Capítulo 8

Ângelo, que acabara de chegar da América do Norte, observava o irmão pelo canto do olho. Sabia que estava sofrendo. Todos estavam. Sentia medo pela mãe, por quem era extremamente devotado. Por tê-lo tido em idade tardia e quase perdido aquela criatura pequenina e frágil, ela o mimara. Estragara o menino, dizia o pai. Não que ele não estivesse sentindo sua morte, contudo, ainda tinha a mãe. Ela era o seu esteio. Não era tão próximo do irmão quanto gostaria, mas, se a vida não quis que fosse assim, nada podia ser feito. Sabia que o pai preferia o irmão e não se ressentia disso. Não muito, pelo menos. Não era um homem do mato como Augusto e sim, sua preferência era a cidade e seus encantos. Suas mulheres e festas. Podia circular pela aristocracia Paulistana à vontade, quando estava no País. Era sempre o primeiro a ser chamado para as rodas do Clube e nos bailes. O Clube era seu maior passatempo. Os negócios estavam bem na mão do pai e do irmão. Não havia espaço para ele. Sendo assim, podia fazer o que mais gostava: gastar o dinheiro do pai. É claro que isso fora motivo de longas discussões e ameaça por parte do velho. Bastava apenas um sorriso de covinhas para a mãe e tudo se resolvia.

Ao contrário de Augusto, fora criado na cidade. Sempre fora o primeiro da turma no Grupo Escolar, e em tudo que se propunha a fazer. Isso também se dava nas traquinagens. E Deus o abençoara com uma beleza gritante. Olhos estreitos e azuis, enquanto os do irmão eram cinza e opacos. Cabelos negros, sobrancelhas grossas e marcantes, dono de um sorriso de covinhas que deixava até a mais rabugenta das professoras encantada com seu charme. E isso ele tinha de sobra. Essa era a sua arma. E assim tudo conseguia. Desde cedo aprendera a arte da lisonja. O beijo dado na mão de todas as damas, não importando a idade, resultando na ruborização das maçãs do rosto dos referidos alvos, era-lhe como mel atraindo formigas. Ah! E as moçoilas! Como negar-lhes o que  tanto queriam? Quantos beijos roubados, quantos olhares espichados e quantas propostas de casamento! Recusara todas, para desgosto do pai.

Poderia ter feito um bom casamento acrescentando mais  status à família. Assim o pai queria, contudo, esse gosto não lhe daria. Se a sua família tivesse que se unir à outra da sociedade paulistana, que fosse através do irmão, que já estava passando da hora de se casar. Entretanto, Augusto só pensava em terra, terra e mais terra. Até parece que nunca se divertia com nada. Passava os dias na fazenda, só voltando à noite para conferir os  balancetes e lhe dar broncas severas sobre seu comportamento.

Mas fazer que se tinha um espírito livre? A noite era sua testemunha. E ele a adorava. Adorava as mesas de jogo, bebidas, mulheres e as motocicletas. Estava sempre competindo no Club Atlético, em São Paulo, com sua Harley Davidson JD. Era em cima dela que se sentia livre de todas as amarras que seu sobrenome impunha. Como pensar em sossegar se a vida lhe era tão boa? Não que se desinteressava pelos negócios da família. Apenas o seu autossuficiente irmão jamais permitiria que ele o ajudasse em algo, mesmo sendo um dos melhores alunos de arquitetura do Real Instituto Superior de Belas Artes, em Roma. É claro que tinha algumas ideias. Gostava de conversar com investidores, analisar o mercado de ações. Até tinha feito alguns negócios, escondido do irmão, e se dado bem.

Nos primeiros anos de sua vida, Ângelo fora uma criança doente. Nascera mirradinho e quase não sobrevivera. Entretanto, dona Afonsina se recusara a deixar que isso acontecesse. Abraçou o menino e não arredava o pé de perto dele; não permitindo que ninguém sequer o pegasse no colo. Aquele menino viveria e seria grande. As preces da mãe sofrida foram atendidas e ele se fez belo e doce. Talvez por ter sido extremamente protegido pelas mãos da mãe que não deixava “seu anjinho” — referia-se a ele assim, fazendo Augusto e o pai revirarem os olhos — sair de casa sobre nenhum pretexto, aprendera a se distrair com lápis e papel. No começo desenhava as coisas que via pela janela. Flores, árvores, muros. Aos poucos fora ganhando destreza e a habilidade fluíra como água jorrando pelas mãos. Mesmo com pouca idade fez um retrato da mãe, enquanto a observava bordar, sentada na sala, de onde, de certa forma, era um prisioneiro do tempo e da saúde.

Assim que não foi mais possível mantê-lo dentro de casa, Ângelo fora para escola. Para mãe, uma tortura, acostumada à sua presença constante. Para ele, a liberdade. Quis ir para a Europa estudar pintura na Velha Escola. Acostumara-se aos elogios e a ter algumas moças mais desenvoltas como modelos de corpos nus. O pai não permitiu. Essas coisas de desenho, pintura, não davam em nada. Só o faria tornar-se um fanfarrão, um libertino, e ele jamais sustentaria uma profissão tão desqualificada quanto aquela. Ele teria que seguir o exemplo do irmão e...

Trancou-se no quarto aborrecido e aquela talvez fosse a primeira vez que a mãe não fora a seu favor. Ela não poderia conceber a ideia de perdê-lo para o mundo. Com muito jeito aconselhou-o a continuar com os desenhos, mas também com algo que deixaria o pai orgulhoso. Foi assim que, depois de muito choro e vela, foi embora para Itália estudar Arquitetura. Vieram as plantas, mas os desenhos de nus femininos continuaram. Alias, aumentaram, e ele levou o curso com imensa alegria, contrariando Augusto que via um desperdício de dinheiro manter o irmão em outro país, quando deveria seguir seu exemplo e trabalhar na fazenda com ele e o pai.

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