Gustavo congelou ao me ver, seus olhos quase saltando. Em questão de segundos, o sorriso desapareceu, dando lugar a um rosto pálido e tenso. Eu não esperei resposta. Girei nos calcanhares e fui embora, guiada por um único desejo: chegar em casa.
O chão do shopping parecia conspirar contra mim. Aquele piso escorregadio, projetado para desacelerar os passos e seduzir os olhos para vitrines, era um obstáculo irritante. Caminhei o mais rápido que pude, torcendo para que meus saltos não me traíssem como ele fez. Não me importei com as pessoas encarando minhas lágrimas enquanto eu avançava, cega pela mistura de dor e raiva. Quando finalmente alcancei o estacionamento, Gustavo me alcançou também. Ele agarrou meu braço e me puxou para si. — Não é nada do que você está pensando. Aquela frase. Aquela m*****a frase. — Você não acha que essa resposta é muito clichê, Gustavo? — retruquei, empurrando ele, desesperada para abrir a porta do meu carro. — Julia... Eu não olhei para trás. Entrei no carro com os olhos embaçados de lágrimas e um nó na garganta que me sufocava. Liguei o motor, sentindo que a qualquer momento perderia o controle das minhas emoções, pisei no acelerador e sai cantando pneu. Ao sair do estacionamento subterrâneo do shopping, o mundo parecia se dissolver à minha volta. O ronco do motor, o vento entrando pelas frestas do vidro, a imagem dele beijando outra mulher — tudo pulsava em minha mente. Ao pegar a avenida beira-mar, meu pé continuava pressionando o acelerador. O limite de 40 km/h parecia uma piada. Olhei pelo retrovisor, esperando ver luzes de sirenes dos guardas de transito ou a aproximação de algum policial. Mas quem apareceu foi ele! Filho da puta! — gritei, socando o volante com força. Sempre deixei claro que poderia perdoar qualquer coisa, exceto traição. Traição era o ponto final, a linha que não podia ser cruzada. Por mais que eu o amasse, a confiança quebrada era uma barreira insuperável. Não havia como voltar atrás. Devido à velocidade, não demorei para chegar ao meu prédio. Estacionei o carro de qualquer jeito, pouco me importando se ele ocupava metade da pista ou se deixei a porta aberta. Sufocada pela raiva, passei pelo porteiro como um furacão, corri até o elevador e, desesperada, apertei o botão várias vezes. O som dos pneus freando bruscamente na avenida ecoou na recepção do prédio. Eu sabia que só podia ser ele. Sem a menor vontade de falar com Gustavo, desisti de esperar o elevador, que o síndico insistia que não precisava ser trocado. Qualquer tartaruga chegaria antes daquela m*****a caixa de ferro. Mesmo com meu coração disparado e meus pulmões implorando por misericórdia depois de encarar sete lances de escadas, continuei andando o mais rápido possível pelo corredor que levava ao meu apartamento. Ao virar à direita, trombei com um rapaz que me segurou, evitando que eu caísse. Ansiosa para chegar, murmurei algumas desculpas enquanto procurava as chaves dentro da bolsa e, sem sequer encará-lo, segui apressada até a minha porta. O nervosismo era tão grande que levei alguns segundos para finalmente conseguir encaixar a m*****a chave na fechadura. Quando finalmente consegui abrir a porta, entrei. Mas antes que eu pudesse fechá-la, Gustavo colocou o pé e empurrou, entrando também. Naquele dia, eu provei para mim mesma que, quando se odeia alguém com tanta intensidade, é porque, em algum momento, se amou essa pessoa profundamente. — Saia da minha casa, Gustavo! — gritei — Precisamos conversar, Julia. Ele entrou, fechando a porta atrás de si. — Você tem coragem de me pedir isso? Depois do que você fez? — Julia, por favor. Me dá uma chance de explicar. — Explicar? — gargalhei sem humor, batendo palmas de puro sarcasmo. — Você acha que existe uma explicação para o que eu vi? — Eu sei que errei, mas... — Errou? Errou, Gustavo? Isso é o que você chama de “erro”? Enganar a mulher com quem você passou oito anos da sua vida, com quem fez planos, a quem jurou amar? Chega, Gustavo! Não quero ouvir suas desculpas vazias. O que você fez é imperdoável. Agora, saia da minha casa antes que eu faça algo de que vou me arrepender.Olhei para ele enquanto, na minha mente, passava o filme da nossa história: desde o primeiro beijo até o momento em que o vi com aquela maldita ruiva. Meu coração estava em pedaços. Todos os sonhos e planos de uma vida a dois escorriam entre meus dedos. Eu não queria chorar na frente dele, mas como evitar? As lágrimas já rolavam pelo meu rosto quando o toque do celular dele me trouxe de volta à realidade. Olhei para o aparelho, sabendo exatamente quem poderia ser. Sem pensar duas vezes, arranquei o celular de sua mão e atendi.— Gustavo, o que está acontecendo? — A voz era de uma menina recém-saída das fraldas, o que me irritou ainda mais. Gustavo tentou pegar o celular, e, mesmo sabendo que eu nunca venceria em uma disputa de força, há momentos em que nós, mulheres, precisamos jogar sujo. Lembrei-me das aulas de defesa pessoal e, com um golpe certeiro, acertei-o em seu ponto sensível. Ele caiu no chão da sala, gemendo de dor. Aproveitei a oportunidade e corri para o meu quarto.Senta
Não aguentando mais ficar na minha "festinha de aniversário", jogo no lixo o guardanapo com o resto do bolo e, antes de sair, pego um copo de café puro. Discretamente, deixo para trás meus colegas, que ainda continuam conversando, e ando rapidamente pelo corredor. Quero chegar logo à minha sala e me jogar de cabeça nos relatórios.Ao chegar à porta, ouço passos atrás de mim. Olho por sobre o ombro e vejo Gustavo, caminhando despreocupado, com as mãos nos bolsos e o olhar fixo em mim.Meu coração traiçoeiro erra algumas batidas, lembrando-me de que, sim, ainda tenho sentimentos por ele. Ao passar por mim, ele mantém o olhar e, antes de entrar na sala, sua voz me atinge, com aquele tom de zombaria que sempre me tira do sério:— Cuidado para não escorregar na baba.Sua risada no final me alcança e faz meu sangue ferver. Sentindo-me uma completa idiota, entro na minha sala.Furiosa, caminho até a mesa sem perder mais um minuto sequer. Sento-me e ligo o computador, tentando me concentrar n
— Raquele, obrigada por trazê-lo. Gostaria de ter uma conversa com ele.— Claro, Júlia. — Raquele se vira para Eduardo com um sorriso caloroso. — Seja bem-vindo!— Obrigado, Raquele. — Ele responde.Observo a gestora de recursos humanos sair da sala e fechar a porta. Meus olhos se encontram com os dele. Mantenho o contato visual, apesar de sentir um pequeno arrepio, ele, por sua vez, não desvia. Seu sorriso desaparece um pouco, e a intensidade de seu olhar aumenta, o que me faz estremecer.Desconfortável com a estranha situação, respiro fundo e volto minha atenção para o currículo que ainda estou segurando.— Então, Eduardo, né? — começo, tentando soar o mais profissional possível, apesar do nervosismo.— Isso mesmo, Dona Júlia. — Ele responde, com uma voz suave e confiante demais para meu gosto.Sento-me na cadeira, sentindo o clima na sala se tornar denso, e o silêncio entre nós dois parece pesar mais do que o normal.— Posso chamá-la de Júlia? — Ele pergunta, sem desviar os olhos d
Ouvindo a melodia dramática de "Summertime Sadness", caminho lentamente, sem pressa de chegar em casa. Tanto faz se chego cedo ou tarde, o vazio me aguarda de qualquer maneira. À medida que o sol se põe no horizonte, os últimos raios de luz desaparecem e a temperatura escaldante de 37°C começa a ceder, proporcionando um clima mais agradável. Imersa na música e aproveitando o tráfego, atravesso a movimentada Avenida Beira Mar em direção ao calçadão. Entre os pedestres indo e vindo, diversos aromas de comida enchem o ar, despertando meu apetite: acarajé, camarão, churrasco, batata frita... Uma infinidade de delícias.Quem conhece a Avenida Beira Mar sabe o quanto ela é animada. As pessoas aproveitam o início da noite para passear com seus pets, com seus filhos; turistas exploram a cidade, enquanto outros se exercitam. E há os casais de namorados, que, sem pressa, andam de mãos dadas, admirando o mar. Isso me faz lembrar do Gustavo, de como éramos antes de tudo desmoronar. Eu realmente p
Antes mesmo de o sol nascer, estou de pé, segurando uma xícara de café enquanto observo o mundo acordar pela minha janela. A sensação de ver o dia tomando o lugar da noite é relaxante, é lindo, mas, depois de presenciar isso tantas vezes, começo a sentir falta de estar mergulhada no mundo dos sonhos. Sinto falta de dormir uma noite inteira.Infelizmente, já faz meses que o máximo que consigo dormir são três horas, e ainda é um sono leve e fragmentado. Já tentei de tudo: chá de camomila, erva-doce, evitar o celular na cama, aromaterapia, ler... nada funciona. A única coisa que ainda não experimentei é tomar remédios, mas não quero recorrer a isso. Eu sei exatamente qual é o meu problema; quando me deito e fecho os olhos, tudo o que vejo é Gustavo cuspindo na minha cara o quanto aquela ruiva é superior a mim.Melissa é tudo o que você nunca foi: divertida, alegre...Tomo mais um gole de café, sentindo o gosto amargo percorrer minha garganta, enquanto o calçadão, que há poucos minutos es
— Faz tempo, sim. — A imagem de mim mesma, com apenas 20 anos, chegando a Fortaleza, carregando uma mala e o coração cheio de sonhos, pipoca na minha mente.Aguardo por mais alguma pergunta, mas ela não vem. Vencemos o terceiro quarteirão e, pelo canto dos olhos, vejo-o parar e olhar o relógio.— Esqueceu alguma coisa, Eduardo? — pergunto por educação e também por curiosidade.Fixo meu olhar nele enquanto Eduardo olha para os lados, como se procurasse algo. Quando finalmente encontra, se volta para mim, e um sorriso tímido surge em meu rosto.— Vamos tomar água de coco?— Água de coco? Agora? — Olho para o relógio e percebo que ainda falta quase meia hora para o expediente começar.— Vamos, Júlia, não vai se arrepender — ele insiste, fitando meus olhos.Penso em dizer não, mas, ao olhar para ele parado na minha frente, uma batalha interna se inicia: aceitar ou não? Olho em direção ao prédio da New Lux, que está apenas a um quarteirão — na verdade, nem é um quarteirão propriamente dito
Sentada à minha mesa, com o ar-condicionado no mínimo, tento me concentrar no relatório. Mas, para minha raiva, não consigo parar de pensar na intrusa que invadiu meu território. Já se passaram dois meses desde a sua chegada, e, diariamente, sou obrigada a testemunhar os sorrisos e os olhares que Gustavo e ela trocam. Por vezes, consigo perceber carícias sutis entre eles, gestos que revelam uma proximidade além do âmbito profissional. É frustrante e angustiante presenciar essa situação.Mesmo que eu tente controlar minhas emoções, a presença dela mexe comigo — é uma verdadeira afronta à minha pessoa, um desrespeito que é difícil de engolir, especialmente agora que todos no escritório começam a gostar dela.Por que ela precisava ser tão encantadora, sempre pronta para ajudar? Seria mais fácil se ela fosse uma inútil. Desisto! — jogo os papéis na mesa, exausta de lutar contra meus próprios pensamentos. Por mais que eu me esforce para não me deixar abalar, sinto-me traída novamente, não
Quando finalmente chego ao meu destino, o azul profundo do mar e do céu se estende diante de mim, ocupando toda a minha visão. Encho os pulmões de ar, permitindo que o cheiro salgado da maresia invada meu ser por completo. Aproximo-me do parapeito, solto meu coque e deixo que o vento bagunce meus cabelos.A culpa me envolve, pesada e implacável. Fui irresponsável ao deixar que a chegada de Melissa me abalasse tanto. Não posso me dar ao luxo de pôr tudo a perder. Conquistei tudo o que tenho, mas, para chegar até aqui, decepcionei minha mãe. Ela estava tão feliz com o meu casamento com o filho do prefeito da nossa pequena cidade. Finalmente estaríamos livres da pobreza, dizia ela.Mas não era a vida que eu queria. Não queria me casar com Roberto só por dinheiro. Ele não seria feliz comigo, e eu tão pouco seria com ele, sabendo que seu coração pertencia a um rapaz da cidade vizinha. O casamento lhe daria a liberdade que ele não podia ter como solteiro, pois sua família jamais aceitaria s