Capítulo 7 Caminhar pelas ruas no frio matinal fazia bem a Fred. Ele odiava o calor e o fato de morar em país tropical. O sol recém-nascido, de raios tímidos, tinha dificuldade em expulsar a neblina que se debruçava sobre a cidade. O detetive não conseguia se lembrar de um inverno tão frio quanto aquele. O maldito aquecimento global vinha tirando dele um dos poucos prazeres que ainda lhe restavam. O Brasil parecia seguir, ano após ano, cabulando o inverno, até que a fria estação finalmente decidiu revidar, premiando as noites com temperaturas que não passavam dos dez graus e, nas manhãs, os ventos gélidos que sopravam pelas ruas pareciam claramente dizer: “não me desafie”. Elis seguia ao lado do detetive, não estavam dispostos a ficar sentados esperando que Rogério chegasse com seu teatro de envelopes pardos. O prédio do departamento forense era apenas a um quarteirão de distância, e eles decidiram caminhar. -Venha, vamos tomar um café p
Capítulo 8 Quanta petulância e arrogância são necessárias para que eles possam escrever sobre algo que nunca experimentaram? Como podem descrever a dor, a verdadeira dor, sem nunca tê-la sentido? Não há palavras suficientes para traduzir as nuances sublimes de algumas sensações. O papel é frio, enquanto o corpo é quente, vivo e pulsante. Canetas ou teclados não podem substituir o peso gélido de um revólver, ou a beleza silenciosa e poética de uma lâmina. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Vocês precisam ser punidos. Caminho até a sala e cada passo me faz estremecer de prazer, porque sei que ela pode ouvir a madeira rangendo sob meus pés, ela escuta minha aproximação. Posso imaginar o suor escorrendo de seu rosto, em gotas, descendo até seus belos e arredondados seios. Isso me excita. Não tenho pressa. Quero que ela me veja trabalhar, quero que entenda por que vai morrer. Quero
Capítulo 9O hospital estava lotado de estudantes de medicina e, embora Pedro não gostasse de ficar bancando a babá, dessa vez relevou, afinal o grupo era formado em sua maioria por belas universitárias que se impressionavam facilmente, não apenas com suas habilidades e conhecimento, mas com seus belos olhos azuis.A noite não estava tão movimentada quanto de costume, e ele se permitiu alguns minutos de descanso após a cirurgia de hérnia bem-sucedida que tinha chefiado, diante dos olhares atentos dos estudantes. Um procedimento simples e rotineiro, o que não tinha impedido seu paciente de chorar, implorando para ser apagado rapidamente pela anestesia. Sentado no refeitório, afastado dos demais médicos e enfermeiras, Pedro tentava se concentrar na reportagem exibida no Jornal Nacional. “... já são três mortos ao longo de pouco mais de vinte dias – dizia o âncora de cabelos grisalhos – e a polícia segue sem apresentar suspeitos.” Sua parceira tomou a
Capítulo 10 Quando Fred pisou na sala do juiz Carlos de Alcântara, o cheiro forte de madeira envernizada fez seu estômago embrulhar. Ou talvez fosse apenas a lembrança das palavras de Romero Garcia ecoando em sua mente, uma merda qualquer sobre quanto ganhavam seus advogados e sobre esquemas corruptos de propina. Fred e Elis foram se juntar ao superintendente Maciel e ao promotor de justiça Roberto Oliveira, que estavam de pé do lado esquerdo da sala, enquanto do outro lado Romero fazia questão de sorrir para Fred. O empresário estava acompanhado de seu advogado, cujo terno, o detetive calculou, deveria custar cinco vezes o seu salário, isso sem contar a gravata, os sapatos e abotoaduras. Apenas depois que o juiz Carlos de Alcântara entrou na sala, e tomou seu assento, munido de ar senhorial, foi que todos se sentaram, exceto os detetives, para os quais faltavam cadeiras. O promotor Roberto tinha explicado seu plano de antemão aos policiais. Infe
Capítulo 1120 anos atrás -Vocês podem ter ganhado no futebol, mas agora vão tomar uma surra que jamais vão esquecer – disse o garoto do bairro vizinho. Atrás dele, mais cinco crianças. Todas vestidas com o uniforme do time, cobertos do barro que tinha se acumulado no campinho devido às chuvas constantes. -E então, Luís? Você é muito bom em falar merda dentro do campo, mas e agora que está com a patinha machucada e não pode correr? Vai fazer o quê? – perguntou o garoto que claramente liderava os demais. Ele era grande e forte, estava bem acima do peso e tinha uma expressão cruel. Luís seguia apoiado nos ombros de Caneta, sua perna estava latejando após uma pancada durante o jogo. Ele sussurrou para o amigo: -Vai embora, pode deixar esses idiotas comigo. Sou eu que eles querem. Caneta sorriu. -Você acha mesmo que eu vou te deixar aqui sozinho com esses imbecis? -Que foi que você disse aí, loirinho? – gr
Capítulo 12 Fred fechou a porta de sua sala, precisava de privacidade. Pegou o telefone e discou uma sequência da qual jamais se esqueceria. Quando ele e Sandra namoravam, a frequência com que se falavam por telefone era tão grande que os números da casa onde a esposa crescera tinham se enraizado profundamente em sua memória, para jamais desaparecerem. O entusiasmo dos dias de namoro era agora apenas uma lembrança vaga, de uma época em que fora verdadeiramente feliz. O que mais lhe despertava saudade daqueles tempos era a simplicidade das coisas. A paixão e o sexo, a conversa e os olhares. Tudo sempre direto e sem melindres, transparente. “A mulher que amarei para sempre”, mas o rapaz que dissera aquelas palavras tornara-se um homem calejado, e nem precisava formar-se detetive para juntar as pistas e descobrir que algumas verdades não são eternas, e que quaisquer certezas sobre o futuro poderiam facilmente escapar-lhe por entre os dedos, sopradas pelos ventos
Prólogo O inverno chegara marcando seu território com um vento gélido, que vagueava pela tarde sem sol assobiando uma canção melancólica pelas ruas vazias do bairro de classe alta. A mulher, que mantinha a casa fechada para o frio, para os vizinhos enxeridos, fechada até para os amigos do filho menor, tinha cometido o erro de abrir suas portas justamente para aquela pessoa. Ingênua, bastou ouvir as palavras Orquestra Sinfônica e a menção à filha, que se apressou em convidar a visita para entrar. Não pediu qualquer identificação, apenas se preocupou em fazer chá quente e saboroso, com os biscoitos maravilhosos que fazia apenas em ocasiões especiais. A receita era um legado de família. Acreditava que a oportunidade que a filha tanto esperava tinha finalmente batido à porta. Como fora tola. Quando voltou à sala foi surpreendida pelas costas, sentiu uma picada no pescoço e braços firmes a lhe segurar, enquanto a bandeja ia ao chão com grande estardalhaç
Capítulo 2 Luís estava debruçado sobre o teclado de seu computador, ter tantos livros à sua volta não ajudava a fazer com que seu texto fluísse com mais facilidade. “... a corda foi puxada com força, erguendo do chão o homem que esperneava. O pescoço não se quebrou por um mero acaso, a vida lhe abandonava em golfadas de ar cada vez menores...” Depois de ler tantos romances policiais, ele estava convencido de que poderia criar algo que fosse aceitável pelo menos para dividir com os amigos, mas acreditava que ainda não tinha chegado a esse ponto, e seu hobby era mantido em segredo. Luís tomava conta da livraria dos pais, que, cansados da vida corrida e barulhenta na grande metrópole, voltaram para os dias tranquilos de cidade de interior, onde as preocupações eram menores e o estresse era apenas uma lembrança de tempos passados. Uma livraria de bairro não era exatamente o grande negócio do século XXI, então, a fim de manter viá