Capítulo 13 Quando Elis entrou na sala de Fred, o sol ainda não tinha nascido. Com o pouco movimento da madrugada, a delegacia estava mergulhada em ares soturnos e em quietude plena. A interrupção abrupta da noite de sono estava estampada na face da moça em forma de olheiras arroxeadas e olhos apertados. -Eu trouxe o café que você pediu – anunciou ela. -E onde está? -Eu precisei beber para me manter acordada, já que você resolveu me tirar da cama às três da manhã – ela tentou sorrir, depois tirou a mão de trás das costas revelando o copo de plástico. -O mais forte que encontrou? – perguntou ele. -Como você pediu, Fred. Sobre o que você disse ao telefone – começou ela – faz sentido, mas... -Eu sei. É simples demais, mas não podemos ignorar. Veja bem: Fred virou a tela do notebook para a parceira exibindo uma lista com os principais nomes de romancistas brasileiros que escreviam literatura po
Capítulo 14 Enquanto Elis dirigia de volta para a delegacia, Fred seguia com o pensamento distante, o olhar mirando o horizonte, entrecortado por prédios, postes, fios, gente, vida e movimento, mas sem nada fitar, sem nada eleger como ponto de foco. -Um real por seu pensamento? Ele ficou em silêncio. -Então, um dólar por seu pensamento? Ele se manteve distante. -Estou quase me convencendo de que não sou boa o suficiente para você se abrir comigo. -Não é isso, é que são tantas coisas que não sei por onde começar. O carro parou em um sinal vermelho. Em meio às muitas pessoas que atravessavam a rua, Fred dirigiu seu olhar para a moça que auxiliava um deficiente visual na travessia. -Acho que posso começar por aquele desgraçado do Romero. Como eu gostaria de ter acertado um soco naqueles dentes perfeitos, arrancando pelo menos uns três. Elis se permitiu um sorriso.
Capítulo 15 -Olá, meu amor, como você está aproveitando a folga? – A voz de Bárbara soou do outro lado da linha. -Eu decidi me render ao frio. Peguei a coberta mais grossa, trouxe pra sala e selecionei alguns filmes antigos para ver. -Puxa! Como eu queria estar aí com você agora. E não no meio dessa bagunça toda que anda acontecendo aqui no escritório. -Dia difícil? -Como todos os outros. Isso que estou ouvindo é pipoca estourando no microondas? -Sim. -Como você é covarde. Aposto que aproximou o telefone do microondas só para me fazer inveja. Pedro riu quando seu estratagema foi descoberto. Ele pegou o aparelho, colocou no viva-voz e o deixou sobre a bancada da cozinha. Escolheu uma vasilha grande e virou a pipoca fumegante ali dentro. -Eu também queria que você estivesse aqui – disse, enquanto recuperava o telefone e seguia para a sala. O logo da New Line Cinema acabava de desa
Capítulo 16 -Você não foi pra casa, foi? – perguntou Elis assim que pisou na sala de Fred, nas primeiras horas da manhã. -Não. -Fred, você precisa descansar, – disse ela, trazendo o café da manhã para o parceiro - acredito que você também não comeu nada. -Não – lacônico novamente. -Eu trouxe café extra forte, sanduíches e uns donuts, você precisa de algum açúcar no sangue. -Donuts? Sério? Estamos em algum seriado americano? Porque se for, eu quero receber o mesmo cachê do Kiefer Sutherland – respondeu Fred, com um sorriso cansado. -Pelo menos me diga que conseguiu cochilar aí nessa cadeira. -Acho que sim, um pouco. -Alguma notícia do Rogério? -Ainda não – o detetive aprumou o corpo e estendeu a mão para a bebida fumegante. Em seguida se lançou sobre o sanduíche de pão francês. Alface e tomate dividiam espaço com o patê de presunto. -Isso está muito bom –
Capítulo 17 A planície pontuada por uma miríade de lápides, alinhadas com esmero, era banhada pelas luzes carmim do crepúsculo, que, filtradas pelas copas das árvores, desenhavam sombras tristes que se moviam conforme os rumos imprevisíveis do vento. Gotas morosas de chuva se precipitavam preguiçosamente das folhagens rumo ao chão, aumentando a sensação de melancolia naquela tarde fria, de corações gélidos.O cheiro de terra, grama molhada e dos crisântemos organizados em coroas contribuía para reafirmar a certeza de que uma vida tinha se extinguido. O choro constante e lamurioso de dona Rafaela e seu Eustáquio, pais de Bárbara, que seguiam perto do caixão, marcava os passos daqueles que acompanhavam o cortejo fúnebre até a vala sulcada na terra, que esperava para receber a jovem, enclausurada na caixa amadeirada, cheirando a verniz recém-pintado, que seria agora sua eterna morada. Amigos e parentes se misturavam, unidos por seus pesares e lamentos.
Capítulo 18 A delegacia estava movimentada. As pessoas passavam apressadas de um lado para o outro. Maciel tinha se trancado em sua sala e não recebia ninguém. Algumas pessoas comentavam que ele bateu a porta com força, assim que seu telefone tocou, e não mais a abriu. -Fred, por que você não vai pra casa e descansa? – sugeriu Elis. Faltavam poucas horas para amanhecer – Deixa o pessoal da perícia trabalhar. Acredito que dessa vez o desgraçado tenha deixado alguma coisa para trás. Nós devemos ter assustado ele. -Isso não aconteceu. -Como você pode saber? -Eu apenas sei – insistiu o detetive – acho que ele estava limpando a casa quando chegamos. O barulho que o seu Norberto ouviu deve ter sido de um aspirador de pó usado pra se livrar de fios de cabelo. Eu consigo imaginá-lo limpando cada superfície com a qual teve contato. O pessoal do Rogério não vai achar nada. -Deixe de ser pessimista, Fred. -Estou
Capítulo 19-Será que dá pra você parar de ficar andando de um lado para o outro, Fred? Já está me deixando nervosa – pediu Elis.Sentada de frente para o seu PC, com a cabeça apoiada nos dedos, a detetive observava as imagens trazidas pelo parceiro. Ao seu lado, Rogério e Flávio espichavam os pescoços a fim de também conseguirem enxergar a tela.-Em nenhum momento ele se aproxima dos computadores – observou Elis.-Ele pode ter acessado pelo celular, dá na mesma se ele estiver usando a rede wifi da lan house – explicou Flávio, especialista no assunto – pelo tempo em que ele ficou com o aparelho em mãos, é provável.-Muito bem, o que fazemos então? – perguntou Elis – Isso aqui não prova absolutamente nada. Ele vai alegar que frequenta o lugar e não podemos prendê-lo por isso.-Desgraçado, desgraçado – Fred seguia murmurando para si mesmo, enquanto continuava com sua caminhada enlouquecida pela sala de Elis, que era muito mais limpa e organizada que a sua.-Fred! Que porra! Dá pra você
Capítulo 20 Fred tentava ao máximo disfarçar sua irritação. Ele tomou um longo gole do “elixir secreto” que ficava no bolso interno de seu sobretudo antes de abrir a porta de sua sala para Luís, que o cumprimentou com uma expressão abatida. -Venha comigo, vamos conversar em um lugar mais reservado, aqui não teremos sossego – pediu o detetive, que saiu da sala depois de pegar uma das pastas no arquivo. Ele guiou o rapaz até a sala de interrogatórios, entrou e trancou a porta atrás de si. -Deve ser mesmo algo muito importante o que você tem pra me dizer – reagiu Luís ao ranger metálico da fechadura. -Tenha certeza de que é. O rapaz tomou a cadeira do outro lado da mesa. O detetive se manteve de pé, e, por algum tempo, apenas observou Luís. “Assassino, assassino!” -E então? – incentivou Luís, mas Fred seguiu apenas encarando o rapaz por mais alguns longos segundos. -Acho que você v