O aroma de café trouxe minha mente do mundo dos sonhos para o presente. Não sonhei, mas o sono foi profundo o bastante para me fazer sentir descansada.Abro os olhos e encaro o janelão aberto. A brisa fresca vinda do mar me faz querer continuar deitada, mas a voz de Eduardo interrompe minha contemplação.— Preparei café — diz ele, sentando ao meu lado e me estendendo uma xícara.Ainda sonolenta, sento-me e aceito a bebida com gratidão.— Achou café?— Temos que ir ao supermercado. Enquanto não formos, não vou sossegar. Agora toma isso logo. — Ele diz, levantando-se e indo até a cozinha.— Você não tem nada melhor para fazer? Não tem amigos? Um lugar para ir? — rebato, levantando-me também e indo na direção dele. — Não precisa estragar seu final de semana comigo, Eduardo.Tomo a xícara das mãos dele e a coloco na pia com um gesto firme.— Vai, vai cuidar das suas coisas. Qualquer dia desses eu vou ao supermercado.Quando me viro para encará-lo, ele já está bem perto. Perto demais.— Nã
Enfim 33 anos!"Parabéns pra você, nesta data querida..." Por favor, parem! É tudo que minha mente consegue repetir, enquanto sorrio e bato palmas. Tenho plena consciência de que meu sorriso é tão falso quanto uma nota de R$ 3,00, mas o que posso fazer?Quando, enfim, param de cantar, respiro fundo e agradeço a cada um pelas felicitações. — Parabéns, Julia! — Meu ex-namorado me estende a mão, acompanhado de um sorriso que ainda faz meu coração fraquejar. — Obrigada, Gustavo! — Aceito o aperto com uma cordialidade ensaiada, me contendo para não cruzar o olhar com o dele. Raquele me entrega o primeiro pedaço de bolo. Com passos resignados, caminho até a mesa próxima à porta. Segurando o doce envolto em um guardanapo, dou uma mordida sem pressa. O glacê derrete em minha boca, inundando-a de açúcar, mas nem isso é capaz de me animar. Mastigo devagar, sentindo cada grama de peso em meu peito. Eu só queria estar na minha sala, com a mente ocupada no trabalho — longe de tudo isso.
Gustavo congelou ao me ver, seus olhos quase saltando. Em questão de segundos, o sorriso desapareceu, dando lugar a um rosto pálido e tenso. Eu não esperei resposta. Girei nos calcanhares e fui embora, guiada por um único desejo: chegar em casa.O chão do shopping parecia conspirar contra mim. Aquele piso escorregadio, projetado para desacelerar os passos e seduzir os olhos para vitrines, era um obstáculo irritante. Caminhei o mais rápido que pude, torcendo para que meus saltos não me traíssem como ele fez. Não me importei com as pessoas encarando minhas lágrimas enquanto eu avançava, cega pela mistura de dor e raiva.Quando finalmente alcancei o estacionamento, Gustavo me alcançou também. Ele agarrou meu braço e me puxou para si.— Não é nada do que você está pensando.Aquela frase. Aquela maldita frase.— Você não acha que essa resposta é muito clichê, Gustavo? — retruquei, empurrando ele, desesperada para abrir a porta do meu carro.— Julia...Eu não olhei para trás. Entrei no carr
Olhei para ele enquanto, na minha mente, passava o filme da nossa história: desde o primeiro beijo até o momento em que o vi com aquela maldita ruiva. Meu coração estava em pedaços. Todos os sonhos e planos de uma vida a dois escorriam entre meus dedos. Eu não queria chorar na frente dele, mas como evitar? As lágrimas já rolavam pelo meu rosto quando o toque do celular dele me trouxe de volta à realidade. Olhei para o aparelho, sabendo exatamente quem poderia ser. Sem pensar duas vezes, arranquei o celular de sua mão e atendi.— Gustavo, o que está acontecendo? — A voz era de uma menina recém-saída das fraldas, o que me irritou ainda mais. Gustavo tentou pegar o celular, e, mesmo sabendo que eu nunca venceria em uma disputa de força, há momentos em que nós, mulheres, precisamos jogar sujo. Lembrei-me das aulas de defesa pessoal e, com um golpe certeiro, acertei-o em seu ponto sensível. Ele caiu no chão da sala, gemendo de dor. Aproveitei a oportunidade e corri para o meu quarto.Senta
Não aguentando mais ficar na minha "festinha de aniversário", jogo no lixo o guardanapo com o resto do bolo e, antes de sair, pego um copo de café puro. Discretamente, deixo para trás meus colegas, que ainda continuam conversando, e ando rapidamente pelo corredor. Quero chegar logo à minha sala e me jogar de cabeça nos relatórios.Ao chegar à porta, ouço passos atrás de mim. Olho por sobre o ombro e vejo Gustavo, caminhando despreocupado, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo em mim.Meu coração traiçoeiro erra algumas batidas, lembrando-me de que, sim, ainda tenho sentimentos por ele. Ao passar por mim, ele mantém o olhar e, antes de entrar na sala, sua voz me atinge, com aquele tom de zombaria que sempre me tira do sério:— Cuidado para não escorregar na baba.Sua risada no final me alcança e faz meu sangue ferver. Sentindo-me uma completa idiota, entro na minha sala.Furiosa, caminho até a mesa sem perder mais um minuto sequer. Sento-me e ligo o computador, tentando me concentrar n
— Raquele, obrigada por trazê-lo. Gostaria de ter uma conversa com ele.— Claro, Júlia. — Raquele se vira para Eduardo com um sorriso caloroso. — Seja bem-vindo!— Obrigado, Raquele. — Ele responde.Observo a gestora de recursos humanos sair da sala e fechar a porta. Meus olhos se encontram com os dele. Mantenho o contato visual, apesar de sentir um pequeno arrepio, ele, por sua vez, não desvia. Seu sorriso desaparece um pouco, e a intensidade de seu olhar aumenta, o que me faz estremecer.Desconfortável com a estranha situação, respiro fundo e volto minha atenção para o currículo que ainda estou segurando.— Então, Eduardo, né? — começo, tentando soar o mais profissional possível, apesar do nervosismo.— Isso mesmo, Dona Júlia. — Ele responde, com uma voz suave e confiante demais para meu gosto.Sento-me na cadeira, sentindo o clima na sala se tornar denso, e o silêncio entre nós dois parece pesar mais do que o normal.— Posso chamá-la de Júlia? — Ele pergunta, sem desviar os olhos d
Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente p
Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es