Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.
Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente pensei que éramos felizes, que logo iríamos casar. Estou completamente imersa nas minhas lembranças, tentando entender em que momento estraguei tudo, quando uma mão toca meu ombro. Assustada, com o coração acelerado, olho para a pessoa. Um sorriso largo me cumprimenta. Tentando disfarçar meu descontentamento e o medo que senti, tiro os fones de ouvido e os guardo na bolsa. — Oi, Luiz. — Eduardo — ele sorri, meio sem jeito — prefiro que me chame assim. E eu preferiria que você não tivesse vindo falar comigo... — Está indo para casa? — pergunta ele. Antes de responder, olho para ele. Está vestido de forma casual, nem parece o mesmo rapaz que entrevistei mais cedo, que, apesar da simpatia, tinha um tom sério e profissional. Agora, tudo que consigo ver é sua jovialidade, e principalmente a tatuagem que começa no ombro e vai até o cotovelo, visível graças à camiseta sem mangas. — Sim, e você? — Eu também, moro naquele condomínio. — Ele aponta para um prédio mais à frente, que, inclusive, é o mesmo onde moro. Merda, merda, como não vi isso no currículo... — Que coincidência, eu moro lá também. — É perfeito! — Perfeito? Por quê? — Podemos ir para o trabalho juntos. — Ah, claro... — Ah, meu Deus, só me faltava essa... Caminhamos em silêncio pelo restante do trajeto. Para evitar mais perguntas, coloco meus fones de ouvido de novo. Com o passar dos segundos, vejo que foi uma boa estratégia. Ao chegarmos no prédio, ele se adianta e aperta o botão do elevador, que, por sorte, já está no andar térreo, abrindo as portas imediatamente. Entramos ainda em silêncio. Meu apartamento fica no sétimo andar. Antes que ele tome a dianteira, aperto o botão correspondente ao meu andar e rapidamente pego o celular para conferir os últimos e-mails. Quando a porta do elevador se abre, saio sem dizer tchau ou qualquer coisa que se assemelhe a uma despedida. No entanto, sinto que ele continua logo atrás, tentando me acompanhar. Opa! Opa! Isso já é demais... Paro no meio do corredor e o encaro seriamente. — Não precisa me acompanhar, Eduardo. Ele me olha como se estivesse se divertindo, coça a cabeça e, com os olhos semicerrados por causa do sorriso, diz algo que eu preferia que não fosse verdade. — Na verdade, Júlia, acho que somos vizinhos. Ambos olhamos para o final do corredor, onde estão as únicas duas portas, uma de frente para a outra. Se a minha porta é a do lado direito, então... Luiz Eduardo, meu novo assistente, é meu vizinho. Com certeza, alguém lá em cima adora me colocar em situações que eu odeio. — Ah, sim... Que coincidência… Eduardo. Mesmo tentando, não consigo disfarçar minha expressão de surpresa e descontentamento. Caminhamos em silêncio até nossas respectivas portas. Fixo o olhar em Eduardo, que está parado diante da sua porta, e ele me encara de volta. Eu tinha uma pequena esperança de que ele estivesse brincando, mas, ao vê-lo com a chave na mão, minha esperança se desfaz por completo. — Boa noite, Júlia — ele diz, com um sorriso gentil. — Boa noite — respondo, sentindo um leve calor nas bochechas. Entro no meu apartamento, ligo a luz da sala e sou recebida pelo silêncio, pela solidão que me deseja boa noite. Jogo minha bolsa no sofá e vou até a janela, abrindo as cortinas. O ponto positivo de onde moro é a vista deslumbrante, e hoje não poderia ser diferente. Uma lua imponente lança um rastro de luz prateada sobre o oceano. Diante dessa cena, solto os grampos do meu cabelo, desfazendo o coque, e, como se fosse um gesto de gratidão, meus cabelos caem até a cintura, envolvendo meu corpo em um abraço suave. Dizem que cabelos longos não combinam com mulheres na casa dos trinta. Já pensei em cortá-los várias vezes, especialmente depois da traição de Gustavo, como se isso fosse um recomeço. Sempre que me olho no espelho, lembro dele acariciando meus cabelos, dizendo o quanto os adorava. Mas algo me impede, talvez a esperança de que ele volte... Um ano. Um ano e ainda espero uma ligação, uma mensagem, algo dele querendo conversar. Suspiro. Ainda não me acostumei com a solidão.Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es
— Faz tempo, sim. — A imagem de mim mesma, com apenas 20 anos, chegando a Fortaleza, carregando uma mala e o coração cheio de sonhos, pipoca na minha mente.Aguardo por mais alguma pergunta, mas ela não vem. Vencemos o terceiro quarteirão e, pelo canto dos olhos, vejo-o parar e olhar o relógio.— Esqueceu alguma coisa, Eduardo? — pergunto por educação e também por curiosidade.Fixo meu olhar nele enquanto Eduardo olha para os lados, como se procurasse algo. Quando finalmente encontra, se volta para mim, e um sorriso tímido surge em meu rosto.— Vamos tomar água de coco?— Água de coco? Agora? — Olho para o relógio e percebo que ainda falta quase meia hora para o expediente começar.— Vamos, Júlia, não vai se arrepender — ele insiste, fitando meus olhos.Penso em dizer não, mas, ao olhar para ele parado na minha frente, uma batalha interna se inicia: aceitar ou não? Olho em direção ao prédio da New Lux, que está apenas a um quarteirão — na verdade, nem é um quarteirão propriamente dito
Sentada à minha mesa, com o ar-condicionado no mínimo, tento me concentrar no relatório. Mas, para minha raiva, não consigo parar de pensar na intrusa que invadiu meu território. Já se passaram dois meses desde a sua chegada, e, diariamente, sou obrigada a testemunhar os sorrisos e os olhares que Gustavo e ela trocam. Por vezes, consigo perceber carícias sutis entre eles, gestos que revelam uma proximidade além do âmbito profissional. É frustrante e angustiante presenciar essa situação.Mesmo que eu tente controlar minhas emoções, a presença dela mexe comigo — é uma verdadeira afronta à minha pessoa, um desrespeito que é difícil de engolir, especialmente agora que todos no escritório começam a gostar dela.Por que ela precisava ser tão encantadora, sempre pronta para ajudar? Seria mais fácil se ela fosse uma inútil. Desisto! — jogo os papéis na mesa, exausta de lutar contra meus próprios pensamentos. Por mais que eu me esforce para não me deixar abalar, sinto-me traída novamente, não
Quando finalmente chego ao meu destino, o azul profundo do mar e do céu se estende diante de mim, ocupando toda a minha visão. Encho os pulmões de ar, permitindo que o cheiro salgado da maresia invada meu ser por completo. Aproximo-me do parapeito, solto meu coque e deixo que o vento bagunce meus cabelos.A culpa me envolve, pesada e implacável. Fui irresponsável ao deixar que a chegada de Melissa me abalasse tanto. Não posso me dar ao luxo de pôr tudo a perder. Conquistei tudo o que tenho, mas, para chegar até aqui, decepcionei minha mãe. Ela estava tão feliz com o meu casamento com o filho do prefeito da nossa pequena cidade. Finalmente estaríamos livres da pobreza, dizia ela.Mas não era a vida que eu queria. Não queria me casar com Roberto só por dinheiro. Ele não seria feliz comigo, e eu tão pouco seria com ele, sabendo que seu coração pertencia a um rapaz da cidade vizinha. O casamento lhe daria a liberdade que ele não podia ter como solteiro, pois sua família jamais aceitaria s
— Talvez seja melhor você convidar alguém da sua idade, do seu círculo de amizades.— O quê? Não posso acreditar que estou ouvindo isso!— É isso mesmo. Você precisa estar cercada de pessoas da sua idade. O meu tempo já passou.Ouço sua risada, e logo ele se vira.— De onde você tirou essa ideia de que seu tempo passou? Você é jovem, muito linda.A palavra “linda” escorrega de seus lábios, quase se demorando no ar, como se ele quisesse destacar cada sílaba, tornando-a mais especial, mais intensa.Linda e jovem?A ideia parece tão distante da minha realidade que não consigo segurar e começo a rir. E, para minha surpresa, Eduardo também se solta, rindo junto comigo. Rimos tanto que minha barriga começa a doer, e o ar vai se escapando de mim, até que sou obrigada a parar, só para recuperar o fôlego. Ele faz o mesmo.Viro-me para ele, observando seu sorriso e os olhos brilhando com a diversão, ainda marejados de lágrimas enquanto tenta controlar a risada. Há algo de encantador nesse momen
Ao chegarmos em nossa sala, Eduardo solta um suspiro profundo, enquanto anda de um lado para o outro.— Esse Gustavo realmente ultrapassou todos os limites. Não consigo entender como alguém pode ser tão desrespeitoso — Ele murmura mais para si do que para mim.Acompanho o rosto do meu assistente ganhar um tom avermelhado, e apesar de estar usando blazer, os músculos de seus ombros e braços se tornam visíveis. Eduardo está realmente incomodado, e sua indignação me atinge de uma forma que não sei decifrar. Há algo reconfortante, em saber que tenho alguém disposto a enfrentar situações em meu nome.Resolvo ficar quieta, sento na minha cadeira, e discretamente mantenho meus olhos nele, que ainda anda de um lado para o outro. Até que finalmente resolve ir para seu lugar e se volta para os documentos espalhados pela mesa.Quando a respiração dele fica visivelmente mais tranquila, me permito retomar para as minhas planilhas de vendas do mês. No entanto, de tempos em tempos, nossos olhos se c
Entro na minha sala, bufando de raiva. Se tivesse uma arma na minha frente, com certeza daria um tiro na cabeça do meu ex. Passo por Eduardo, que se mantém em silêncio, e caminho em direção à janela, mas nem a bela paisagem consegue me acalmar. Como pude ter sido tão cega em relação ao Gustavo? Realmente, não importa o tempo que passamos com alguém, nunca vamos conhecê-lo verdadeiramente. Nunca chegaremos ao miolo da cebola.De repente, uma xícara aparece na minha frente, interrompendo o turbilhão de pensamentos. Olho para o lado e encontro Eduardo com a sobrancelha levantada.Aceito agradecida, aproximo a xícara do meu rosto e respiro fundo o aroma reconfortante de camomila. Sorvo um pequeno gole, que não só aquece meu corpo, mas também acalma a minha mente agitada.Fito Eduardo que está ao meu lado, também segurando uma xícara de chá nas mãos. Nesses dois meses, ele incorporou esse ritual à minha rotina. É estranho como uma conexão entre nós se formou, algo que eu nunca consegui ter
Desejando espantar as borboletas, caminho pelo meu apartamento em direção ao banheiro. A cada passo, uma peça de roupa cai, e a necessidade de um banho se torna urgente. Quando a água gelada toca minha pele, me permito relaxar, deixando que ela leve embora o calor que queimava por dentro. Esse calor estranho, que muda meus pensamentos, que me faz imaginar situações que nunca deveriam acontecer entre mim e meu assistente.Mais relaxada, saio do banheiro envolta no roupão, e me jogo na cama. Por que, Deus, eu aceitei esse convite? Sem vontade de ir, observo o teto, enquanto busco uma solução para esse dilema, porque sim, isso é um problema. Será que posso enviar uma mensagem, alegando dor de cabeça? Ou talvez uma cólica? Não, nenhuma das opções parece convincente o suficiente.Eduardo já me mostrou que não é burro, e muito menos inocente. Mas que droga! Será que é pedir muito não querer misturar o profissional com o pessoal?Me reviro na cama pela décima quinta vez. Nunca pensei que