Capítulo 1

Dois anos depois – Em algum lugar do Mar Turbulento

O Sombra do Oceano navegava com certa dificuldade pelo Mar Turbulento, no Oceano Fantasma.

A capitã Kira observava a tudo com certo interesse, havia explorado aquelas águas com determinação, enfrentando criaturas místicas, o que para ela não eram grandes surpresas, tinha Magnadaemon como bichinho de estimação, e já obterá controle sobre outros.

O Mar Assombrado não lhe tinha sido muito atrativo, mas ali onde estava, com as ondas gigantes tentando afundar seu navio, aquilo sim era emoção. Adorava a sensação de não saber o que viria, do coração acelerado, a cada nova investida violenta do mar, desejando sempre mais e mais.

Iriam retornar logo para Turturem, já estava quase sem suprimentos, os quais duraram menos do que o previsto.

Pretendiam passar mais tempo navegando, Kira tentaria encontrar o Oceano Infernal, aquele que nenhum pirata até aquele momento, conseguira encontrar. Mesmo todos acreditando ser apenas um mito, ela sentia que era um lugar real, que escondia centenas de segredos, maravilhas e quem sabe até ouro, pedras preciosas.

— Sr. Willians, quanto tempo ainda falta? — questionou aos gritos.

Era a única maneira de serem escutados, o Mar Turbulento era barulhento.

— Bastante, capitã. — respondeu.

Pensava que já estavam perto, mas sabia que após tanto tempo navegando, o Sombra do Oceano estava exausto, não duraria muito, se tornou lento.

— Poderia chamar alguma besta aquática, que está sob seu controle, para levar o navio, seria bem mais rápido. 

Não era uma má ideia, e Kira tinha em mente a besta perfeita para a ocasião.

Em meio aos relâmpagos, raios e trovões, avistou a enorme calda da arraia gigantesca, a Stingriant, ao se aproximar, enrolou sua calda em volta do navio, era bem mais flexível do que parecia, mas também podia enrijecer, transformando se um esporão venenoso.

Puxou o navio entre as águas sem muita dificuldade, os tripulantes se seguravam onde conseguiam.

Pria havia amarrado Rubi, no mastro principal, as duas estavam muito bem seguras e pareciam se divertir com a situação, a viagem se tornara mais emocionante do que elas imaginavam.

Kira ficou tensa, sentia o Sombra estalar, como resmungos.

Não demorou muito para chegarem ao Mar nevoento, no Oceano escuro, estavam bem próximos de Turturem, dali em diante, poderiam navegar sem a ajuda de Stingriant.

A capitã o dispensou rápido e assumiu o timão, sentia que o navio estava extremamente furioso, teriam que ficar um tempo na ilha pirata, até que ele se recuperasse, e nem sabia quanto tempo duraria dessa vez.

Hás alguns meses, ele os abandonara em uma ilha desconhecida do Mar Assombrado, por pelo menos três semanas, parte da tripulação foi perdida, um número expressivo e inesperado. Acima de tudo, reconhecia que estava a exigir demais do pobre navio, o qual nuca navegou por tanto tempo ou passara por tanta dificuldade.

Aumentando sua velocidade, rumou para Turturem.

— Capitã, estamos todos molhados e com frio, por favor, diga que passaremos a noite em Turturem. — Pria questiona.

Estava mais velha agora, aprendera rápido, ao mesmo tempo em que ajudava Rubi em sua adaptação, o que poupou muito trabalho a Kira.

— Não temos muita escolha, o Sombra do Oceano está bem irritado e cansado. — respondeu.

— Sabe, capitã, fala do navio como se ele estivesse realmente vivo. — Rubi comenta.

Uma das cordas soltas é levitada em direção a garota, que cai no chão bruscamente.

— Se eu fosse você, tomava cuidado. — Sr. Willians a ajuda levantar.

— O Sombra é um navio amaldiçoado, realmente está “vivo”. — Pria a encara sorrindo.

A capitã se concentrou no timão, enquanto o controlava, em pouco tempo avistou pequenas luzes piscando, era a ilha pirata mais famosa de todas, onde se reuniam para festejar, buscar suprimentos ou procurar alguém de má índole. Também era um ótimo lugar para se conseguir informações, já que os piratas se tornam extremamente linguarudos após umas garrafas de rum.

Quando aportaram, observaram estar pouco movimentado, não era tão tarde da noite, mesmo se fosse, as festas não costumam acabar tão cedo.

— Certo, retirem tudo que ainda tivermos de valor, que seja útil e suas coisas pessoas. — bradou rumando a sua cabine.

Encheu uma bolsa de ouro, seria o suficiente por enquanto, depois recolheu algumas roupas, um par extra de botas, e alguns outros pertences, em uma segunda bola, maior.

Colocou o chapéu em sua cabeça, sobre os cabelos soltos e encharcados, e saiu, descendo do navio.

Pria e Rubi já a esperava, junto com Sr. Willians e Oscar. Fora eles, não restara muito da tripulação, teria que fazer novas entrevistas em breve, provavelmente antes de partir.

— Não tinha muito o que pegar, as roupas estão bastante molhadas. — Rubi resmunga.

Kira entregou algumas moedas de ouro a ela, assim como para Pria.

— Vejam se conseguem roupas secas, o suficiente para uma ou duas semanas. — ordenou — Sr. Willians, precisamos de um lugar para passar a noite e Oscar, leve os tripulantes que restaram para alguma taverna, ou qualquer lugar que queiram ir, será por minha conta.

Entregou uma parte considerável de ouro a cada um. As meninas estavam já longe de vista e Oscar reuniu a tripulação, os levando para se divertirem.

— Capitã, por que não chama o Pesadelo Marinho? — Sr. Willians questiona, ainda parado — Ele está parado há muito tempo, não teria mal algum em usá-lo.

— Tem razão, já que Julius Black não irá usar o navio, posso mantê-lo como substituto, será bem útil. 

O Sombra já estava longe, mal podiam avistá-lo.

— Pelo visto, não tiraram muito do navio. — resmungou.

Haviam apenas cinco caixas com suprimentos, provavelmente estragados pela água, dois barris de rum, algumas armas e um barril de pólvora molhada.

— Acho que deveríamos passar a noite no Pesadelo, com os homens se divertindo, teremos muito trabalho para embarcar tudo e ainda providenciar mais. — Sr. Willians comenta.

— Tudo bem, enquanto chamo o navio, providencie lençóis limpos, algum colchão para Pria e Rubi e comida quente. — ordena.

Ele se retira rapidamente, com sua perna de pau fazendo barulho.

— Capitã, a tripulação se embrenhou em um bordel, mas não sei se estarão dispostos amanhã. — Oscar diz, retornando.

— Passaremos a noite aportados aqui, o Pesadelo Marinho chegará em breve. — informa — Devia estar com eles, se divertir um pouco faz bem pro moral.

Ele apenas negou com a cabeça.

— A decisão é sua...

Os olhos dela se tornaram brilhantes, enquanto se voltava ao mar, para chamar o navio, primeiro precisava encontra-lo mentalmente e estabelecer uma conexão.

Encontrou-o, ancorado na gruta do medo, da mesma forma que o deixara. Estava relutante, o velho navio resistia em despertar, mas Kira não iria desistir, aos poucos, as cordas iam se mexendo, a madeira estalava, o timão passou a se mexer e o Pesadelo Marinho começou a navegar, com um brilho azulado lhe envolvendo.

Não era tão rápido quanto seu navio, porém seria bem útil, era maior e mais reforçado.

Kira suspirou, o navio já estava a caminho, agora bastava esperar sua chegada, embarcariam para descansar durante o resto da noite.

— Capitã, só consegui isso para comermos. — Sr. Willians havia retornado — Mas nada de lençóis.

O velho marujo estava acompanhado das duas garotas, que ajudavam a carregar a comida. Basicamente, a banda de um porco pequeno assado, sopa de alguma coisa não identificada e grãos cozidos com legumes.

— Estava praticamente sem comida, o lugar está muito vazio, alguns bares fechados, não é normal para Turturem. — ele comenta.

— Também não encontramos roupas ou qualquer coisa seca para vestir. — Pria suspira.

— Realmente, o bordel também não estava muito movimentado. — Oscar complementa.

A capitã estava apreensiva, em nenhum dos seus doze anos de pirataria, havia presenciado cenas como essa, Turturem era um lugar cheio, tanto de pessoas, como de suprimentos e tudo o que se podia imaginar. Alguma coisa estava acontecendo e ela iria descobrir, mas não naquela noite, precisava descansar.

— Há um navio, ali. — Rubi aponta.

Era o Pesadelo Marinho, vinha lento, como se estivesse de má vontade.

— É a nossa carona. — informou.

O navio aportou no cais, e Kira usou magia para descer a rampa, já que não havia ninguém no navio.

— Oscar, me ajude a levar essas caixas a bordo, vocês três embarquem com a comida. — ordenou.

Ergueu uma das caixas, enquanto Oscar segurava duas, subiram pela rampa, colocando-as perto do mastro principal.

Sr. Willians estava verificando tudo, para saber o estado do navio e quais medidas deviam tomar antes de se acomodarem.

— Com licença, eu procuro a capitã Kira! — uma voz feminina chama a atenção deles.

Kira observa a garota a frente da rampa com certo espanto e perplexidade.

Eram idênticas, praticamente irmãs gêmeas, salvo algumas características, o tom de pele, a moça era menos pálida que a capitã e os olhos eram castanhos e não azuis.

— Este é o navio da capitã Kira? — questionou paciente.

— Não... — Kira respondeu — Mas está falando com ela.

Retirou o chapéu da cabeça e desceu pela rampa, até se colocar de frente a garota, que engoliu em seco, antes de abrir um grande sorriso nos lábios. Ficaram em silencio por um tempo, sem saber o que falar, apenas se observando.

Sr. Willians estava incrédulo com o que via, duas Kiras, não lhe parecia algo que imaginou acontecer algum dia. Oscar colocou o barril de rum, que segurava, no chão, atento ao que acontecia.

Pria e Rubi ficaram curiosas com a recém chegada.

— Eu me chamo Ellenne. — apresentou-se — Estou há um tempo lhe procurando.

Kira suspirou, milhões de perguntas povoavam sua mente, estava exasperada, queria saber tudo sobre aquela garota, mas não sabia se estava disposta a se envolver em outra família, tivera experiências ruins demais para uma vida.

— E o que quer de mim? — questionou.

Ellenne colocou os braços envoltos no próprio corpo, ainda era algo novo para ela, procurou Kira por tanto tempo, quando finalmente a encontrou, não sabia o que dizer, estava paralisada, na verdade, imaginou que o encontro delas seria totalmente diferente.

Mas dada a aparência de Kira, olheiras escuras sobre os olhos, estava mais magra e de semblante cansado, sabia que não seria uma boa hora para despejar tudo o que queria.

— Quero conversar, sobre algo importante. — respondeu por fim.

A capitã arqueou as sobrancelhas curiosa, queria perguntar mais, porém, não queria aparentar estar desesperada por informação, sendo que primeiro queria saber sobre a personalidade de Ellenne, se poderia depositar algum tipo de confiança.

— Pois bem, fique a vontade, suba a bordo. — saiu da prancha indicando o caminho — Irei terminar de carregar o pouco que temos e já lhe acompanho.

Ela assentiu com a cabeça já subindo.

— Sr. Willians... — disse apenas.

O marujo entendeu que deveria recepcionar e observar a moça.

— Sou o Sr. Willians e estas são Pria e Rubi. — falou indicando uma caixa para ela sentar — Sua semelhança a capitã, é espantosa.

Ela demonstrou um tímido sorriso.

— Quando ela retirou o chapéu, pensei a mesma coisa. — respondeu.

— Tem muitas diferenças, a capitã é mais pálida, e está muito magra, a cor dos olhos também não é igual. — Rubi diz cutucando Ellenne — Eu prefiro Kira.

— Não estou tentando ocupar o lugar da sua capitã. — comentou sorrindo — Acabei de chegar e você já tirou conclusões precipitadas.

A menina deu de ombros, estava um pouco maior agora, mas ainda era a mesma curiosa de sempre.

— Sr. Willians, veja como está a cabine do capitão e Pria, se quiserem dormir em um lugar limpo e confortável, melhor se organizarem logo. — ordenou.

Sr. Willians seguiu para a cabine e Pria, Oscar e Rubi desceram para o convés inferior, a fim de verificar se tinha algo aproveitável, o qual pudessem usar.

— Se não se importa, Ellenne, estamos cansados e famintos, — disse sentando de frente a ela — se puder ser rápida, serei grata.

— Na verdade, não tem como. — suspirou — Posso retornar amanhã.

— Onde está hospedada?

— Ainda não tenho um lugar para dormir, mas sei me virar bem. — respondeu.

Kira a observou atentamente.

— Temos espaço, se você quiser, só não garanto conforto. — informou — O navio é velho e faz tempo que não é usado, mas já que o meu não está disponível, usaremos esse temporariamente.

— Obrigada e não se preocupe, eu não me importo com isso, durmo onde me colocarem.

Assentiu com a cabeça, mecanicamente.

— Pria, arranje um lugar para Ellenne dormir. — bradou próxima as escadas que levam ao convés inferior.

— Capitã, sua cabine está pronta para uso. — Sr. Willians descia os pequenos degraus lentamente.

— Ótimo, organize a segunda cabine, os velhos também precisam de descanso.

Ele apenas gargalhou se retirando.

Kira encarou Ellenne que a observava com olhos brilhantes.

— Se quiser, pode servir-se da comida, não é muito, mas é boa. 

Ela apenas lhe devolveu um leve sorriso.

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