Não aguentando mais ficar na minha "festinha de aniversário", jogo no lixo o guardanapo com o resto do bolo e, antes de sair, pego um copo de café puro. Discretamente, deixo para trás meus colegas, que ainda continuam conversando, e ando rapidamente pelo corredor. Quero chegar logo à minha sala e me jogar de cabeça nos relatórios.
Ao chegar à porta, ouço passos atrás de mim. Olho por sobre o ombro e vejo Gustavo, caminhando despreocupado, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo em mim. Meu coração traiçoeiro erra algumas batidas, lembrando-me de que, sim, ainda tenho sentimentos por ele. Ao passar por mim, ele mantém o olhar e, antes de entrar na sala, sua voz me atinge, com aquele tom de zombaria que sempre me tira do sério: — Cuidado para não escorregar na baba. Sua risada no final me alcança e faz meu sangue ferver. Sentindo-me uma completa idiota, entro na minha sala. Furiosa, caminho até a mesa sem perder mais um minuto sequer. Sento-me e ligo o computador, tentando me concentrar nos relatórios de vendas para a reunião dos acionistas. Preciso esquecer que, mais uma vez, dei brecha para aquele traste me afetar. Não sei quantos minutos ou horas se passam, meus dedos já reclamam do tanto que digito quando ouço batidas na porta, seguidas pela figura de Raquele entrando. — Bom dia, Júlia! Parabéns mais uma vez pelo seu aniversário. Suspiro discretamente, incapaz de evitar revirar os olhos. — Obrigada. — Espero que tenha gostado da surpresa. Fiz com muito carinho. — Agradeço, Raquele. O bolo estava delicioso. Ela sorri com seu sorriso radiante tão típico dela. — Bom, eu gostaria de lhe apresentar o seu novo assistente, Luiz Eduardo. — Ela diz, sem perder tempo. Antes que eu possa raciocinar sobre o que está acontecendo, um jovem alto, de cabelos ondulados e negros, entra na minha sala. Assim que nossos olhares se encontram, ele sorri suavemente, revelando dentes perfeitamente alinhados. Um sorriso que, estranhamente, me faz querer sorrir de volta. Olho discretamente para a minha agenda aberta na mesa e vejo, em letras garrafais: ENTREVISTA COM O CANDIDATO A VAGA DE ASSISTENTE, ÀS 11H. Mil vezes merda!!! Ultimamente, tenho trocado de assistentes com a mesma frequência com que troco de roupas. Isso me frustra, especialmente porque sempre invisto tempo treinando-os, apenas para vê-los pedir demissão ou mudar de setor assim que surge uma oportunidade melhor. Luiz Eduardo se aproxima da minha mesa e me fita. Ao contrário de outros candidatos, seu olhar não demonstra timidez; ele sustenta o contato visual. Já começo a me incomodar com isso, mas disfarço. — Prazer em conhecê-la, Dona Júlia! — Ele diz, com uma voz grave que me causa um leve arrepio. Levanto-me da cadeira e, em vez de apertar a mão que ele oferece, volto minha atenção para Raquele, deixando o rapaz visivelmente desconcertado. — Poderia me mostrar o currículo dele, por favor? — pergunto. Raquele, acostumada com minha forma de trabalhar, entrega-me um envelope pardo contendo o currículo. — Sente-se, vai levar só um minuto — comento, tentando manter a situação o mais profissional possível. Retiro o currículo e, de pé mesmo, passo os olhos rapidamente pelo papel. Antes de ler, olho discretamente para as pernas do rapaz, que estão quietas, um sinal de que ele não está nervoso nem ansioso. Ponto para ele. O nome dele é Luiz Eduardo, tem vinte e três anos e recentemente se formou em administração. Trabalha desde os dezesseis anos e tem diversos cursos na área administrativa. Além disso, fala inglês e espanhol fluentemente — uma habilidade que, por mais que eu não queira admitir, me deixa levemente com inveja. Concluo a análise um pouco decepcionada; ele se encaixa perfeitamente na função e, por mais que eu quisesse encontrar uma desculpa, não tenho como não aceitá-lo.— Raquele, obrigada por trazê-lo. Gostaria de ter uma conversa com ele.— Claro, Júlia. — Raquele se vira para Eduardo com um sorriso caloroso. — Seja bem-vindo!— Obrigado, Raquele. — Ele responde.Observo a gestora de recursos humanos sair da sala e fechar a porta. Meus olhos se encontram com os dele. Mantenho o contato visual, apesar de sentir um pequeno arrepio, ele, por sua vez, não desvia. Seu sorriso desaparece um pouco, e a intensidade de seu olhar aumenta, o que me faz estremecer.Desconfortável com a estranha situação, respiro fundo e volto minha atenção para o currículo que ainda estou segurando.— Então, Eduardo, né? — começo, tentando soar o mais profissional possível, apesar do nervosismo.— Isso mesmo, Dona Júlia. — Ele responde, com uma voz suave e confiante demais para meu gosto.Sento-me na cadeira, sentindo o clima na sala se tornar denso, e o silêncio entre nós dois parece pesar mais do que o normal.— Posso chamá-la de Júlia? — Ele pergunta, sem desviar os olhos d
Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente p
Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es
— Faz tempo, sim. — A imagem de mim mesma, com apenas 20 anos, chegando a Fortaleza, carregando uma mala e o coração cheio de sonhos, pipoca na minha mente.Aguardo por mais alguma pergunta, mas ela não vem. Vencemos o terceiro quarteirão e, pelo canto dos olhos, vejo-o parar e olhar o relógio.— Esqueceu alguma coisa, Eduardo? — pergunto por educação e também por curiosidade.Fixo meu olhar nele enquanto Eduardo olha para os lados, como se procurasse algo. Quando finalmente encontra, se volta para mim, e um sorriso tímido surge em meu rosto.— Vamos tomar água de coco?— Água de coco? Agora? — Olho para o relógio e percebo que ainda falta quase meia hora para o expediente começar.— Vamos, Júlia, não vai se arrepender — ele insiste, fitando meus olhos.Penso em dizer não, mas, ao olhar para ele parado na minha frente, uma batalha interna se inicia: aceitar ou não? Olho em direção ao prédio da New Lux, que está apenas a um quarteirão — na verdade, nem é um quarteirão propriamente dito
Sentada à minha mesa, com o ar-condicionado no mínimo, tento me concentrar no relatório. Mas, para minha raiva, não consigo parar de pensar na intrusa que invadiu meu território. Já se passaram dois meses desde a sua chegada, e, diariamente, sou obrigada a testemunhar os sorrisos e os olhares que Gustavo e ela trocam. Por vezes, consigo perceber carícias sutis entre eles, gestos que revelam uma proximidade além do âmbito profissional. É frustrante e angustiante presenciar essa situação.Mesmo que eu tente controlar minhas emoções, a presença dela mexe comigo — é uma verdadeira afronta à minha pessoa, um desrespeito que é difícil de engolir, especialmente agora que todos no escritório começam a gostar dela.Por que ela precisava ser tão encantadora, sempre pronta para ajudar? Seria mais fácil se ela fosse uma inútil. Desisto! — jogo os papéis na mesa, exausta de lutar contra meus próprios pensamentos. Por mais que eu me esforce para não me deixar abalar, sinto-me traída novamente, não
Quando finalmente chego ao meu destino, o azul profundo do mar e do céu se estende diante de mim, ocupando toda a minha visão. Encho os pulmões de ar, permitindo que o cheiro salgado da maresia invada meu ser por completo. Aproximo-me do parapeito, solto meu coque e deixo que o vento bagunce meus cabelos.A culpa me envolve, pesada e implacável. Fui irresponsável ao deixar que a chegada de Melissa me abalasse tanto. Não posso me dar ao luxo de pôr tudo a perder. Conquistei tudo o que tenho, mas, para chegar até aqui, decepcionei minha mãe. Ela estava tão feliz com o meu casamento com o filho do prefeito da nossa pequena cidade. Finalmente estaríamos livres da pobreza, dizia ela.Mas não era a vida que eu queria. Não queria me casar com Roberto só por dinheiro. Ele não seria feliz comigo, e eu tão pouco seria com ele, sabendo que seu coração pertencia a um rapaz da cidade vizinha. O casamento lhe daria a liberdade que ele não podia ter como solteiro, pois sua família jamais aceitaria s
— Talvez seja melhor você convidar alguém da sua idade, do seu círculo de amizades.— O quê? Não posso acreditar que estou ouvindo isso!— É isso mesmo. Você precisa estar cercada de pessoas da sua idade. O meu tempo já passou.Ouço sua risada, e logo ele se vira.— De onde você tirou essa ideia de que seu tempo passou? Você é jovem, muito linda.A palavra “linda” escorrega de seus lábios, quase se demorando no ar, como se ele quisesse destacar cada sílaba, tornando-a mais especial, mais intensa.Linda e jovem?A ideia parece tão distante da minha realidade que não consigo segurar e começo a rir. E, para minha surpresa, Eduardo também se solta, rindo junto comigo. Rimos tanto que minha barriga começa a doer, e o ar vai se escapando de mim, até que sou obrigada a parar, só para recuperar o fôlego. Ele faz o mesmo.Viro-me para ele, observando seu sorriso e os olhos brilhando com a diversão, ainda marejados de lágrimas enquanto tenta controlar a risada. Há algo de encantador nesse momen
Ao chegarmos em nossa sala, Eduardo solta um suspiro profundo, enquanto anda de um lado para o outro.— Esse Gustavo realmente ultrapassou todos os limites. Não consigo entender como alguém pode ser tão desrespeitoso — Ele murmura mais para si do que para mim.Acompanho o rosto do meu assistente ganhar um tom avermelhado, e apesar de estar usando blazer, os músculos de seus ombros e braços se tornam visíveis. Eduardo está realmente incomodado, e sua indignação me atinge de uma forma que não sei decifrar. Há algo reconfortante, em saber que tenho alguém disposto a enfrentar situações em meu nome.Resolvo ficar quieta, sento na minha cadeira, e discretamente mantenho meus olhos nele, que ainda anda de um lado para o outro. Até que finalmente resolve ir para seu lugar e se volta para os documentos espalhados pela mesa.Quando a respiração dele fica visivelmente mais tranquila, me permito retomar para as minhas planilhas de vendas do mês. No entanto, de tempos em tempos, nossos olhos se c