OUTUBRO – 2008
— E uma homenagem à minha amiga Vanya, por estar fazendo um ano da chegada dela da Alemanha!
Os olhares dos outros convidados se voltaram para a menina de blusa branca, coletinho azul escuro, calça de brim preta, sapatilhas vermelhas, cabelo preso em um coque, a pequena franja jogada para o lado e os lábios pintados de vermelho claro. Tímida, Vanya apenas estendeu a latinha de Coca que bebia, não sem antes gritar:
— É só em novembro, Kazuo!
— Daqui a um mês não iremos estar em uma festa como essa! Vamos comemorar hoje e agora!
Palmas vieram dos outros presentes. Um dos guitarristas da Reticências começou, no violão, a introdução de Garota de Berlim, sendo seguido pelos companheiros. Entretanto, Vanya não conseguira manter o olhar fixo em Kazuo quando Damiano, o guitarrista-solo, olhava-
— Maldito! Por que fez isso?A raiva dele enegrecia o ambiente, enchendo-o de ódio. Seus olhos escarlates brilhavam furiosos, mostrando o que todo o seu corpo sentia. Seus dentes pontudos e afiados estavam prontos para atacar uma presa inexistente – embora nunca fossem capazes de atingir o seu adversário, o responsável por aquela raiva descontrolada. O causador da sua desgraça não se importava com o acesso de ódio que se desencadeava à sua frente. Mesmo que houvesse inúmeros ataques, nada o faria reverter a situação.— Se eu não o fizesse, você colocaria o mundo em risco! – proferiu firmemente. — Não percebe o mal que causaria? Não pode quebrar a ordem já existente!Nojento.— Pois saiba que, se preciso, irei até o inferno à procura do escolhido! – ameaçou o Maldito, col&ea
As folhas secas e caídas no chão faziam um barulho ensurdecedor quando eram pisadas. Era estranho ainda existirem folhas naquele lugar quando o inverno já estava tão avançado e rigoroso. A neve não parava de cair, e o frio era tão intenso que a garota sentia cada parte do seu corpo congelar. Onde realmente estava?A única coisa que se via eram árvores secas, brancas por causa da neve e espalhadas por todo lado. O céu estava cinza devido à intensa névoa, e o lugar deserto. Estava com medo e confusa. O silêncio sepulcral era cortado unicamente pelo barulho do seu coração – não se ouvia nenhum outro ruído. Um súbito desespero se apoderou dela. “O que era tudo aquilo? Onde estava a saída?”Andar tornou-se uma difícil atividade naquele instante.
Havia somente dois momentos em que a tonalidade do céu se tornava a mesma e era impossível determinar as horas. Estava amanhecendo ou anoitecendo? Ele não sabia. A única coisa da qual tinha certeza era que a parcial escuridão não cessava, como se o tempo houvesse congelado.Somente a fraca chama de uma vela iluminava o caminho por onde passava. A floresta era densa; as árvores, longas e negras; o trajeto, difícil, tortuoso; e a umidade local se fazia sentir com facilidade. Por quanto tempo estava andando? O que procurava? Por que estava ali? Não possuía a resposta para nenhuma dessas perguntas. Sentia apenas que deveria continuar caminhando.Por fim, encontrou a possível saída da floresta. Logo ele se viu em um campo aberto, ladeado por imensas árvores. E, no meio do campo, estava ela, sentada em cima de uma grande pedra, olhando fixamente para ele. Durante
Berlim – AlemanhaSó faltava mais uma semana e Vanya já entrava em desespero crônico. O prazo estava vencendo, tinha somente mais sete dias. Um mês não precisava passar tão depressa! Bem que um dia poderia ter trinta horas, ao invés de vinte e quatro – doze para manhã e dezoito para a noite. Essa sim deveria ser mais longa.— Desencane, ogrinha! Esse cara nunca vai sair do papel! É mais fácil esperar o Karl virar homem!A voz de Maik era irônica e provocativa – não valia a pena rebater a brincadeira. Desse modo, Vanya preferiu apenas lhe mostrar o dedo médio da sua mão esquerda, perfeito para ser usado em momentos como aquele. Ainda assim, escutou risinhos por parte dos amigos – Dieter havia se juntado ao outro rapaz. Crianças.Cansada, Vanya se levantou, limpando o jeans sujo pelos farelos da
São Paulo – Brasil— Pois não?— Bom dia, senhora. Eu sou Damiano Guerra, o estudante universitário do curso de Letras que agendou uma entrevista com a professora Maria Adelaide para um seminário. Por gentileza, ela se encontra?— Ah, sim, o estudante universitário... Me perdoe por não o reconhecer logo. Entre, por favor.Damiano agradeceu e, pedindo licença, entrou na mansão da requisitada psicopedagoga. Sentiu-se envergonhado, demasiadamente humilde para estar em uma casa de tal elegância e dimensão. Havia sido muita sorte conseguir uma entrevista com a professora, sabia o quão ela era importante – fato percebido principalmente pela rica arquitetura do seu lar. Respirando fundo e expirando rapidamente, preferiu não ficar analisando maiores detalhes da casa. Mais um pouco e ficaria completamente desconcertado.— Po
Berlim – AlemanhaO comunicado chegou seco, frio e inesperado.— Precisamos conversar, Vanya.Vanya sabia que algo estava errado. Uma semana se passara desde a venda do desenho e Laura ainda não havia encontrado o dinheiro. Além disso, andava estranha, triste, com uma expressão aflita que nunca lhe pertencera e agindo de modo igualmente sem nexo. Costumava passar o dia fora e voltava para casa quase de madrugada. Vanya já havia perguntado várias vezes o que estava acontecendo de anormal, mas a mãe nunca respondia. Dizia que tudo estava bem, sorria e logo mudava de assunto. Porém, Laura não convencia e tampouco enganava a filha. Vanya ainda tentou, várias vezes, descobrir a anomalia, porém não conseguiu nenhuma desculpa, por mais absurda que fosse. A solução era ter de se contentar com o silêncio – insu
Berlim – Alemanha— Acho melhor você ir atrás dele, Vanya.Vanya olhou mais uma vez os rostos presentes na pequena e fúnebre sala. Otto tinha os olhos fixos em sua figura, tentando lhe transmitir força; os de Dieter, ao contrário, estavam molhados e sem foco – e seu nariz, vermelho. Maik, com a cabeça baixa, escondia a tristeza por detrás dos fios negros do seu cabelo liso. Nunca pudera imaginar encontrá-los em tão intensa melancolia.— Acho que ele não está a fim de falar comigo. – falou, mordendo o lábio, tentando recuar da tarefa.— É agora que ele mais te quer perto. – Otto pousou a mão gigante no ombro da amiga.Ela lançou o último olhar e, ainda incerta, saiu do pequenino cômodo, rumo à noite fria. Fora da casa, viu pessoas conversa
Não teve dúvidas quando avistou a menina de longas e pseudovermelhas tranças sentada no banco da ala de desembarque. Embora a placa indicasse que era realmente ela, nada seria mais confirmador do que as roupas masculinas e surradas que vestia – uma calça jeans recheada por bolsos e uma blusa listrada escondida por um casaco negro, o conjunto incrivelmente maior que o seu aparente corpo franzino. Pegou a foto que guardava no bolso da jaqueta, gostava de ter certeza sobre tudo. De fato, era ela – mesmo que em uma versão mais crescida do que aquela apresentada na fotografia. Aproximou-se, ela não o notou – estava entretida olhando desenhos. Chamou-a, sendo prontamente respondido pelo gesto com a cabeça.Era tão bonitinha! Mesmo vestida com roupas que não condiziam com o seu rosto delicado, ainda possuía uma fisionomia angelical. Tal e qual Laura quando mais jovem.— Willkomme