— Você mentiu pra mim. Fez-me crer que era minha amiga. Aceitou meus presentes, usou minhas roupas, ou melhor, está usando minhas roupas, e ainda assim preferiu acabar comigo.
— Você tem que entender, Mercedes. Ele nunca te amou. Seu pai antecipou as coisas e ele não teve como negar o noivado na presença de todos. Augusto é um homem honrado. A gente se ama. Não há nada que mude isso, nem mesmo sua família.
— Ele era meu! — gritei para ela — Meu! Desde criança. Você estragou tudo.
— Ele nunca foi seu, Mercedes, e sabe muito bem disso. Seu passado te condenou...
— Cale a boca! O que pensa que sabe sobre meu passado? O que aquele cretino do Ângelo te contou? Ele não sabia de nada. — Gritei, apontando a arma para ela.
— Eu ouvi quando ele te chantageou. Estava na janela.
— Então não ouvi
Por alguns segundos me vi deitada em seu lugar. Já disse que nos parecíamos e isso me enlouqueceu naqueles segundos em que via seu peito arfar. Cheguei a pensar que era por isso que Augusto me beijara quando menti sobre a minha mãe estar morrendo. Naquele momento vi sua figura projetada em mim e percebi que se fosse eu naquele chão, Augusto se sentiria aliviado e feliz. Senti o sangue penetrar em meus olhos e atirei em seu peito, deixando-a ali no chão frio, apagando a luz antes de sair. Fui para a casa. Não sei exatamente como cheguei lá. Parecia estar em outro mundo, ou enfrentando um pesadelo do qual logo acordaria e tudo seria diferente.Queria um mundo onde as pessoas não mentiam, não traiam, não pensavam em si mesmas. Um mundo onde Augusto era meu, onde nosso filho cresceria naqueles campos de café, onde poderia rodá-lo nos braços ouvindo o som de sua gargalhada. Onde a felicidade
Meu pai me enviou para uma casa de repouso no Rio de Janeiro, depois de me arranjar uma certidão de nascimento falsa, jurando que jamais poria os olhos em mim novamente. Eu estava por minha conta. Despedi-me de mamãe. Seu choro foi sincero durante os velórios. Acredito que papai tenha mexido os pauzinhos dentro da polícia, já que era um político de respeito, amigo íntimo do delegado. Deu uma pequena fortuna para o capataz e fê-lo deixar a cidade na calada da noite. Naquele dia eu morri. Todos pensavam que Glória havia partido algumas semanas antes do ocorrido. Não houve muita investigação, como sabem. Especulou-se muito na época. Tenho certeza de que papai deu um jeito de as promissórias adulteradas aparecerem na gaveta da escrivaninha da casa da fazenda, quando enviou o capataz em busca do corpo de Glória. Todos foram unânimes em dizer que os irmãos viviam brigando p
Terminei a leitura singular chocado. Marina tinha os olhos vítreos ao me encarar estupefata. Saber da verdade, depois de tanto tempo, não fez com que me sentisse melhor. Meus parentes distantes não se mataram, o que não deixa de ser um alívio. Mas também não fica mais fácil saber que foram vítimas de uma mulher obsessiva e doente. Não quero imaginar o que é ter um filho com essa doença, ou mesmo, se o amor justifica tudo. Seus pais deveriam tê-la internado numa instituição para doentes mentais, quando cometeu o primeiro crime? A lógica diz que sim. Por outro lado, entendo que o correto nem sempre é a melhor forma de se lidar com um problema. Toda essa estória poderia ter sido diferente caso Mercedes não tivesse surgido na vida dos irmãos? Talvez sim, talvez não, se esse fosse o destino dos dois. Aí então poderia ser Mercedes,
Dias atuaisLembro-me, como se fosse hoje, da primeira vez que me deparei com os recortes de jornais, de época, escondidos entre os álbuns de fotografia que mamãe guardava com tanto zelo. Ainda era um menino de calça curta, aprendendo a juntar as letras do alfabeto, me refestelando com a possibilidade de descobrir o significado de todas aquelas sílabas, enquanto as palavras se formavam perante os olhos. Senti o mundo se abrir à minha frente em face da cegueira que me deixava gradualmente, a partir do momento em que conseguia ler aquilo que via na
Contudo, foi somente quando já estava com meus quinze anos é que vim a descobrir todo o horror do dia em questão. E compreendi que aquela não era uma estória a ser contada ao garotinho influenciável que eu era, quando descobri o segredo da minha família.Esse caso sempre me fascinou e acredito ter influenciado minha vida a ponto de tomar a decisão de prestar vestibular para Artes Visuais e Cinema. Como minha primeira leitura, aquele velho jornal apurou meu gosto para todo tipo de literatura detetivesca, do qual sou fã até hoje. Leio tudo o que me cai às mãos. Meu primeiro filme, ainda na faculdade, foi um curta sobre o Assassino do Cinema. Meu grupo trabalhou no roteiro e eu dirigi. Foi mágico ver o Alan (o assassino) entrando no escuro do cinema, sentando-se ao lado de uma jovem inocente (Alessandra) e colocando a mão em sua boca, sufocando-a, enquanto encenava um beijo apaixona
É fato dizer que a tragédia toda não se deu na casa da fazenda e sim, na da cidade. Mas algo estranho me ocorreu ao entrar no banheiro da parte de baixo do sobrado. Não sou dado às crendices, como já disse anteriormente, contudo, me senti incomodado naquele lugar. O passeio se estendeu pelos jardins das cercanias e, aos meus olhos juvenis, me encantei com a fonte que ainda derrama suas águas pelo jarro da dama de pedra.Tudo isso ainda vive em minha memória. Contribuiu para o cenário que pretendo montar ao reviver a trama dessas páginas transcritas por tia Eneida. Pego-me olhando avidamente para a foto da mulher morta ao lado dos dois irmãos, pensando qual seu papel no desfecho. Soube seu nome através de tia Eneida: Mercedes Medeiros, filha do Coronel Artur de Medeiros — noiva de Augusto. Por que seu fim trágico junto a eles?Tantas coisas sem sentido envolvem esse caso. Ma
Marina sorriu, mordendo os lábios e aguardei sua explanação. Devo dizer que adorava ouvi-la.— Gosto de implicar com você. Mas voltando, as físicas podem doar até seis por cento. E para convencê-los você terá que dar ênfase às vantagens de terem seus nomes vinculados ao seu projeto, pois terá até trinta por cento do valor arrecadado para usar com propaganda e marketing.— Entendi.— Senti certo desespero em sua voz, contudo há outra maneira.— Espero que seja melhor do que gastar sola de sapato.— Quem quer as coisas tem que suar a camisa, querido. Se você tiver um amigo no Ministério da Cultura, aí você pode falar com ele e fazer seu projeto pleiteando o incentivo federal. Então você receberá todo o dinheiro do Governo Federal.— Isso é realmente possíve
— Uau! Você é rápido, hein? Já escreveu tudo isso? — Perguntou admirada, dando-me chance de mergulhar no brilho de seus olhos.— Eu vivi essa estória a minha vida inteira. As palavras meio que saem pelas teclas. Veja isso: A posição dos corpos não faz sentido. Como um tiro pode ser disparado de frente, por Ângelo, matando o irmão, e a perícia dizer que ele se suicidou na sequência, se seu corpo está posicionado quase ao lado do corpo de Augusto? Os dois de barriga para cima. Note que suas mãos quase se tocam. Isso é impossível! — Digo, mostrando-lhe a velha foto, enquanto ela franze o cenho.— Bem, talvez ele tenha se postado ao lado do irmão antes de se matar. Justificaria a posição.— Sim. Mas por que faria isso? Veja como dá a impressão de que os corpos parecem ter sido arruma