— Raquele, obrigada por trazê-lo. Gostaria de ter uma conversa com ele.
— Claro, Júlia. — Raquele se vira para Eduardo com um sorriso caloroso. — Seja bem-vindo! — Obrigado, Raquele. — Ele responde. Observo a gestora de recursos humanos sair da sala e fechar a porta. Meus olhos se encontram com os dele. Mantenho o contato visual, apesar de sentir um pequeno arrepio, ele, por sua vez, não desvia. Seu sorriso desaparece um pouco, e a intensidade de seu olhar aumenta, o que me faz estremecer. Desconfortável com a estranha situação, respiro fundo e volto minha atenção para o currículo que ainda estou segurando. — Então, Eduardo, né? — começo, tentando soar o mais profissional possível, apesar do nervosismo. — Isso mesmo, Dona Júlia. — Ele responde, com uma voz suave e confiante demais para meu gosto. Sento-me na cadeira, sentindo o clima na sala se tornar denso, e o silêncio entre nós dois parece pesar mais do que o normal. — Posso chamá-la de Júlia? — Ele pergunta, sem desviar os olhos de mim. Não sei o que diabos me ocorre, mas por um momento, imagino o quão sexy seria ele me chamar de "Júlia". Ele se aproximando e sussurrando meu nome bem rente ao meu ouvido. Um arrepio percorre minha pele, enquanto meu rosto esquenta e começa a corar. Constrangida, forço-me a olhá-lo, para ver se ele percebe o efeito que causou. Para minha surpresa, vejo que o rosto dele também está ligeiramente corado. Sem saber como lidar com a situação, faço um som baixo, quase como uma tosse, para limpar minha garganta e tentar quebrar o clima estranho. — Claro... Então, hum... antes de iniciarmos as atividades, gostaria de fazer algumas perguntas. — Tudo bem. — Ele diz, com a mesma calma de antes. — Eduardo, conte um pouco sobre você. — Bom, meu nome é Luiz Eduardo, tenho vinte e três anos, sou recém-formado e tenho experiência na área administrativa e em outros ramos também. Moro a quatro quarteirões daqui. Entrevisto o rapaz por quase uma hora. Mesmo diante das perguntas mais difíceis, ele mantém a postura firme e suas respostas são claras e sinceras. Eduardo demonstra ser inteligente e perspicaz, o que me agrada. Se eu estava relutando no início, agora começo a mudar de opinião. Ele não se parece em nada com os assistentes anteriores. Ao menos, isso é o que a entrevista indica. Quando ele termina de responder à última pergunta, verifico as horas e percebo que, devido ao tempo da entrevista, não terei mais tempo para o treinamento. — Bem, essa foi a última pergunta, Eduardo. Agradeço por suas respostas e seja bem-vindo! Espero que essa experiência lhe proporcione muitas oportunidades. Amanhã, aguardo você aqui pontualmente às oito horas. Espero termos tempo para um breve treinamento antes da minha primeira reunião, que é às nove e meia. Pode ir agora. — Obrigado, Júlia. Tenho certeza de que a senhora não irá se arrepender. Ao vê-lo sair, solto um suspiro. Não sou fã do período de adaptação de um novo colaborador, especialmente quando ele trabalhará diretamente comigo. Até que essa pessoa prove sua competência, fico em alerta constante, revisando seu trabalho de perto. Minha atenção se intensifica, e logo me vejo uma pilha de nervos. Como gerente de vendas regional, estou constantemente cercada de papelada, relatórios, reuniões e viagens. Qualquer erro pode ter consequências graves, não só para mim, mas para outros também. A pressão é imensa. Enquanto observo a tela do computador, minha mente se distrai. O rapaz, embora novo, é incrivelmente bonito. Talvez o assistente mais atraente com quem já trabalhei. Nem mesmo Kaio, com seus quase dois metros de altura, olhos claros e um sorriso travesso, consegue competir com a beleza do meu novo assistente. No entanto, como diz o ditado, a beleza não é tudo. No mundo corporativo, o que realmente conta é o resultado, o lucro. Decido me concentrar novamente no trabalho e, antes que eu perceba, já estou assinando o último relatório do dia. — Esse é o último, Júlia — diz Cibele, estagiária do marketing, com uma expressão aliviada. — Tudo pronto para o lançamento do novo perfume? — pergunto enquanto assino o documento. — Quase tudo. Este mês, faremos as últimas fotos para as redes sociais e começaremos a gravar o comercial. — Perfeito. Acha que tudo ficará pronto antes de novembro? — Claro que sim. — Ótimo! Quando Cibele sai, recosto-me na cadeira e olho para o relógio: 17h. Só então me dou conta de que esqueci de almoçar. Solto um suspiro longo. Hora de encerrar o expediente. Desligo o computador e reviso a agenda para o dia seguinte. Após guardar o caderno na gaveta, meu olhar percorre a sala do meu ex. Gustavo ainda está na mesa dele. Desvio o olhar quando ele levanta ligeiramente a cabeça. Nervosa com o quase flagrante, pego minha bolsa e saio apressada da sala, caminhando rapidamente em direção à saída. Mas antes que eu consiga alcançar o elevador, ele me alcança. — Posso falar com você? — Claro, Gustavo. Estou morrendo de vontade de ouvir o que você tem a dizer. — Júlia... Entro no elevador e aperto o botão do primeiro andar, fixando o olhar no painel de botões. Antes das portas se fecharem completamente, vejo Gustavo voltando para sua sala, os punhos cerrados. Ponto para mim! Um sorriso pequeno se forma nos meus lábios por essa pequena vitória. Ao passar pela recepção, entrego meu crachá e saio do prédio. O ar fresco do fim de tarde me recebe, e eu rapidamente pego meus fones de ouvido e o celular da bolsa. Com movimentos ágeis, seleciono minha playlist favorita, que escuto quase todos os dias há um ano. Logo, a voz quente, aveludada e sexy de Lana Del Rey começa a ecoar nos meus ouvidos. Lana é a única que parece realmente me entender.Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente p
Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es
— Faz tempo, sim. — A imagem de mim mesma, com apenas 20 anos, chegando a Fortaleza, carregando uma mala e o coração cheio de sonhos, pipoca na minha mente.Aguardo por mais alguma pergunta, mas ela não vem. Vencemos o terceiro quarteirão e, pelo canto dos olhos, vejo-o parar e olhar o relógio.— Esqueceu alguma coisa, Eduardo? — pergunto por educação e também por curiosidade.Fixo meu olhar nele enquanto Eduardo olha para os lados, como se procurasse algo. Quando finalmente encontra, se volta para mim, e um sorriso tímido surge em meu rosto.— Vamos tomar água de coco?— Água de coco? Agora? — Olho para o relógio e percebo que ainda falta quase meia hora para o expediente começar.— Vamos, Júlia, não vai se arrepender — ele insiste, fitando meus olhos.Penso em dizer não, mas, ao olhar para ele parado na minha frente, uma batalha interna se inicia: aceitar ou não? Olho em direção ao prédio da New Lux, que está apenas a um quarteirão — na verdade, nem é um quarteirão propriamente dito
Sentada à minha mesa, com o ar-condicionado no mínimo, tento me concentrar no relatório. Mas, para minha raiva, não consigo parar de pensar na intrusa que invadiu meu território. Já se passaram dois meses desde a sua chegada, e, diariamente, sou obrigada a testemunhar os sorrisos e os olhares que Gustavo e ela trocam. Por vezes, consigo perceber carícias sutis entre eles, gestos que revelam uma proximidade além do âmbito profissional. É frustrante e angustiante presenciar essa situação.Mesmo que eu tente controlar minhas emoções, a presença dela mexe comigo — é uma verdadeira afronta à minha pessoa, um desrespeito que é difícil de engolir, especialmente agora que todos no escritório começam a gostar dela.Por que ela precisava ser tão encantadora, sempre pronta para ajudar? Seria mais fácil se ela fosse uma inútil. Desisto! — jogo os papéis na mesa, exausta de lutar contra meus próprios pensamentos. Por mais que eu me esforce para não me deixar abalar, sinto-me traída novamente, não
Quando finalmente chego ao meu destino, o azul profundo do mar e do céu se estende diante de mim, ocupando toda a minha visão. Encho os pulmões de ar, permitindo que o cheiro salgado da maresia invada meu ser por completo. Aproximo-me do parapeito, solto meu coque e deixo que o vento bagunce meus cabelos.A culpa me envolve, pesada e implacável. Fui irresponsável ao deixar que a chegada de Melissa me abalasse tanto. Não posso me dar ao luxo de pôr tudo a perder. Conquistei tudo o que tenho, mas, para chegar até aqui, decepcionei minha mãe. Ela estava tão feliz com o meu casamento com o filho do prefeito da nossa pequena cidade. Finalmente estaríamos livres da pobreza, dizia ela.Mas não era a vida que eu queria. Não queria me casar com Roberto só por dinheiro. Ele não seria feliz comigo, e eu tão pouco seria com ele, sabendo que seu coração pertencia a um rapaz da cidade vizinha. O casamento lhe daria a liberdade que ele não podia ter como solteiro, pois sua família jamais aceitaria s
— Talvez seja melhor você convidar alguém da sua idade, do seu círculo de amizades.— O quê? Não posso acreditar que estou ouvindo isso!— É isso mesmo. Você precisa estar cercada de pessoas da sua idade. O meu tempo já passou.Ouço sua risada, e logo ele se vira.— De onde você tirou essa ideia de que seu tempo passou? Você é jovem, muito linda.A palavra “linda” escorrega de seus lábios, quase se demorando no ar, como se ele quisesse destacar cada sílaba, tornando-a mais especial, mais intensa.Linda e jovem?A ideia parece tão distante da minha realidade que não consigo segurar e começo a rir. E, para minha surpresa, Eduardo também se solta, rindo junto comigo. Rimos tanto que minha barriga começa a doer, e o ar vai se escapando de mim, até que sou obrigada a parar, só para recuperar o fôlego. Ele faz o mesmo.Viro-me para ele, observando seu sorriso e os olhos brilhando com a diversão, ainda marejados de lágrimas enquanto tenta controlar a risada. Há algo de encantador nesse momen
Ao chegarmos em nossa sala, Eduardo solta um suspiro profundo, enquanto anda de um lado para o outro.— Esse Gustavo realmente ultrapassou todos os limites. Não consigo entender como alguém pode ser tão desrespeitoso — Ele murmura mais para si do que para mim.Acompanho o rosto do meu assistente ganhar um tom avermelhado, e apesar de estar usando blazer, os músculos de seus ombros e braços se tornam visíveis. Eduardo está realmente incomodado, e sua indignação me atinge de uma forma que não sei decifrar. Há algo reconfortante, em saber que tenho alguém disposto a enfrentar situações em meu nome.Resolvo ficar quieta, sento na minha cadeira, e discretamente mantenho meus olhos nele, que ainda anda de um lado para o outro. Até que finalmente resolve ir para seu lugar e se volta para os documentos espalhados pela mesa.Quando a respiração dele fica visivelmente mais tranquila, me permito retomar para as minhas planilhas de vendas do mês. No entanto, de tempos em tempos, nossos olhos se c
Entro na minha sala, bufando de raiva. Se tivesse uma arma na minha frente, com certeza daria um tiro na cabeça do meu ex. Passo por Eduardo, que se mantém em silêncio, e caminho em direção à janela, mas nem a bela paisagem consegue me acalmar. Como pude ter sido tão cega em relação ao Gustavo? Realmente, não importa o tempo que passamos com alguém, nunca vamos conhecê-lo verdadeiramente. Nunca chegaremos ao miolo da cebola.De repente, uma xícara aparece na minha frente, interrompendo o turbilhão de pensamentos. Olho para o lado e encontro Eduardo com a sobrancelha levantada.Aceito agradecida, aproximo a xícara do meu rosto e respiro fundo o aroma reconfortante de camomila. Sorvo um pequeno gole, que não só aquece meu corpo, mas também acalma a minha mente agitada.Fito Eduardo que está ao meu lado, também segurando uma xícara de chá nas mãos. Nesses dois meses, ele incorporou esse ritual à minha rotina. É estranho como uma conexão entre nós se formou, algo que eu nunca consegui ter