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Havia somente dois momentos em que a tonalidade do céu se tornava a mesma e era impossível determinar as horas. Estava amanhecendo ou anoitecendo? Ele não sabia. A única coisa da qual tinha certeza era que a parcial escuridão não cessava, como se o tempo houvesse congelado.

Somente a fraca chama de uma vela iluminava o caminho por onde passava. A floresta era densa; as árvores, longas e negras; o trajeto, difícil, tortuoso; e a umidade local se fazia sentir com facilidade. Por quanto tempo estava andando? O que procurava? Por que estava ali? Não possuía a resposta para nenhuma dessas perguntas. Sentia apenas que deveria continuar caminhando.

Por fim, encontrou a possível saída da floresta. Logo ele se viu em um campo aberto, ladeado por imensas árvores. E, no meio do campo, estava ela, sentada em cima de uma grande pedra, olhando fixamente para ele. Durante alguns instantes, ele hesitou em se aproximar, mas algo no olhar firme daquela menina o atraía. Não percebeu quando suas pernas começaram a caminhar em direção à jovem, só vindo a notar quando já estavam frente a frente.

Ela o observava, como se analisasse seus traços e estudasse suas feições. Levou sua pequena mão até o rosto dele, deslizando os dedos suavemente pela sua face. Tocou-lhe a cavidade dos olhos, cenho, fronte, nariz, lábios, alisou-lhe os cabelos. Fora inevitável fechar os olhos para melhor sentir a delicadeza do toque dela. Então, a chama da vela apagou e uma luz maior surgiu.

Mesmo que estivesse de olhos fechados, ele descobriu, por fim, as horas.

Estava amanhecendo.

— Vamos, Damiano! Acorde para cuspir, vagabundo!

São Paulo – Brasil

A voz ensurdecedora de Kazuo tirou Damiano de seu sono profundo. Não tinha convicção das horas – o camarim não possuía nem janelas e nem relógio, o que o alienava em relação ao tempo. Porém, tinha certeza de que não era cedo – já estava no bar, afinal. Passou a mão pelo cabelo e, em seguida, esfregou o rosto.

— Alguém já te disse que você tem a voz mais aguda da face da Terra e que acordar te ouvindo gritar é o pior castigo possível? – perguntou, irritado. Damiano costumava não ser simpático quando era acordado.

— Talvez sim, mas obrigado por lembrar. – falou Kazuo, fazendo pouca conta da estupidez do amigo. Estava visivelmente nervoso. — E agradeça a mim por ter lhe tirado do seu sono de beleza, princesa! Caso não se lembre, temos show daqui a alguns minutos! Vá terminar de se ajeitar, vadia.

Damiano se levantou, desencorajado, do sofá, não sem antes jogar uma almofada na cabeça de Kazuo. No fundo, estava cansado demais para ainda se ater a tocar nas noites paulistanas. A faculdade extorquia todas as suas forças – o último semestre do ano sempre requeria mais tempo e determinação, talvez fosse melhor parar por um tempo com a banda. Porém, não tinha como se sustentar – a parte mais proveitosa do seu salário vinha quase inteiramente dos pequenos shows que realizava. Não ganhava praticamente nada como monitor, apenas um pagamento tão insuficiente que não lhe permitia ir além das compras alimentícias mensais.

Defronte ao espelho do camarim, Damiano olhou a sua aparência. Normal, como sempre. Deixou os cabelos soltos e resolveu ficar sem blusa – Rida houvera dito que as mulheres preferiam assim, mas o rapaz acatou a ideia por achar que o ambiente era calorento demais para ousar ficar completamente vestido. Não tinha problemas em ficar parcialmente despido em palco, porém sentiu um pouco de vergonha após ver que seu contínuo estresse estava lhe ocasionando uma intensa perda de peso. Lembrou-se, um tanto desanimado, que, em tempos remotos, fora um pouco mais gordinho – agora, não restava nenhum resquício de gordura, tampouco de músculos. Estava meio pálido também. Resolveu ignorar – ninguém iria notar mesmo o seu cansaço. Tudo o que a plateia desejava saber era do show e não da situação de vida dos integrantes de uma banda.

Damiano não imaginava que, aos vinte anos, estivesse sofrendo de cansaço extremo, enquanto vários outros da sua idade se divertiam ininterruptamente. Às vezes, batia uma saudade do colegial e dos tempos em que suas preocupações restringiam-se apenas a com quantas garotas iria transar no final de semana.

— Vocês estão prontos? – perguntou, parando de se analisar no espelho e de divagar.

— Quase! – respondeu um dos rapazes, esse de porte pequeno e franzino, que ganhava um aspecto ainda menor por conta do volume do cabelo cacheado caído nos olhos. — Calçando os sapatos.

— Isaac?

— Tudo no lugar comigo. – disse o outro de cabelos longos, ondulados e negros, altura mediana, pele parda.

— Ande logo, Kazuo! – comentou o quinto moço, cabelos quase brancos, altos e cheios; dando um tapa na cabeça do companheiro.

— Estou terminando, pare de me encher, Max! – retrucou o jovem rapaz de fios bicolores, enquanto se apressava para colocar as últimas pulseiras.

— Andem logo, donzelas. – a voz de Damiano saía arrastada, sonolenta.

Depois de prontos, os rapazes se abraçaram e fizeram uma pequena prece. Um típico desejo de boa sorte, quase um ritual, sempre repetido antes de qualquer apresentação.

Havia mais de três anos que a Reticências existia. Começara apenas como um passatempo elaborado por dois garotos – Kazuo e Damiano – que, desde os tempos das reuniões colegiais, encontravam-se para tocar nos horários vagos. Gostavam de música e, mais ainda, de compartilhar este sentimento. Com o advento de Damiano na faculdade, conheceram outros três jovens, também amantes da música e talentosos no ramo. Convidaram os rapazes, e esses entraram no pequeno conjunto.

Após algum tempo de formação, já faziam um pequeno sucesso entre os estudantes universitários e conhecidos, sempre realizando minúsculas apresentações em festinhas de velhos amigos ou em calouradas. Aos poucos, foram ganhando certa popularidade e não tardou para serem convidados a tocar em bares de rock e festivais. Gostaram da ideia – seriam pagos por fazerem algo de que gostavam. Aceitaram os convites, solidificaram uma simplória carreira. Tocavam em apresentações próprias, aberturas de shows de bandas de garagem, festas e eventos, sempre alternando entre alguns covers de bandas famosas – desde o rock clássico até o rock japonês tão idolatrado por Kazuo – e músicas de autoria própria. Onde houvesse propostas, eles estariam lá.

Entretanto, não era desejo da Reticências se restringir apenas a pequenos concertos. Os rapazes desejavam crescer ainda mais. Talvez até lançar um álbum – se o dinheiro permitisse.

Naquela noite, foram chamados para relembrar os bons momentos do rock nacional dos anos oitenta. O repertório estava bom: Cazuza, Legião Urbana, Camisa de Vênus, Titãs, Raul Seixas, entre vários outros gênios do rock brasileiro. Apresentações desse tipo eram as que mais reuniam público, mais emocionavam e mais rendiam no pagamento. Os rapazes procuravam incorporar o sentimento da década, reviver os momentos patrióticos, as revoluções, o fim da ditadura, tudo para causar um maior impacto nas emoções de quem assistia. Esforçavam-se ao máximo para retroceder no tempo, encarnar os ilustres personagens da música oitentista brasileira, emocionar, levar o público à loucura. Suavam para isso, calejavam os dedos, perdiam o sono, mas o resultado era sempre o mesmo: ao término do show, eram ovacionados por uma plateia que, comovida, rememorava momentos marcantes de uma vida da qual eles, na época crianças, mal participaram. Ali também não fora diferente.

Eram uma Geração Coca-Cola recente.

Na volta ao camarim, receberam elogios, abraços, apertos de mão, convites para mais apresentações e todas as congratulações por mais uma noite de sucesso. Sorrisos satisfeitos, risos, alegria em geral. Pelo menos, para a maioria dos que ali estavam presentes – com Damiano, porém, as coisas tomavam proporções diferentes.

O guitarrista entrou no camarim somente para pegar suas coisas e vestir a camisa, saindo com pressa depois, carregando a mochila em apenas um dos ombros. Em cerca de segundos, estava fora do bar. Já na garagem, amarrou a mochila na garupa da moto e colocou o capacete, tudo rapidamente. Desejava apenas chegar em casa, tomar um banho e dormir – atividade que não realizava com regularidade há algumas semanas. Seu corpo não aguentava mais, estava no limite das suas forças. Porém, antes de acelerar e partir, escutou um grito por seu nome, apressado e agoniado:

— Ei, Damiano! Está esquecendo a minha carona, filho da puta?

Damiano suspirou outra vez. Esquecera Kazuo completamente.

— Suba aí. – falou, jogando o outro capacete ao amigo.

— Vamos jantar? Estou com fome, não como há um tempo.

Franziu o cenho. Não gostava daquela ideia.

— Tem certeza? – perguntou, desanimado.

— É lógico! Qual parte do estou com fome você não entendeu?

— Você só me dá prejuízo. Aonde quer ir? – não estava com muita vontade de sair para comer, mas, fazendo-o, servir-se-ia de uma refeição melhor do que os congelados que costumava fazer quando não tinha paciência para cozinhar.

— No Iguarias da China. É mais perto da minha casa e mais barato. Por favor?

— Tá, tá. Se segura.

Mas, antes que pudessem dar partida, outro barulho chamou a atenção de ambos os rapazes. Gemidos altos foram escutados, suspiros intensos, pedidos quentes. Os jovens se entreolharam, intrigados. Saltando da moto, a dupla caminhou para o local de onde o irritante som se originava, próximo às latas de lixo. Encostados à parede, um casal praticava atos impudicos, movimentos rápidos e frenéticos, suor escorrendo, mais e mais gemidos. Em outra ocasião, os dois amigos que assistiam à cena poderiam ter simplesmente ignorado – quantas vezes já não presenciaram instantes desconcertantes como aquele? –, mas não puderam ser indiferentes ao ocorrido. Kazuo, impaciente, beliscou o braço de Damiano, esperando alguma atitude por parte do amigo. Esse, contudo, mantivera-se calmo e relativamente imparcial, esperando o momento certo para se pronunciar. Quando perceberam que o casal houvera chegado ao seu ápice, o guitarrista, com a voz tranquila, cumprimentou:

— Boa noite, Malu.

A reação do casal fora a esperada, principalmente por parte da moça de boca borrada de vermelho. O homem com quem ela mantinha relações, assustado, saiu de dentro da jovem rapidamente, tentando, em seguida, fechar o zíper da calça jeans, atrapalhado. A jovem, empalidecida, quis fazer o mesmo, subindo, afoita, as peças íntimas.

— O que faz aqui, Damiano? – ela perguntou, a respiração falhando.

— Sabe, hoje era o show da minha banda, então acho que tenho motivos suficientes para estar aqui. Ou estou errado?

Ela não falava nada, sentia-se deveras envergonhada – e assustada – para pronunciar alguma palavra. Damiano, contudo, mantinha a inabalável calma, atendo-se até a fumar um cigarro, tranquilamente, enquanto a observava se vestir. Kazuo preferia continuar calado, não era assunto seu.

— Vou embora. – disse o rapaz que encenara o ato abjeto. — Boa noite, gata.

Kazuo ainda se manifestou para tentar conter o jovem, porém fora previamente impedido por Damiano. Quando a moça já havia recuperado a postura e organizado parcialmente suas roupas amarrotadas – uma calça jeans clara, corpete e blazer pretos, botas de salto agulha – e o cabelo despenteado, resolveu se retirar, mas acabou sendo impedida pelo guitarrista, que, segurando seu braço, fizera-a retroceder os passos.

— Espera aí, aonde pensa que vai? – perguntou Damiano, ainda segurando o braço da garota, com força.

— Me largue, Damiano! – ordenou a jovem, com o olhar sério. — Está machucando!

— Eu não o faria se não tivesse essa intenção. – havia um sorriso sádico no rosto do guitarrista.

Enfurecida, a moça se desvencilhou da mão grande e forte do rapaz. Rindo de modo sarcástico, perguntou:

— Está olhando o quê? Vai me chamar de puta agora?

— É uma opção, mas não estou com vontade para isso. Você só me dá...

— Nojo? Repugnância? – ela riu. — Ah, Damiano, se enxergue! Quem é você para falar de mim? É tão podre quanto eu! Vive reclamando da vida, não dá para o gasto e ainda me traía como uma cadela! Acha mesmo que tem esse direito?

— Não, não tenho esse direito. Vamos ser benevolentes, você trouxe alegria a um pobre diabo, fez uma boa ação. Ao menos, ele conseguiu ser satisfeito por seus dotes na cama.

— Está querendo dizendo o que com isso?

— Que há muito você não conseguia me acender como fez com ele.

O impacto em seu rosto fora doloroso, forte, deixou uma marca vermelha.

— Idiota! – ela gritou, enfurecida. Damiano havia atacado o seu ponto fraco.

— Entenda como quiser, não tenho mais nada a falar. – e, dando as costas para a moça, completou, ainda sorrindo: — Mas, como eu sei que em breve você estará me ligando, não se preocupe: o número do celular vai continuar o mesmo.

Os dois amigos se retiraram, deixando a moça a gritar ensandecida, amaldiçoando e maldizendo o guitarrista.

*

Itadakimasu![1]

O restaurante pequeno – uma casinha que dava apenas para a cozinha e para o caixa – estava lotado, mesmo que já fosse quase uma da manhã. Não havia uma mesinha de plástico, todas do lado de fora da construção, que não estivesse ocupada com clientes felizes, alguns até embriagados, comendo e conversando em alto tom. Um carro tocava a música da noite – Unchained Melody, dos The Righteous Brothers, ocasionando um clima nostálgico e, ao mesmo tempo, brega. Por sorte, o estabelecimento tinha permissão de prosseguir suas atividades até, no máximo, duas da manhã – os donos só precisariam m****r seus clientes diminuírem o volume da caixa de som e das vozes, antes de qualquer reclamação chegar via telefone. Porém, nada disso importava para a mais estranha dupla do local.

Enlouquecido de fome, Kazuo tomou nas mãos a tigela de yakissoba chinês e começou a comer com velocidade, sujando a boca e os arredores dos lábios com o molho. Em contrapartida, Damiano olhava, perdido em uma imensidão de pensamentos, a rua ainda bastante movimentada, esquecendo o seu prato em cima da mesa. Não reclamava pela falta de comida em seu estômago, já estava acostumado a passar muito tempo sem se alimentar. Estava mais preocupado em organizar suas ideias.

— Ei, em que planeta você está? – perguntou Kazuo, parando um pouco de degustar a sua refeição. Não costumava ver Damiano tão quieto e abatido.

— Na Terra, não saí daqui. – respondeu Damiano, ainda com o olhar fixo na rua. — E se eu fosse você, limparia a minha boca.

— Engraçadinho. – resmungou Kazuo, esfregando a mão nos lábios. — Sem brincadeira, você está estranho desde cedo, antes mesmo do... Bom, você sabe. Posso saber o que está acontecendo?

— Nada demais. – respondeu o outro.

— Mas realmente não foi o episódio com a Malu, foi?

— Não, não foi ela. – respondeu, sorrindo, agora com o olhar no seu prato. — Não ficaria assim por causa de mulher, você sabe.

— Você não é normal, Damiano. Viu a traição da sua namorada, saiu como se nada tivesse acontecido e ainda humilhou a garota. Como consegue...?

Damiano riu.

— Mulher nesse mundo é o que não falta para mim, Kazuo. Mais uma, menos uma, que diferença faz? E, além do mais, conheço a Malu. Não vai tardar para ela me ligar, aos prantos, pedindo perdão.

— Wow! Depois me ensine a ser como você. Essa confiança toda e esse apelo sexual estão em falta no meu estoque. – e, levando à boca mais um pouco de yakissoba, o vocalista continuou: — Enfim, não esconda. O que está te perturbando?

Damiano voltou os olhos para Kazuo, fitando com certo carinho aquele estranho garoto de cabelo bicolor e olhos miúdos, pintados de negro. Kazuo era o único que o entendia por completo. Era o seu melhor amigo desde o Ensino Fundamental, como um irmão que nascera de pais diferentes. Sabia que, a qualquer momento, seria ele quem reconheceria seus problemas.

— É só cansaço, Kazuo. – falou. — A faculdade está pesando, o final do semestre está chegando, tem os trabalhos da monitoria, tenho que ensaiar com vocês, temos que fazer esses shows, tenho que procurar um emprego fixo... E, além de tudo, estou tendo insônia todas as noites. Há razões piores que essas para se ficar mal?

— Insônia por quê? Se está tão cansado assim, não seria mais óbvio chegar em casa e simplesmente cair na cama?

Damiano riu, debochando da própria situação.

— É ridículo. – falou. — Ando tendo sonhos estranhos e é isso que está piorando a minha exaustão, porque tira o meu sono.

— Mas você nunca foi de sonhar! – exclamou Kazuo. — Como são esses sonhos?

Nonsense. Todos têm a mesma temática: estou em um lugar bastante esquisito e deserto, perdido e louco para achar uma saída. De repente, encontro uma menina que nunca vi na vida, parada no meio do nada. Pouco tempo depois, ela vem para mim, fica me analisando e deslizando a mão pelo meu rosto. Quando menos espero, acordo no meio da noite e não consigo mais dormir. Fico rolando na cama até amanhecer ou, às vezes, invento alguma coisa para passar o tempo. Simples assim.

— Há quanto tempo?

— Duas semanas, eu acho.

— Estranho... Seria um espírito que tenta se comunicar?

— E eu que vou saber? – sorriu, irônico. — Mas sabe o que é pior? A criaturinha é uma graça. Pequenininha, cabelão castanho, igual a uma boneca de porcelana, daquelas que você tem medo de chegar perto, achando que quebra fácil. Só que eu nunca, nunca consigo tocá-la. É como se ela quisesse apenas me estudar e nada mais. Bem diferente das mulheres da realidade.

— Ah... Entendi o problema, então. Você está querendo experiências novas com garotinhas. Um seco que precisa de um cabresto, só isso.

Ambos riram. Nesse momento, a garçonete bonitinha, vestida com trajes chineses, entregou outra tigela aos rapazes, dessa vez recheada de biscoitos da sorte. Os dois agradeceram e Kazuo, sorrindo de maneira marota, perguntou:

— Por que não tira a sua sorte neste biscoitinho, querido? Encontre aqui as respostas para suas dúvidas!

— Estúpido. – comentou Damiano, pegando o biscoito da mão de Kazuo. Deu uma mordida e, em seguida, retirou o papelzinho que ali dentro estava. Abriu-o e a mensagem logo se fez visível.

Você acredita em destino?

Nada é por acaso! Dê uma olhada ao seu redor

e verá que, para tudo, existe uma explicação.

— E aí? – perguntou Kazuo, curioso. — O que diz?

— Nada demais. – respondeu Damiano, dobrando o papel mais uma vez e jogando-o na mesa. — Superstição boba. E o seu?

— Eu não gostei. – falou o outro, com a voz chorosa. — Está na hora de ser menos covarde e correr atrás do seu objetivo. Fui chamado de covarde!

— Então o seu acertou! – havia ironia em sua voz. — Nossa, essas coisas realmente dão certo! Precisamos encontrar a Rida agora mesmo!

Riram e terminaram de comer, pagando a conta em seguida. Depois, subiram na moto e rumaram às suas respectivas casas, percorrendo as ruas paulistanas ainda movimentadas. Durante o trajeto, Damiano recordou-se dos estranhos sonhos que lhe causavam insônia. Não costumava pensar neles, mas tocar no assunto o fez se lembrar. Tentava ignorá-los sem sucesso, não sabia explicar o motivo pelo qual ainda permanecia tão ligado aos devaneios noturnos. Achava-se um estúpido por estar dando tamanha importância ao fato, todavia se sentia feliz ao sonhar com a garota imaginária. Ela trazia paz, inocência, mostrava um mundo menos cruel que a realidade nua e crua com a qual estava acostumado. Porém, era apenas ficção, fluxo de inconsciência. Para quê, então, se ligar ao irreal? Por que pensar em uma pessoa que nunca existiria? A vida não era um sonho bom – e ele só poderia se contentar com o fato.

Com vinte anos, Damiano Guerra não sabia o que era sonhar e desejar – só conseguia ver o lado negro da sua medíocre e nada grandiosa vida. Entretanto, também não tinha noção de que era apenas mais um subordinado do destino – seu futuro, quisesse ou não, estava inteiramente trançado por pontas coloridas. As mesmas que seus olhos castanhos não conseguiam ver no dia-a-dia.

[1] – Itadakimasu: é uma expressão japonesa utilizada antes das refeições, como uma forma de agradecimento pela comida.

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