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São Paulo – Brasil

— Pois não?

— Bom dia, senhora. Eu sou Damiano Guerra, o estudante universitário do curso de Letras que agendou uma entrevista com a professora Maria Adelaide para um seminário. Por gentileza, ela se encontra?

— Ah, sim, o estudante universitário... Me perdoe por não o reconhecer logo. Entre, por favor.

Damiano agradeceu e, pedindo licença, entrou na mansão da requisitada psicopedagoga. Sentiu-se envergonhado, demasiadamente humilde para estar em uma casa de tal elegância e dimensão. Havia sido muita sorte conseguir uma entrevista com a professora, sabia o quão ela era importante – fato percebido principalmente pela rica arquitetura do seu lar. Respirando fundo e expirando rapidamente, preferiu não ficar analisando maiores detalhes da casa. Mais um pouco e ficaria completamente desconcertado.

— Por aqui.

A governanta era simpática e amigável, recebera-o com amabilidade, o que o deixava mais confortável. Internamente, riu ao se questionar se seria tratado com a mesma delicadeza caso a velha senhora o visse no dia-a-dia. Damiano havia trabalhado o visual a fim de ganhar um aspecto de moço sério e requintado, um ar bem longe daquele que costumava ter diariamente. Retirou os inúmeros brincos que existiam em suas orelhas, prendeu os longos cabelos em um rabo de cavalo, vestiu a camisa polo azul que seu pai lhe dera dois anos antes – e que, até então, permanecera praticamente sem uso –, uma calça jeans e tênis branco. Não ficara feio, mas não simpatizava com o aspecto de rapaz bem comportado que estava demonstrando. Contudo, não poderia reclamar – afinal, era trabalho.

Acompanhou a velha governanta, caminhando pelos corredores da casa e parando em um jardim de grandes proporções, com uma mesa branca próxima à porta de vidro por onde eles saíram. Ficava cada vez mais encabulado com a riqueza da mansão – nunca fora acostumado a luxos, sempre vivendo no ambiente simples que seu pai, um mecânico, lhe oferecera. Procurou não demonstrar o seu desconserto. Precisava passar uma impressão forte e determinada, de um estudante empenhado, e não de um moçoilo que se diminui com riquezas arquitetônicas e materiais.

— Espere aqui, certo? – disse a governanta, sorrindo. — Vou chamá-la, descerá em breve. Você gostaria de um suco de laranja?

— Sim, obrigado. – respondeu, sorrindo e sentando em uma das cadeiras que contornavam a mesa.

A governanta se retirou e Damiano ficou sozinho no jardim, observando as plantas que ali eram cultivadas. Conhecia pouco de flores, mas reconheceu as rosas, as margaridas, as violetas e as primaveras. Também existiam outras espécies coloridas, entretanto preferiu não tentar identificá-las – nunca fora suficientemente bom em botânica. Voltou os olhos para a mesa, depositando nela a bolsa que trouxera. Resolveu dar mais uma olhada em seu trabalho, retirando a pasta que continha o projeto. Releu o objetivo do seminário e as perguntas que faria à professora – sabia exatamente como fazê-las, sempre fora bom de lábia. Estava, contudo, um pouco nervoso, mas conseguia não passar isto aos outros, o que era uma ótima característica sua. Depois, retirou o velho gravador que um de seus colegas emprestara. Tinha de testar as pilhas mais uma vez – não costumava confiar facilmente em baterias. Apertou o REC, mas, antes que pudesse falar um “alô” de teste, outra voz surgiu, sendo gravada na fita cassete:

— Você gosta de olhos verdes?

Assustado, Damiano pausou a gravação e virou-se para ver quem havia falado. Era uma bonita moça: negra; de olhos escuros, brilhantes e desafiadores; nariz pequeno; lábios carnudos; corpo escultural; pés descalços e vestido branco de alças e rendas. Os cabelos longos, volumosos e cacheados, completavam o charme e a beleza do seu rosto oval. Olhava-o sorrindo, um pouco irônica, o nariz empinado. Muito bonita. A filha da professora, talvez? Provável. O fato era que, em momento algum, Damiano notara a chegada da moça. Não ouviu passos.

— Como? – perguntou, educadamente, disfarçando o susto e o embaraço.

A mulher sorriu, puxou uma cadeira e sentou, voltando os olhos para o jardim.

— Sabe, não gosto muito de olhos verdes, os acho muito comuns. – ela tornou a falar, apoiando os cotovelos nas costas da cadeira. — Mas tem um caso em que eu realmente os acharia lindos.

Damiano não entendeu, mas preferiu manter-se quieto. Não poderia destratar os que estavam na casa.

— Você sabe o que dá beleza aos olhos? – perguntou a mulher, voltando os orbes negros para o jovem.

— Não. – respondeu o rapaz, tentando deixar-se levar pelo assunto aparentemente sem sentido que a moça desenvolvia.

— O brilho que eles têm. – a moça sorriu. — Você não tem muito o hábito de olhar primeiro para os olhos de alguém, não é?

— Por que pergunta isso?

Ela mordiscou sensualmente o lábio, enquanto sorria do seu modo sarcástico.

— Ao invés de olhar para os meus olhos, você olhou para o meu decote. Estou enganada?

Caso Damiano não fosse tão seguro de si, teria ficado completamente encabulado.

— Você é bem observadora. – comentou, retribuindo o sorriso perigoso.

— Eu me esforço. – ela se vangloriou, ainda sorridente. — Mas voltemos ao assunto inicial: por que não costuma olhar para os olhos das pessoas se são eles que mostram quem realmente são?

— Costume, talvez. – Damiano não estava com muita vontade de levar a conversa adiante. Já estava se convencendo de que a moça não tinha as ideias muito regulares e o rumo que o assunto tomava começava a desagradá-lo.

— Deveria perder esse costume então. Caso fosse mais atento aos que te rodeiam, poderia aniquilar com grande parte das suas dúvidas.

Em vinte anos de vida, Damiano já se debatera com vários loucos, pessoas que falavam coisas sem conexão ou sentido algum. Contudo, até aquele momento, nenhuma delas dissera-lhe algo que o incomodasse tanto. A moça, porém, começava a quebrar o padrão.

— Dúvidas sobre o quê?

A moça se aproximou mais, falando em um tom que tornava sua voz audível apenas para o guitarrista:

— Conheço uma menina muito bonita, de olhos expressivos e verdes. De longe, você já percebe que se trata de uma sonhadora convicta, parece nunca estar fixa na terra. Essa é a maior beleza dela. Deveria vê-la, tenho certeza de que apenas essa mocinha iria acabar com sua pose de machão.

A conversa tomava rumos cada vez mais confusos.

— Desculpa moça, mas... Não estou entendendo nada do que fala. – Damiano estava começando a se irritar com os assuntos abordados pela jovem. Nada parecia fazer sentido.

Ela sorriu, como quem se divertisse com a confusão que causava.

— Não é para entender agora, deixe esse trabalho para mais tarde. Não tenha pressa, você vai conhecê-la.

Damiano fitou-a por alguns segundos. Precisava raciocinar e digerir todas as informações que lhe foram jogadas. Se, por um momento, acreditava piamente que as ideias da moça estavam sob efeito de drogas pesadas, por outro via uma completa lucidez e firmeza naqueles olhos escuros.

— Do que está falando...?

E, agora séria, a mulher o olhou, com o olhar penetrante e profundo, de tal modo que deixou Damiano, por instantes, intimidado.

— Você é cético demais e isso é, de certo modo, prejudicial. Eu sei que sonhos parecem besteira, mas nem sempre são. Dê um pouco mais de atenção aos seus, eles querem te mostrar algo. E, quando compreender a mensagem que seu inconsciente quer te passar, ganhará uma missão, um dever do qual não pode fugir. Por isso, meu bom rapaz, quando o seu presente chegar, receba-o de braços e mente abertos. Lembre-se de que nem tudo é apenas “de verdade”. Há muito além daquilo que chamamos de “mundo real”.

O coração de Damiano acelerou de modo incompreensível, inesperado. Escutar a palavra “sonho” não lhe fez bem – não o fazia há quase um mês. Todos os dias, sofria as consequências das noites mal dormidas – tudo por conta do seu inconsciente que gostava de trabalhar quando não estava na hora. Embora estivesse, de fato, intrigado com os sonhos que tinha, tentava não dar-lhes extrema importância – afinal, eram apenas devaneios da sua mente cansada de um mundo leviano, nem ao menos faziam sentido. Mas não gostou de escutar o que a mulher falou, mesmo tendo convicção de que ela não era normal. Teve a impressão de que a fantasia, de certo modo, estava ligada à realidade.

— Como assim? — perguntou, já não mais aparentando a calma de antes.

— Aqui está o seu suco, rapaz.

Damiano voltou os olhos para a porta e viu a simpática governanta trazendo um copo de laranjada em uma bandeja prateada. Agradeceu e, quando voltou novamente o olhar para o local onde a jovem estava, não viu ninguém – o lugar estava vazio. Um arrepio lhe transpassou a espinha e, com o coração batendo cada vez mais rápido, perguntou à governanta:

— Por favor, onde está a moça que estava aqui?

A boa mulher franziu o cenho, sem compreender.

— Moça? Que moça? – questionou, intrigada.

— Uma moça jovem, de roupa branca de renda. Ela estava bem aqui, na minha frente.

O rosto da governanta se tornou surpreso, indecifrável.

— Mas você estava sozinho o tempo todo. Não tinha ninguém aqui com você.

A fita que rodava na cassete, gravando as falas do ambiente, parou, indicando o fim da gravação do primeiro lado. Damiano preferiu ficar calado, mais uma palavra e seria chamado de louco. Porém, não estava satisfeito. Deu um sorriso amarelo para a governanta e a esperou sair. Assim que se vira novamente só, rodou a fita, procurando escutar o que fora registrado, algo para comprovar que não tivera uma ilusão. Ansioso, aproximou a orelha do aparelho, mas tudo que ouvira não fora nada além da sua própria voz.

Cerrou os olhos com força, um tremor percorrendo o seu corpo. Em seus pensamentos, pairava apenas o medo e as dúvidas.

Berlim – Alemanha

O dinheiro agora descansava em suas mãos, dentro de um envelope branco e rechonchudo. Contara e recontara as cédulas diversas vezes para se certificar de que a quantia estava correta e, para sua felicidade, não havia nada errado. Vanya sorriu e, sorrateiramente, adentrou o quarto da mãe adormecida. Com cuidado, abriu a porta do antigo guarda-roupa e guardou o envelope dentro de uma caixa de fotos antigas que lá estava. Deixaria que Laura o descobrisse. Seria uma ótima surpresa.

Voltando ao seu quarto, sentou-se na cama e ficou a olhar o nada iluminado pela fraca luz do abajur. Ainda não tinha sono, poderia ficar acordada mais um pouco, fazendo não sabia o quê. A televisão estava defeituosa, mostrando as imagens em preto e branco; não havia livros novos para ler – poderia até reler, pela milésima vez, a antiga versão de Alice no País das Maravilhas que ganhara quando criança, mas não tinha vontade. Desenhar? Uma boa pedida, quando se tinha paciência para tal. Não, não queria desenhar. A pasta, contudo, estava acima da sua cabeceira, apenas esperando ser pegada. De fato, pegou o objeto – os papéis ali dentro a chamavam para dar vida a uma nova obra-prima. É, poderia até ser. Ligou a cassete do seu pai em um volume baixo, deixando tocar algumas músicas flashback presentes na fita que Otto lhe dera – a nostalgia a inspirava. Abriu a pasta, porém não se deparou logo com uma folha em branco pronta para ser usada. A cópia do seu desenho estava ali, e o rapaz a olhava com os seus olhos tristes.

Aquele olhar a incomodava. Vanya retirou o papel e ficou a analisar o desenho com mais proximidade. Não conseguia entender o porquê da tristeza do jovem, da expressão deprimida e do aspecto cansado – como se ele tivesse nojo do ambiente onde vivia. Vanya sabia, não era da sua imaginação. Ele não era fruto da sua mente, tinha quase plena certeza. Havia saído de outro lugar, de outros sonhos, não dos seus. Mas fora para ela que ele aparecera. Deveria haver algum motivo, alguma razão convicta, mesmo que, aparentemente, não existisse nenhuma.

Duran Duran, com o seu Ordinary World, preenchia o vazio do ambiente – o único barulho que era escutado dentro do pequeno quarto. Entretanto, era como se a música não ressoasse, servindo apenas como trilha sonora para um filme do qual Vanya não sabia que participava. A menina ainda permanecia entretida com o desenho, com as características peculiares do jovem retratado. Gostaria de entendê-lo, se ele lhe permitisse. Porém, sentia que, em partes, o compreendia. Poderia supor que a sua tristeza vinha da falta – aquela vida parecia ser seca. Por que ele a escolhera? Existia uma razão, isso era perceptível, mas Vanya não sabia o que poderia fazer se nem ao menos conhecia a sua existência.

Piscou os olhos rapidamente e várias vezes, irritada consigo mesma. Em que diabos estava pensando? Preocupando-se com alguém que não existia... Estaria maluca? Enfurecida com as próprias atitudes, colocou o desenho novamente dentro da pasta, por trás dos inúmeros papéis limpos e guardou-a na gaveta do criado-mudo. Às vezes, perguntava-se por que precisava ser tão estupidamente sonhadora. Iria acabar em um manicômio daquela maneira. Pensando nisso, desligou a cassete e a luz, iria dormir.

Viver o irreal doía. Amá-lo também.

*

Laura deixou a emoção tomar conta de si e caiu sobre o sofá, arrasada. A carta ainda estava em suas mãos e ela não possuía forças para reler. Tremia, o suor frio lhe escorria pela face, juntamente com as lágrimas. Por sorte, Vanya estava no colégio, não gostava de chorar na frente da filha. A garota sempre se preocupava demais com ela, não seria bom para Vanya, já bastava Laura chorando. Duas seriam demais.

Mas Laura sabia que Vanya também iria sofrer. Seria inevitável. Precisava de uma solução urgente para seu problema. Mais precisamente, uma solução para Vanya. Não poderia deixar a filha sair prejudicada, tampouco intensificar a dor que a menina iria sentir. Pensou no que fazer, mas o nervosismo a impedia de ter qualquer ideia que fosse inteligente o suficiente para resolver sua maior preocupação.

Tentou se acalmar. Respirou fundo e enxugou as lágrimas. Chorar não resolveria nada – não havia volta, precisava se conformar. Justamente quando achava que sua vida se resolvera, aquilo tinha de acontecer para mostrar que não dava para fugir do seu destino. Estava determinado e confirmado, para quê se lamentar? Laura se lembrou de todos os fatos de sua vida nos últimos dezoito anos. Havia sido difícil, sofrera muito, suportara tudo calada. Perdas seguidas, desilusões, predestinação. Questionara o porquê de tudo aquilo e isso intensificara a dor do seu emocional, piorando a sua crise de choro. Sentia falta de um amigo verdadeiro para abraçar, coisa que não tinha desde que chegara à Alemanha.

Laura parou de pensar por um instante ao perceber o que havia lhe passado pela cabeça. Era a sua chance! Tentou se acalmar e correu em direção ao telefone público que ficava próximo à sua casa. Levou um cartão telefônico ainda carregado e a agenda. Com as trêmulas mãos, procurou desesperadamente o número que iria salvar a vida de Vanya. Sabia o quão cara era uma ligação para outro país, mas agora ela não se importava com o preço. Digitou rapidamente os números e rezou para que a pessoa atendesse do outro lado da linha. Para sua sorte, sua prece fora deferida.

Alô?

— Yooki! – Laura suspirou um pouco aliviada. — É a Laura. Necessito de um favor. Só você pode me ajudar agora.

Iria doer de modo insuportável, mas seria o melhor.

*

A animação estava visível no rosto de Vanya. Seus olhos brilhavam, sua alegria era contagiante e a menina achava motivos para sorrir até mesmo em coisas insignificantes. Sentia-se incrivelmente bem, como há um bom tempo não se sentia. Perguntava-se se a mãe já teria encontrado o dinheiro e imaginava a surpresa que ela teria. Sorria só com a imagem satisfeita e emocionada de Laura projetada em sua mente. E toda essa alegria graças ao seu árduo trabalho! Estava deveras satisfeita.

Ao voltar da escola, Vanya entrou em casa apressada, esperando veementemente encontrar a mãe estática e com o dinheiro nas mãos. Já podia ver seu rosto surpreso e as lágrimas de felicidade brotando de seus olhos.

No entanto, não fora essa imagem feliz da mãe que Vanya viu ao entrar na pequena sala.

Laura estava sentada no sofá, com as mãos cruzadas apoiando a cabeça, os olhos marejados por lágrimas, mas não por algum motivo aparentemente bom. Seu rosto vermelho estava visivelmente preocupado, percebido também pelas intensas olheiras que, há poucas horas, não existiam.

Olheiras essas que foram resultado de um dia inteiro aos prantos.

— Ei, Dona Laura! – Vanya correu para onde a mãe estava, ficando de joelhos à sua frente, preocupada. — O que aconteceu? – perguntou, passando a mão pelo rosto da mãe.

— Vanya! – Laura assustou-se ao ver a filha ali. Enxugou o rosto rapidamente, tirando a mão da menina e sorrindo em seguida. — Não é nada, querida!

— Como nada? Eu chego aqui, te encontro num rio de lágrimas e isso não é nada?

— Só estava pensando no seu pai, só isso. Me lembrei dos nossos momentos felizes e acabei me emocionando. – foi a melhor desculpa que Laura encontrou. Não poderia contar a Vanya ainda. — Agora vá tomar um banho, que eu só vou ao quarto e já volto para nós jantarmos.

Laura saiu da sala e correu para o quarto, deixando uma Vanya sozinha, confusa e sem explicações convincentes.

*

Entrou na sala com relevos em vinho e preto, satisfeito, feliz, sorridente como não era há muito tempo. Carregava consigo um rolo de papel na mão, pegando tudo de maneira cuidadosa, para não amassar ou danificar. Assim que chegou, colocou-o em cima de uma mesa, sentando-se logo em seguida na poltrona vermelha e pedindo vinho. A criada, a sua fiel criada – uma pequena menina, cabelos longos e ruivos, pele sardenta, olhos opacos –, antes mesmo de atender a vontade de seu amo, notou o conteúdo da mesa, assim como percebeu o estranho humor do seu senhor. Não conseguiu segurar a pergunta:

— Outro, senhor?

— Outro, Claire. Mas deu certo, dessa vez deu certo.

— Tem certeza, senhor? O senhor o encontrou? Não é mais um engano? – embora a sua voz tentasse demonstrar espanto, sua expressão e suas palavras eram vazias.

— Absoluta, Claire! – e ele sorriu, deixando à mostra os seus pontudos dentes. — E não é ele. É uma menina, e uma menina na flor da idade.

— Como o senhor sabe, amo?

E o sorriso tornou-se mais perigoso.

— Por causa do nosso contrato.

São Paulo – Brasil

Arfando, Damiano se levantou bruscamente da cama. Outro sonho, sendo esse, dessa vez, ruim. A menina agora estava sozinha, chorava incessantemente, e ele nada poderia fazer para ajudá-la: estavam separados por uma barreira invisível, a qual Damiano não conseguiria atravessar. Ele tentava chamar sua atenção, batendo ininterruptamente contra uma espécie de vidro, mas, contudo, ela parecia não o escutar. O seu sofrimento em demasia e a sua dor a impediam de ver o jovem tentando se comunicar.

Perturbado com o pesadelo, Damiano cambaleou até a cozinha para beber um copo de água. Olhou para o relógio. Eram três horas da manhã, em ponto. Engoliu o líquido de uma só vez e se dirigiu à janela para pegar um pouco de ar fresco. Usava somente uma bermuda, odiava dormir com blusa quando estava calor.

Ao sentir o vento tocar seu rosto suado, teve uma sensação ruim. Lembrou-se da visão que tivera horas antes, com a mulher-fantasma na casa da professora. “Eu sei que sonhos parecem ser besteira para você, mas nem sempre são. Dê um pouco mais de atenção aos seus, eles querem te mostrar algo”. A frase não saía da sua mente, atormentava-lhe os pensamentos, agonizava-o. No entanto, talvez ela estivesse certa. No fundo, mesmo tentando se convencer do contrário, algo lhe dizia que a moça dos seus sonhos, de fato, existia, e que ele deveria correr atrás dela o mais rápido possível. Como se ela fosse passar por um terrível sofrimento, uma decepção inevitável.

Queria fazer algo por aquela menina, mesmo sem saber o que e sem acreditar fielmente em sua existência. Por hora, preferia apenas não pensar.

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