Terminei a leitura singular chocado. Marina tinha os olhos vítreos ao me encarar estupefata. Saber da verdade, depois de tanto tempo, não fez com que me sentisse melhor. Meus parentes distantes não se mataram, o que não deixa de ser um alívio. Mas também não fica mais fácil saber que foram vítimas de uma mulher obsessiva e doente. Não quero imaginar o que é ter um filho com essa doença, ou mesmo, se o amor justifica tudo. Seus pais deveriam tê-la internado numa instituição para doentes mentais, quando cometeu o primeiro crime? A lógica diz que sim. Por outro lado, entendo que o correto nem sempre é a melhor forma de se lidar com um problema. Toda essa estória poderia ter sido diferente caso Mercedes não tivesse surgido na vida dos irmãos? Talvez sim, talvez não, se esse fosse o destino dos dois. Aí então poderia ser Mercedes,
Dias atuaisLembro-me, como se fosse hoje, da primeira vez que me deparei com os recortes de jornais, de época, escondidos entre os álbuns de fotografia que mamãe guardava com tanto zelo. Ainda era um menino de calça curta, aprendendo a juntar as letras do alfabeto, me refestelando com a possibilidade de descobrir o significado de todas aquelas sílabas, enquanto as palavras se formavam perante os olhos. Senti o mundo se abrir à minha frente em face da cegueira que me deixava gradualmente, a partir do momento em que conseguia ler aquilo que via na
Contudo, foi somente quando já estava com meus quinze anos é que vim a descobrir todo o horror do dia em questão. E compreendi que aquela não era uma estória a ser contada ao garotinho influenciável que eu era, quando descobri o segredo da minha família.Esse caso sempre me fascinou e acredito ter influenciado minha vida a ponto de tomar a decisão de prestar vestibular para Artes Visuais e Cinema. Como minha primeira leitura, aquele velho jornal apurou meu gosto para todo tipo de literatura detetivesca, do qual sou fã até hoje. Leio tudo o que me cai às mãos. Meu primeiro filme, ainda na faculdade, foi um curta sobre o Assassino do Cinema. Meu grupo trabalhou no roteiro e eu dirigi. Foi mágico ver o Alan (o assassino) entrando no escuro do cinema, sentando-se ao lado de uma jovem inocente (Alessandra) e colocando a mão em sua boca, sufocando-a, enquanto encenava um beijo apaixona
É fato dizer que a tragédia toda não se deu na casa da fazenda e sim, na da cidade. Mas algo estranho me ocorreu ao entrar no banheiro da parte de baixo do sobrado. Não sou dado às crendices, como já disse anteriormente, contudo, me senti incomodado naquele lugar. O passeio se estendeu pelos jardins das cercanias e, aos meus olhos juvenis, me encantei com a fonte que ainda derrama suas águas pelo jarro da dama de pedra.Tudo isso ainda vive em minha memória. Contribuiu para o cenário que pretendo montar ao reviver a trama dessas páginas transcritas por tia Eneida. Pego-me olhando avidamente para a foto da mulher morta ao lado dos dois irmãos, pensando qual seu papel no desfecho. Soube seu nome através de tia Eneida: Mercedes Medeiros, filha do Coronel Artur de Medeiros — noiva de Augusto. Por que seu fim trágico junto a eles?Tantas coisas sem sentido envolvem esse caso. Ma
Marina sorriu, mordendo os lábios e aguardei sua explanação. Devo dizer que adorava ouvi-la.— Gosto de implicar com você. Mas voltando, as físicas podem doar até seis por cento. E para convencê-los você terá que dar ênfase às vantagens de terem seus nomes vinculados ao seu projeto, pois terá até trinta por cento do valor arrecadado para usar com propaganda e marketing.— Entendi.— Senti certo desespero em sua voz, contudo há outra maneira.— Espero que seja melhor do que gastar sola de sapato.— Quem quer as coisas tem que suar a camisa, querido. Se você tiver um amigo no Ministério da Cultura, aí você pode falar com ele e fazer seu projeto pleiteando o incentivo federal. Então você receberá todo o dinheiro do Governo Federal.— Isso é realmente possíve
— Uau! Você é rápido, hein? Já escreveu tudo isso? — Perguntou admirada, dando-me chance de mergulhar no brilho de seus olhos.— Eu vivi essa estória a minha vida inteira. As palavras meio que saem pelas teclas. Veja isso: A posição dos corpos não faz sentido. Como um tiro pode ser disparado de frente, por Ângelo, matando o irmão, e a perícia dizer que ele se suicidou na sequência, se seu corpo está posicionado quase ao lado do corpo de Augusto? Os dois de barriga para cima. Note que suas mãos quase se tocam. Isso é impossível! — Digo, mostrando-lhe a velha foto, enquanto ela franze o cenho.— Bem, talvez ele tenha se postado ao lado do irmão antes de se matar. Justificaria a posição.— Sim. Mas por que faria isso? Veja como dá a impressão de que os corpos parecem ter sido arruma
O que havia me inspirado a começar o roteiro da obra, se apagou como vela em frente a uma rajada de vento. Estava tudo em minhas mãos, contudo, a falta de uma finalização me deixava angustiado. Não queria terminar apenas para dizer que colocara no papel tudo o que sabia. Queria mais. Queria descobrir a verdade. Talvez essa inquietude se devesse ao sobrenome da minha família. Ninguém gosta de ter um palco de tragédia pairando sobre sua cabeça. E quanto mais me aprofundava no assunto, mais dúvida tinha. O que realmente aconteceu àquela família? Gente que não conheci, mas que pareciam viver ao meu lado, me instigando. Fechei os olhos e me deixei levar pelos fatos, formando imagens onde os protagonistas se tornavam pessoas reais, tendo que lidar com sentimentos e ressentimentos. Cheguei quase a me transportar para aquela época, tal o grau de envolvimento em que me encontrava, como se a qual
É claro que Augusto brincava no monjolinho escondido da mãe. Se ela o pegasse agarrado àquelas pás, ficaria de castigo por dias sem sair do quarto. Aprendera a brincadeira na roda com José, filho do caseiro de confiança da família. Os dois se divertiam à beça correndo atrás dos patos e galinhas, armando arapuca pra pegar passarinho e pisando nos grãos de café que secavam no terreiro, acima do prédio onde fora colocada o moinho de café.Havia uma casa na cidade onde ele era obrigado a ficar durante o período escolar, no “Grupo Escolar Coronel Paulino Carlos”. Mas era na fazenda que ele se sentia livre e feliz. Se pudesse não deixaria aquele lugar por nada do mundo. Houve um certo desconforto quando soube que a mãe lhe daria um irmão. Afinal ele já estava com sete anos, bastante acostumado a ser filho único e receber to
Ângelo, que acabara de chegar da América do Norte, observava o irmão pelo canto do olho. Sabia que estava sofrendo. Todos estavam. Sentia medo pela mãe, por quem era extremamente devotado. Por tê-lo tido em idade tardia e quase perdido aquela criatura pequenina e frágil, ela o mimara. Estragara o menino, dizia o pai. Não que ele não estivesse sentindo sua morte, contudo, ainda tinha a mãe. Ela era o seu esteio. Não era tão próximo do irmão quanto gostaria, mas, se a vida não quis que fosse assim, nada podia ser feito. Sabia que o pai preferia o irmão e não se ressentia disso. Não muito, pelo menos. Não era um homem do mato como Augusto e sim, sua preferência era a cidade e seus encantos. Suas mulheres e festas. Podia circular pela aristocracia Paulistana à vontade, quando estava no País. Era sempre o primeiro a ser chamado para as rodas do C