Olhei para ele enquanto, na minha mente, passava o filme da nossa história: desde o primeiro beijo até o momento em que o vi com aquela m*****a ruiva. Meu coração estava em pedaços. Todos os sonhos e planos de uma vida a dois escorriam entre meus dedos. Eu não queria chorar na frente dele, mas como evitar? As lágrimas já rolavam pelo meu rosto quando o toque do celular dele me trouxe de volta à realidade. Olhei para o aparelho, sabendo exatamente quem poderia ser. Sem pensar duas vezes, arranquei o celular de sua mão e atendi.
— Gustavo, o que está acontecendo? — A voz era de uma menina recém-saída das fraldas, o que me irritou ainda mais. Gustavo tentou pegar o celular, e, mesmo sabendo que eu nunca venceria em uma disputa de força, há momentos em que nós, mulheres, precisamos jogar sujo. Lembrei-me das aulas de defesa pessoal e, com um golpe certeiro, acertei-o em seu ponto sensível. Ele caiu no chão da sala, gemendo de dor. Aproveitei a oportunidade e corri para o meu quarto. Sentada na cama, com o celular nas mãos, resolvi, pela primeira vez, descobrir o que aquele aparelho tinha para me dizer. Infelizmente, eu não sabia a senha. Nunca quis saber. Eu confiava cegamente. Tentei várias combinações até que me lembrei da data em que ele comprou seu primeiro carro: 25/04. Quando digitei, a mágica aconteceu. Fui direto para as mensagens, e, diante dos meus olhos, apareceram várias provas da infidelidade: incontáveis conversas, fotos e trocas de nudes. Melissa, esse era o nome da ruiva. O conto de fadas no qual eu acreditava estar vivendo era, na verdade, uma grande farsa. Eu confiei nele e me entreguei completamente a alguém que não merecia. Gustavo berrava do outro lado da porta. Os socos não paravam, sabendo que a porta cederia a qualquer momento, me sentindo fraca destranquei a porta e abri. As lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu entregava o celular de volta para ele. Ele pegou o aparelho, olhou para a tela e viu que a conversa com a tal Melissa estava aberta. Os olhos de Gustavo arregalaram-se ao ver a tela. Por um instante, ele ficou em silêncio, encarando o celular como se estivesse diante de uma bomba prestes a explodir. — Você não tinha o direito de fazer isso! — rugiu, apertando o celular como se quisesse esmagá-lo. — Direito? E você acha que tinha o direito de destruir a nossa história? Sabe o que é o pior de tudo, Gustavo? — falei, tentando controlar a raiva. — Foi ver como você olhava para ela. Em oito anos, nunca vi aquele olhar, nem aquele sorriso, sendo dirigidos a mim. — Eu errei, Júlia, mas não fui o único culpado. Quantas vezes eu te convidei para sair, para jantar? Mas você sempre escolheu o trabalho. Relatórios, reuniões intermináveis... e eu aqui, tentando fazer a nossa vida funcionar, mas só encontrando uma mulher cansada e distante, com a cara amarrada, parecendo uma velha. Eu tenho apenas 36 anos, Júlia. Quero viver, me divertir, conhecer pessoas novas, viajar... — Então você achou que poderia fazer tudo isso com a Melissa? — gritei, deixando a dor e a raiva transbordarem da minha voz. Ele me encarou, os olhos vazios de arrependimento. — A vida com você se tornou monótona, previsível. Eu precisava de algo mais, algo que me fizesse sentir vivo de novo. Eu queria entender, queria que suas palavras fizessem sentido, mas tudo o que eu sentia era dor. — Mas por que com a Melissa? Por que você não tentou lutar por nós, ao invés de se entregar a outra pessoa? Gustavo abaixou a cabeça, visivelmente desconfortável. — Eu sei, Júlia, sei que fui egoísta. Deveria ter lutado mais, mas a Melissa trouxe algo diferente... Ela é divertida, alegre, e me faz sentir vivo de novo. Ele se aproximou lentamente, mas eu já não queria ouvir mais. Não havia mais palavras que pudessem consertar o que estava quebrado. — Eu sei que errei, Júlia. Nunca quis te magoar. Derrotada olhei para ele, buscando algum sinal de sinceridade, mas seus olhos... seus olhos estavam vazios. — Mentira! Você mente descaradamente, Gustavo! — gritei, minha raiva se acumulando, crescendo, até explodir. Antes que eu pudesse me controlar, o tapa ecoou pela sala, quebrando o silêncio entre nós. Gustavo levou a mão ao rosto, surpreso pela força do meu gesto. Eu também fiquei chocada comigo mesma, mas o pior ainda estava por vir. Com a raiva brilhando em seus olhos, Gustavo se aproximou de mim. Recuei, com medo de que ele fosse revidar fisicamente, mas o que ele fez foi muito pior. — A Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre e... — seus olhos me analisaram de cima a baixo com desdém — apetitosa. As palavras me atingiram como um soco no estômago. — Sai da minha casa! — gritei, correndo em sua direção, batendo nele, arranhando-o. Eu queria que ele sentisse o que eu estava sentindo. — Seu cretino, miserável... Gustavo, se defendeu, segurando minhas mãos com força. — Eu sinto muito. Juro, não queria que fosse assim. — Você é um cretino! Volta para aquela vaca, então! — Eu entendo sua revolta, mas espero, Júlia, que isso não afete nosso trabalho... Imediatamente parei, só para em seguida perder totalmente o controle; peguei o primeiro objeto à minha frente e atirei nele, em seguida arremecei outro e mais outro, destrui toda a minha coleção de ursinhos de parcelana. Agora, um ano depois, as palavras e as lembranças ainda me torturam todos os dias. Me afundei no trabalho, tentando esquecer, tentando ocupar minha mente. Mas não importa o quanto eu tente fugir de tudo isso, no fundo, meu coração ainda doi.Não aguentando mais ficar na minha "festinha de aniversário", jogo no lixo o guardanapo com o resto do bolo e, antes de sair, pego um copo de café puro. Discretamente, deixo para trás meus colegas, que ainda continuam conversando, e ando rapidamente pelo corredor. Quero chegar logo à minha sala e me jogar de cabeça nos relatórios.Ao chegar à porta, ouço passos atrás de mim. Olho por sobre o ombro e vejo Gustavo, caminhando despreocupado, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo em mim.Meu coração traiçoeiro erra algumas batidas, lembrando-me de que, sim, ainda tenho sentimentos por ele. Ao passar por mim, ele mantém o olhar e, antes de entrar na sala, sua voz me atinge, com aquele tom de zombaria que sempre me tira do sério:— Cuidado para não escorregar na baba.Sua risada no final me alcança e faz meu sangue ferver. Sentindo-me uma completa idiota, entro na minha sala.Furiosa, caminho até a mesa sem perder mais um minuto sequer. Sento-me e ligo o computador, tentando me concentrar n
— Raquele, obrigada por trazê-lo. Gostaria de ter uma conversa com ele.— Claro, Júlia. — Raquele se vira para Eduardo com um sorriso caloroso. — Seja bem-vindo!— Obrigado, Raquele. — Ele responde.Observo a gestora de recursos humanos sair da sala e fechar a porta. Meus olhos se encontram com os dele. Mantenho o contato visual, apesar de sentir um pequeno arrepio, ele, por sua vez, não desvia. Seu sorriso desaparece um pouco, e a intensidade de seu olhar aumenta, o que me faz estremecer.Desconfortável com a estranha situação, respiro fundo e volto minha atenção para o currículo que ainda estou segurando.— Então, Eduardo, né? — começo, tentando soar o mais profissional possível, apesar do nervosismo.— Isso mesmo, Dona Júlia. — Ele responde, com uma voz suave e confiante demais para meu gosto.Sento-me na cadeira, sentindo o clima na sala se tornar denso, e o silêncio entre nós dois parece pesar mais do que o normal.— Posso chamá-la de Júlia? — Ele pergunta, sem desviar os olhos d
Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente p
Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es
— Faz tempo, sim. — A imagem de mim mesma, com apenas 20 anos, chegando a Fortaleza, carregando uma mala e o coração cheio de sonhos, pipoca na minha mente.Aguardo por mais alguma pergunta, mas ela não vem. Vencemos o terceiro quarteirão e, pelo canto dos olhos, vejo-o parar e olhar o relógio.— Esqueceu alguma coisa, Eduardo? — pergunto por educação e também por curiosidade.Fixo meu olhar nele enquanto Eduardo olha para os lados, como se procurasse algo. Quando finalmente encontra, se volta para mim, e um sorriso tímido surge em meu rosto.— Vamos tomar água de coco?— Água de coco? Agora? — Olho para o relógio e percebo que ainda falta quase meia hora para o expediente começar.— Vamos, Júlia, não vai se arrepender — ele insiste, fitando meus olhos.Penso em dizer não, mas, ao olhar para ele parado na minha frente, uma batalha interna se inicia: aceitar ou não? Olho em direção ao prédio da New Lux, que está apenas a um quarteirão — na verdade, nem é um quarteirão propriamente dito
Sentada à minha mesa, com o ar-condicionado no mínimo, tento me concentrar no relatório. Mas, para minha raiva, não consigo parar de pensar na intrusa que invadiu meu território. Já se passaram dois meses desde a sua chegada, e, diariamente, sou obrigada a testemunhar os sorrisos e os olhares que Gustavo e ela trocam. Por vezes, consigo perceber carícias sutis entre eles, gestos que revelam uma proximidade além do âmbito profissional. É frustrante e angustiante presenciar essa situação.Mesmo que eu tente controlar minhas emoções, a presença dela mexe comigo — é uma verdadeira afronta à minha pessoa, um desrespeito que é difícil de engolir, especialmente agora que todos no escritório começam a gostar dela.Por que ela precisava ser tão encantadora, sempre pronta para ajudar? Seria mais fácil se ela fosse uma inútil. Desisto! — jogo os papéis na mesa, exausta de lutar contra meus próprios pensamentos. Por mais que eu me esforce para não me deixar abalar, sinto-me traída novamente, não
Quando finalmente chego ao meu destino, o azul profundo do mar e do céu se estende diante de mim, ocupando toda a minha visão. Encho os pulmões de ar, permitindo que o cheiro salgado da maresia invada meu ser por completo. Aproximo-me do parapeito, solto meu coque e deixo que o vento bagunce meus cabelos.A culpa me envolve, pesada e implacável. Fui irresponsável ao deixar que a chegada de Melissa me abalasse tanto. Não posso me dar ao luxo de pôr tudo a perder. Conquistei tudo o que tenho, mas, para chegar até aqui, decepcionei minha mãe. Ela estava tão feliz com o meu casamento com o filho do prefeito da nossa pequena cidade. Finalmente estaríamos livres da pobreza, dizia ela.Mas não era a vida que eu queria. Não queria me casar com Roberto só por dinheiro. Ele não seria feliz comigo, e eu tão pouco seria com ele, sabendo que seu coração pertencia a um rapaz da cidade vizinha. O casamento lhe daria a liberdade que ele não podia ter como solteiro, pois sua família jamais aceitaria s
— Talvez seja melhor você convidar alguém da sua idade, do seu círculo de amizades.— O quê? Não posso acreditar que estou ouvindo isso!— É isso mesmo. Você precisa estar cercada de pessoas da sua idade. O meu tempo já passou.Ouço sua risada, e logo ele se vira.— De onde você tirou essa ideia de que seu tempo passou? Você é jovem, muito linda.A palavra “linda” escorrega de seus lábios, quase se demorando no ar, como se ele quisesse destacar cada sílaba, tornando-a mais especial, mais intensa.Linda e jovem?A ideia parece tão distante da minha realidade que não consigo segurar e começo a rir. E, para minha surpresa, Eduardo também se solta, rindo junto comigo. Rimos tanto que minha barriga começa a doer, e o ar vai se escapando de mim, até que sou obrigada a parar, só para recuperar o fôlego. Ele faz o mesmo.Viro-me para ele, observando seu sorriso e os olhos brilhando com a diversão, ainda marejados de lágrimas enquanto tenta controlar a risada. Há algo de encantador nesse momen