Berlim – Alemanha
— Acho melhor você ir atrás dele, Vanya.
Vanya olhou mais uma vez os rostos presentes na pequena e fúnebre sala. Otto tinha os olhos fixos em sua figura, tentando lhe transmitir força; os de Dieter, ao contrário, estavam molhados e sem foco – e seu nariz, vermelho. Maik, com a cabeça baixa, escondia a tristeza por detrás dos fios negros do seu cabelo liso. Nunca pudera imaginar encontrá-los em tão intensa melancolia.
— Acho que ele não está a fim de falar comigo. – falou, mordendo o lábio, tentando recuar da tarefa.
— É agora que ele mais te quer perto. – Otto pousou a mão gigante no ombro da amiga.
Ela lançou o último olhar e, ainda incerta, saiu do pequenino cômodo, rumo à noite fria. Fora da casa, viu pessoas conversa
Não teve dúvidas quando avistou a menina de longas e pseudovermelhas tranças sentada no banco da ala de desembarque. Embora a placa indicasse que era realmente ela, nada seria mais confirmador do que as roupas masculinas e surradas que vestia – uma calça jeans recheada por bolsos e uma blusa listrada escondida por um casaco negro, o conjunto incrivelmente maior que o seu aparente corpo franzino. Pegou a foto que guardava no bolso da jaqueta, gostava de ter certeza sobre tudo. De fato, era ela – mesmo que em uma versão mais crescida do que aquela apresentada na fotografia. Aproximou-se, ela não o notou – estava entretida olhando desenhos. Chamou-a, sendo prontamente respondido pelo gesto com a cabeça.Era tão bonitinha! Mesmo vestida com roupas que não condiziam com o seu rosto delicado, ainda possuía uma fisionomia angelical. Tal e qual Laura quando mais jovem.— Willkomme
Observando o panfleto, Vanya tentava pronunciar o nome do bairro para o qual se encaminhavam: LIBERDADE. Não se incomodava com os olhares curiosos e repreensivos que alguns dos presentes no metrô lotado lhe jogavam – ninguém ali participava da sua vida ou conhecia as suas necessidades para repreendê-la de algo. Yooki a observava, divertindo-se com o seu sotaque cômico e com a sua dificuldade em falar o português. Nada dizia sobre a atitude da prima, nem mesmo a ajudava a falar a palavra. Limitava-se apenas a dar um largo sorriso, a menina era empenhada. Preferiu continuar quieto. Acreditava ser importante Vanya ir treinando, sozinha, a nova língua.— Não consigo falar. – disse a menina, exausta.— Calma, tudo é questão de prática. Você chegou ontem, esqueceu? Não dá para aprender português da noite para o dia.— Isso é
Esfregou os olhos e acendeu mais um cigarro – o terceiro em uma hora e meia. O papel estava em uma das mãos, o cigarro na outra, mas seus olhos estavam voltados unicamente para a letra garranchada que sujava a brancura da folha. Releu, em voz alta.Continuava na estaca zero, não havia nenhuma melodia que ficasse boa naquela letra. Por que o poema estava incompleto? Kazuo não deixou nada que o ajudasse nessa tarefa, dizendo apenas um Termina aí a nossa balada. Como se fosse fácil! Além de obrigá-lo a construir a sonoridade melódica, ainda lhe impunha terminar a letra. Aquele maldito sabia o quão difícil era para ele escrever uma música de amor – já que Damiano não o conhecera como deveria.Pousou o papel sobre a mesa e foi para a minúscula varanda, observar a noite – um dos raros sábados em que ficava em casa àquela hora. Deu uma lon
Olhava-se com estranheza no espelho. Deslizou mais uma vez a mão pelos seus lisos fios – que antes acabava em sua cintura e agora estava um pouco acima dos seus ombros –, o castanho natural de volta, nenhum resquício do vermelho desbotado. Sorriu. Era estranho passar a mão por algo tão curto. Uma larga faixa de cabelo corria por seu cenho, em direção a seus olhos, quase os cobrindo. A franja que ali estava até que ficara bonitinha, assim como a permanência de duas mechas finas que ladeavam seu rosto e que se destacavam pelo comprimento intermediário. No final, não estava tão feia. Sentia-se nova, embora, às vezes, pensasse que a imagem refletida não era ela mesma. Porém, saber que estava enganada lhe dava segurança.Deitou-se na cama. Todos os músculos do seu corpo doíam e suas pálpebras pesavam. Apagando a luz do abajur, virou-se para o out
Os dois homens que adentraram o camarim puseram fim aos abraços, congratulações e às comemorações que a banda, a estilista e os amigos faziam. O grupo se voltou para a dupla recém-chegada. O nervosismo predominava. O homem louro sorriu.— Podemos entrar? – perguntou.Não houve discordância por parte de ninguém. O mesmo homem fechou a porta.— Pessoal – começou, animado —, antes de dar quaisquer parabéns pela excelente apresentação, gostaria muito que escutassem algumas palavras do meu amigo Yooki. Ele é professor de música e a pessoa em quem mais confio. Por isso, o trouxe até aqui. – ele se voltara para o acompanhante. — Yooki?O outro homem deu um passo à frente. A ansiedade do grupo piorou.— Em primeiro lugar – disse, após cumprimentar o grupo —, devo dize
A vista para a praia era indescritível. Podia calmamente escutar o barulho das ondas com os olhos fechados e ter a certeza de que não estava sonhando. Ansiava pela tarde; desejava veementemente descer e pisar, de pés descalços, a areia; correr propositalmente da água do mar; ver o pôr-do-sol. Não conseguia sair daquela varanda, por mais que quisesse – a praia tinha força para mantê-la presa ali.— Vamos almoçar?O convite era irrecusável, visto que estava com o estômago contorcido de fome. Saíram todos que estavam na casa para um restaurante perto da praia. Depois de tanto tempo, finalmente veria o mar! A ansiedade era praticamente incontrolável. Três dias com a praia. E, o mais especial: o primeiro ano novo ali, sentada na areia, vendo os fogos queimarem no céu e refletirem o brilho na massa de água do oceano. Precisava agradecer a Yooki o qua
3 DE JANEIRO – 2008Quando a quarta-feira chegou, ainda sentia os sintomas da viagem. O corpo continuava dolorido, a cabeça latejava – embora com menor intensidade. As ideias também estavam confusas, mas ele preferia simplesmente não lembrar nada e não tentar entender o fato ocorrido na virada do ano. Corria o risco de ficar mais louco do que já achava estar.— Até que enfim! Achei que não viria mais!Kazuo estava sentado no chão, olhando para ele impaciente. Já havia ligado mais de sete vezes para o seu celular, esquecendo completamente o fato de que Damiano ainda dirigia uma moto e não havia como atendê-lo.— Você está com uma cara boa. – comentou o guitarrista com amargura, quando o amigo subiu na moto.— E você com uma cara péssima. – completou o vocalista, ajustando
SEGUNDA SEMANA DE FEVEREIRO – 2008— E você não sabe o que fazer?Kazuo estava retraído, como um pequeno menino esperando a repreensão dos pais. Abaixou a cabeça, apoiou os braços nas coxas e levou as mãos aos cabelos, despenteando-os.— Não! – disse, em uma voz chorosa. — E continuo sem saber! Ela é tão única, linda e... e... e...— Gostosa?— Também! Quero dizer, não! – o nervosismo o fazia confundir as palavras. — Ah, droga, Damiano! Dá para ser menos interrogativo e me dizer o que raios eu preciso fazer?— Ah, vai dizer que nunca teve vontade de segurá-la pelos cabelos?! – o guitarrista depositou o cigarro no cinzeiro. — Mulher não gosta de firula, quer decisão. É pôr o seu