Os detetives Fred e Elis estão diante do caso mais desafiador de suas carreiras. Inicia-se a caçada a um psicopata que mata apenas escritores de romances policiais, da mesma forma que estes tiram a vida de seus personagens. O metódico assassino demonstra habilidade e inteligência acima da média, enquanto aumenta a contagem de mortos sem deixar uma pista sequer. Fred precisa não apenas lidar com a pressão do trabalho, mas também com os fantasmas que gritam em sua mente, assolando sua sanidade desde o sequestro de seu filho, que segue desaparecido há dois anos. Como se estes fardos não fossem pesados o suficiente, o detetive Borzagli carrega um segredo que afetará todos à sua volta, inclusive a investigação e seu futuro como policial. Em O Inverno dos Escritores Mortos, Miller Britto desafia o leitor a seguir as pistas, conduzindo-o por uma trama de mentiras e segredos funestos, que culminarão em um dos finais mais inimagináveis da história da ficção policial brasileira.
Leer másCapítulo 12 Fred fechou a porta de sua sala, precisava de privacidade. Pegou o telefone e discou uma sequência da qual jamais se esqueceria. Quando ele e Sandra namoravam, a frequência com que se falavam por telefone era tão grande que os números da casa onde a esposa crescera tinham se enraizado profundamente em sua memória, para jamais desaparecerem. O entusiasmo dos dias de namoro era agora apenas uma lembrança vaga, de uma época em que fora verdadeiramente feliz. O que mais lhe despertava saudade daqueles tempos era a simplicidade das coisas. A paixão e o sexo, a conversa e os olhares. Tudo sempre direto e sem melindres, transparente. “A mulher que amarei para sempre”, mas o rapaz que dissera aquelas palavras tornara-se um homem calejado, e nem precisava formar-se detetive para juntar as pistas e descobrir que algumas verdades não são eternas, e que quaisquer certezas sobre o futuro poderiam facilmente escapar-lhe por entre os dedos, sopradas pelos ventos
Capítulo 1120 anos atrás -Vocês podem ter ganhado no futebol, mas agora vão tomar uma surra que jamais vão esquecer – disse o garoto do bairro vizinho. Atrás dele, mais cinco crianças. Todas vestidas com o uniforme do time, cobertos do barro que tinha se acumulado no campinho devido às chuvas constantes. -E então, Luís? Você é muito bom em falar merda dentro do campo, mas e agora que está com a patinha machucada e não pode correr? Vai fazer o quê? – perguntou o garoto que claramente liderava os demais. Ele era grande e forte, estava bem acima do peso e tinha uma expressão cruel. Luís seguia apoiado nos ombros de Caneta, sua perna estava latejando após uma pancada durante o jogo. Ele sussurrou para o amigo: -Vai embora, pode deixar esses idiotas comigo. Sou eu que eles querem. Caneta sorriu. -Você acha mesmo que eu vou te deixar aqui sozinho com esses imbecis? -Que foi que você disse aí, loirinho? – gr
Capítulo 10 Quando Fred pisou na sala do juiz Carlos de Alcântara, o cheiro forte de madeira envernizada fez seu estômago embrulhar. Ou talvez fosse apenas a lembrança das palavras de Romero Garcia ecoando em sua mente, uma merda qualquer sobre quanto ganhavam seus advogados e sobre esquemas corruptos de propina. Fred e Elis foram se juntar ao superintendente Maciel e ao promotor de justiça Roberto Oliveira, que estavam de pé do lado esquerdo da sala, enquanto do outro lado Romero fazia questão de sorrir para Fred. O empresário estava acompanhado de seu advogado, cujo terno, o detetive calculou, deveria custar cinco vezes o seu salário, isso sem contar a gravata, os sapatos e abotoaduras. Apenas depois que o juiz Carlos de Alcântara entrou na sala, e tomou seu assento, munido de ar senhorial, foi que todos se sentaram, exceto os detetives, para os quais faltavam cadeiras. O promotor Roberto tinha explicado seu plano de antemão aos policiais. Infe
Capítulo 9O hospital estava lotado de estudantes de medicina e, embora Pedro não gostasse de ficar bancando a babá, dessa vez relevou, afinal o grupo era formado em sua maioria por belas universitárias que se impressionavam facilmente, não apenas com suas habilidades e conhecimento, mas com seus belos olhos azuis.A noite não estava tão movimentada quanto de costume, e ele se permitiu alguns minutos de descanso após a cirurgia de hérnia bem-sucedida que tinha chefiado, diante dos olhares atentos dos estudantes. Um procedimento simples e rotineiro, o que não tinha impedido seu paciente de chorar, implorando para ser apagado rapidamente pela anestesia. Sentado no refeitório, afastado dos demais médicos e enfermeiras, Pedro tentava se concentrar na reportagem exibida no Jornal Nacional. “... já são três mortos ao longo de pouco mais de vinte dias – dizia o âncora de cabelos grisalhos – e a polícia segue sem apresentar suspeitos.” Sua parceira tomou a
Capítulo 8 Quanta petulância e arrogância são necessárias para que eles possam escrever sobre algo que nunca experimentaram? Como podem descrever a dor, a verdadeira dor, sem nunca tê-la sentido? Não há palavras suficientes para traduzir as nuances sublimes de algumas sensações. O papel é frio, enquanto o corpo é quente, vivo e pulsante. Canetas ou teclados não podem substituir o peso gélido de um revólver, ou a beleza silenciosa e poética de uma lâmina. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Caminho até a sala e cada passo me faz estremecer de prazer, porque sei que ela pode ouvir a madeira rangendo sob meus pés, ela escuta minha aproximação. Posso imaginar o suor escorrendo de seu rosto, em gotas, descendo até seus belos e arredondados seios. Isso me excita. Não tenho pressa. Quero que ela me veja trabalhar, quero que entenda por que vai morrer. Quero
Capítulo 7 Caminhar pelas ruas no frio matinal fazia bem a Fred. Ele odiava o calor e o fato de morar em país tropical. O sol recém-nascido, de raios tímidos, tinha dificuldade em expulsar a neblina que se debruçava sobre a cidade. O detetive não conseguia se lembrar de um inverno tão frio quanto aquele. O maldito aquecimento global vinha tirando dele um dos poucos prazeres que ainda lhe restavam. O Brasil parecia seguir, ano após ano, cabulando o inverno, até que a fria estação finalmente decidiu revidar, premiando as noites com temperaturas que não passavam dos dez graus e, nas manhãs, os ventos gélidos que sopravam pelas ruas pareciam claramente dizer: “não me desafie”. Elis seguia ao lado do detetive, não estavam dispostos a ficar sentados esperando que Rogério chegasse com seu teatro de envelopes pardos. O prédio do departamento forense era apenas a um quarteirão de distância, e eles decidiram caminhar. -Venha, vamos tomar um café p
Capítulo 6 20 anos atrás Luís e Bárbara caminhavam de mãos dadas pelo parque. Aos dez anos, a maioria dos meninos precisava antagonizar as garotas se não quisesse ser motivo de chacota entre os colegas, mas para Luís nada era mais importante do que a companhia de Bárbara. Antes mesmo de descobrir os significados de amor ou paixão, ele sabia que não haveria outra garota em sua vida que não fosse ela.A infância e suas verdades eternas, que duram por horas, dias, ou por toda uma vida. Algumas vezes por semana, depois da aula, os dois se sentavam sob a sombra de uma árvore no parque perto de casa. Faziam os deveres juntos enquanto falavam mal dos professores e de suas provas terrivelmente difíceis. Comentavam os filmes de terror que assistiam escondidos de madrugada e de como aquilo os assustava, mas, mesmo assim, não conseguiam deixar de vê-los. Embora à noite o parque tivesse sua cota de frequentadores suspeitos, durante o dia era um luga
Capítulo 5 A sala do detetive andava movimentada nos últimos dias. O superintendente Maciel, que tinha o delicado costume de esquecer-se da existência de Fred, tornou-se figurinha fácil entre aquelas paredes. Parece que o peso do caixão de uma pessoa famosa é maior do que de uma Jane Doe, como diziam nos seriados americanos que ele assistia com a esposa antes de a sala de casa se tornar pequena demais para os dois. -As pessoas estão atrás de respostas, então trabalhe, Fred, e trabalhe rápido. O detetive sabia que Maciel não falava da família da vítima, ou sequer de seus fãs, ele se preocupava apenas com a mídia e a exposição negativa de sua delegacia. Postergar o caso de um João Ninguém não-reclamado, arquivando o processo, era uma coisa, mas tratar alguém famoso da mesma forma era uma heresia, com direito a fogueira em praça pública e transmissão em HD pela Globo News. O problema era que cada ponta solta havia sido explorada e a investi
Capítulo 420 anos atrásO garoto subia a rua apressado. Aos dez anos de idade, nada era mais importante do que o futebol contra os garotos do bairro vizinho. A semana na escola tinha sido recheada de provocações e chacotas antecipadas. Perder o jogo estava fora de cogitação.Ele chegou até a porta branca recém pintada. O cheiro de tinta fresca ainda latente. Estendeu a mão e tocou a campainha. Um dingue-dongue clássico ressoou dentro da casa. Ninguém atendeu. Tocou mais uma vez e esperou. O resultado foi o mesmo.Onde estaria o amigo? Os garotos do bairro vizinho eram muito bons e sem o Caneta, o mais habilidoso do time, a possibilidade de derrota era grande. Será que aquele preguiçoso estava dormindo, como costumava fazer depois do almoço?As janelas estavam abertas, então deveria haver alguém em casa. Ele pesou a mão na maçaneta e a porta se abriu, revelando uma sala bonita e aconchegante, cada parede forrada com estantes repletas de livros.O garoto colocou a cabeça no vão da port