guardaram por tanto tempo? O que essa carta tem a ver com Alberto?- Quase trint