Capítulo 4

Marina sorriu, mordendo os lábios e aguardei sua explanação. Devo dizer que adorava ouvi-la.

— Gosto de implicar com você. Mas voltando, as físicas podem doar até seis por cento. E para convencê-los você terá que dar ênfase às vantagens de terem seus nomes vinculados ao seu projeto, pois terá até trinta por cento do valor arrecadado para usar com propaganda e marketing.

— Entendi.

— Senti certo desespero em sua voz, contudo há outra maneira.

— Espero que seja melhor do que gastar sola de sapato.

— Quem quer as coisas tem que suar a camisa, querido. Se você tiver um amigo no Ministério da Cultura, aí você pode falar com ele e fazer seu projeto pleiteando o incentivo federal. Então você receberá todo o dinheiro do Governo Federal.

— Isso é realmente possível?

— Você não lê as notícias? Por que acha que há tanta discussão sobre artistas que recebem milhões da Lei Rouanet? É claro que a grande maioria fala o que não sabe, por desconhecer a lei, mas, onde há fumaça há fogo. Acredito que todo esse rebuliço, de alguns gritando contra os artistas, seja por terem recebido incentivo de algum “amigo do Ministério”.

— Uau. Você está me desanimando...

— Qual nada, bobo. Ainda há o PROAC. Esse, sinceramente falando, acho mais fácil uma vez que qualquer empresa do estado de São Paulo, que esteja em dia com o ICMS, pode doar. Nesse caso, o abatimento se dá diretamente no imposto mensal que as empresas têm que pagar. Você terá muito mais empresas como doadoras. Só tem um problema.

— Eu sabia. Qual é?

— O PROAC é quem estipula o valor do seu projeto e também o valor que cada empresa pode doar.

— Entendi...

— Ainda está disposto a seguir em frente?

— Não sei como posso continuar sendo seu amigo. Você é tão incentivadora...

— Sou pragmática, querido. Tenho que ser. De que adianta falsas esperanças? Tenho que esmiuçar a realidade.

— Eu sei. Sei bem.

— Que tal se eu passar da sua casa logo mais e a gente conversar melhor? Tem aquele vinho que eu gosto?

— Tenho. Obrigado, Marina. Você foi demais...

— Ah, Alberto!

— Sim.

— Faz macarrão. Vou sair daqui faminta.

É claro que eu sabia bem sobre empréstimos, lei Rouanet e afins. Não era meu primeiro projeto, entretanto, a voz de Marina é tão encantadora. Estava ansioso para nosso encontro.

Marina acabou me fazendo pensar sobre o caminho escolhido para o projeto. Ainda não tinha formatado na cabeça todas as possibilidades. Entretanto, por mais complicado que pudesse ser, jurei que não desistiria. Minha família precisava de um desfecho para a tragédia. Na verdade, eu precisava. Não gosto de estórias mal resolvidas, e saber que nosso sobrenome ainda se encontrava em todos os sites, que trazem as fotos antigas de jornais, referente àquele dia, me incomoda bastante. Sentei-me à mesa com o material de tia Eneida espalhado. Seguindo as páginas, fui escrevendo o roteiro, pensando na casa da fazenda e no casarão do centro da cidade. Eu realmente via os personagens caminhando, ganhando vida na minha mente. Quando você sabe tudo o que vai acontecer, fica fácil escrever. Bem diferente de quando se tem apenas a ideia. 

Depois de algumas horas dando corpo aos personagens, descansei. Mal estava enxergando a tela do notebook. Pensamentos começaram a brotar, me desviando do foco original. Talvez um filme fosse demais para mim, levando em consideração minha conversa com Marina. Uma peça de teatro seria muito mais fácil. Resolveria muito a questão da filmagem in loco. Olhei no relógio e já estava quase na hora dela chegar. Comecei a ficar ansioso, como sempre acontece quando sei que vou encontrá-la. Ainda pareço um adolescente que custa a manter o coração calmo e a palma da mão seca.

Já tive muitas namoradas, mas nenhuma causa tanto quanto Marina. E ela não faz nem ideia de que às vezes apenas vejo sua boca se mexendo, enquanto a mente se perde nas suas curvas e naqueles cabelos curtos flamejantes e macios. E lá estava eu, parado à porta, vendo-a entrar com sua bolsa gigantesca, cuja alça descansava cruzada no peito.

— E aí, bonitão? — entrou, beijando meu rosto — morrendo de fome.

— Novidade! Vá sentando que vou abrir o vinho.

— Hum! O cheiro delicioso. — Disse, jogando a bolsa no sofá e indo à cozinha, em direção às panelas.

— Não mexa em nada. — Gritei, apanhando a garrafa no aparador da sala.

— E como sabe que estou mexendo? — Perguntou da cozinha.

— Como se eu não te conhecesse.  — Respondi, postando-me atrás dela.

com uma cara boa. — Deu-me um sorriso encabulado.

— Eu ou a comida?

— A comida. — Respondeu, empurrando-me.

Sentou-se à mesa, agora posta para dois, e começou a tagarelar sobre o tráfego, o tempo e outras coisas sem importância. Marina é dessas pessoas que não percebem o quanto são encantadoras. Olhos, da cor da jabuticaba antes de atingir o amadurecimento, emolduram um rosto oval de pele clara, destacado pelos fios dourados. E eu só pensava em sentir sua pele macia contrastando com a minha, apenas alguns tons mais escura.

— E então? Você parece meio distante. Aconteceu alguma coisa? Estou falando muito? — Encarando-me com os olhos apertados.

— É claro que não. — Abaixei os meus, envergonhado.

— Vi que esteve escrevendo.

Disse levando a taça à boca, indicando a mesa coberta de papeis amarelados. O notebook encontrava-se aberto e o descansa de tela corria de um lado para outro, enquanto ela me encarava, esperando uma resposta.

— Sim. Quanto mais me aprofundo nos fatos, mais tenho certeza de que está faltando alguma coisa. Não faz sentido.

— O que, basicamente, não faz sentido?

— A forma como a polícia encerrou o caso, por exemplo. Parece que não deram a devida importância à descoberta da verdade. Vários pontos foram negligenciados e só percebi isso nas anotações de tia Eneida.

— Isso ficando interessante. Pode me mostrar? — Pediu, erguendo-se da pequena mesa de jantar.

— Tudo bem. — Anui, levando-a até o notebook e abrindo o texto.

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