O som contínuo dos motores do avião preenchia o ambiente com uma calmaria quase hipnotizante. Isabele olhava pela pequena janela, vendo as luzes de Florianópolis desaparecerem ao longe enquanto o avião se afastava da cidade que havia sido sua casa nos últimos anos. Seu coração estava inquieto, mas ela tentava se concentrar no presente.
Ao seu lado, Davi dormia profundamente. O pequeno menino de 6 anos estava enrolado em uma coberta, e o rosto sereno exibia um leve sorriso. Isabele não conseguiu evitar um sorriso ao observá-lo. Ele era sua razão de viver, o motivo pelo qual ela enfrentara tantas dificuldades e superara tantos obstáculos. Ela passou os dedos delicadamente pelos cabelos macios do filho, sentindo uma mistura de amor e orgulho inundá-la. Davi era tudo para ela. Sempre fora. Mesmo quando tudo parecia perdido, ele tinha sido a luz que a guiara. Mas voltar a São Paulo trazia lembranças que ela preferia esquecer. Isabele fechou os olhos e deixou que as memórias a envolvessem, uma mistura de dor e saudade. Fazia anos desde que deixara a cidade. Tinha apenas 18 anos quando partiu, uma garota ferida e humilhada, carregando um segredo que mudou sua vida para sempre. Aquele ano parecia promissor. Ela era uma aluna exemplar, sempre focada nos estudos, determinada a se tornar médica. Mas também era solitária. Sua timidez a afastava das pessoas, e a convivência com um pai ausente e cruel só piorava sua insegurança. O aniversário de 21 anos de Álvaro mudou tudo. Ele era o garoto mais popular da escola, o tipo de pessoa que todos queriam ao redor. E, por algum motivo inexplicável, ele começou a notar Isabele. No início, ela desconfiava. Por que alguém como ele se interessaria por alguém como ela? Mas Álvaro era insistente. Ele a elogiava, a fazia rir, enviava bilhetes engraçados durante as aulas. Pouco a pouco, Isabele permitiu que ele se aproximasse. Contra todas as suas expectativas, ela se apaixonou. Naquela noite especial, ele a levou a um dos hotéis luxuosos da família dele, dizendo que queria passar um momento só deles. Isabele, tímida e ingênua, acreditou que estava vivendo algo mágico. Pela primeira vez, sentiu-se especial, desejada. E, naquela noite, entregou-se a ele. A manhã seguinte, no entanto, foi um pesadelo. Ao chegar à escola, percebeu que algo estava errado. Risos abafados, olhares de escárnio, cochichos que pareciam persegui-la. Quando descobriu que um vídeo dela com Álvaro havia sido compartilhado entre os alunos, Isabele sentiu como se o mundo tivesse desabado. Ele tentou se explicar, dizendo que não sabia como aquilo acontecera, que nunca quis machucá-la. Mas, para ela, nada daquilo importava. A dor era insuportável, a humilhação, devastadora. De volta ao presente, Isabele abriu os olhos, tentando afastar a lembrança. Ela havia superado aquilo, ou pelo menos era o que tentava acreditar. Deixara São Paulo pouco tempo depois, com a ajuda de sua mãe, que sempre fora seu porto seguro. Foram anos difíceis, mas ela havia reconstruído sua vida, se formado em medicina e se tornado uma pediatra respeitada. Agora, aos 24 anos, era uma mulher forte, mas ainda carregava as cicatrizes daquele passado. Voltar à cidade que tanto a magoara era como abrir uma ferida antiga. Ela olhou para Davi mais uma vez, e seu coração se aqueceu. Ele era a única coisa boa que havia saído daquele período sombrio de sua vida. Quando descobriu que estava grávida, meses após deixar São Paulo, sentiu medo, mas também uma força que nunca imaginou ter. Davi era seu milagre, sua redenção. Isabele respirou fundo. Estava voltando para São Paulo a pedido de sua mãe, que praticamente implorara para que ela comparecesse ao casamento. Embora relutante, sabia que devia isso à mulher que sempre esteve ao seu lado. Ainda assim, a ideia de reencontrar lugares e rostos que faziam parte de um passado que ela preferia esquecer a deixava ansiosa. Mas agora era diferente. Ela não era mais a menina tímida e insegura de anos atrás. Era uma mulher determinada, uma mãe dedicada, uma profissional admirada. Enquanto o avião começava sua descida, Isabele sentiu uma mistura de emoções. Medo, nostalgia, expectativa. Mas, acima de tudo, sentiu-se pronta para enfrentar o que quer que a esperasse. Afinal, ela não estava sozinha. Tinha Davi ao seu lado, e ele era toda a força que ela precisava. O ar de São Paulo parecia mais pesado do que Isabele se lembrava. Assim que desceu do táxi em frente à casa de sua mãe, um misto de nostalgia e tensão tomou conta de seu peito. Davi, curioso com o movimento da rua, segurava sua mão enquanto olhava ao redor com seus grandes olhos azuis.. Ele era a própria imagem da inocência, alheio ao turbilhão de sentimentos que fervilhava dentro dela. A casa não havia mudado muito, exceto por pequenos detalhes. A pintura nova, flores coloridas no jardim e a fachada mais bem cuidada indicavam que sua mãe havia encontrado motivos para recomeçar. Isabele respirou fundo e tocou a campainha.A porta se abriu quase imediatamente, e sua mãe, com um sorriso largo e olhos marejados, a recebeu com um abraço caloroso.— Minha filha! Que saudade! — disse ela, apertando Isabele com força. Depois, abaixou-se para encarar Davi, que, tímido, se escondia atrás da mãe.— E você, meu príncipe, ficou ainda mais lindo! Desde que a vovó te viu a última vez, quando estava em Floripa, era apenas um bebezinho, agora está um lindo rapazinho.Davi sorriu timidamente, permitindo que a avó o abraçasse. Isabele observou a cena com um aperto no peito. Apesar de tudo, era bom estar de volta ao lado de sua mãe.Depois de um tempo conversando e desfazendo as malas, sua mãe sugeriu:— Vamos sair para jantar? Quero que conheça meu noivo e o filho dele. Eles estão nos esperando em um restaurante maravilhoso.O restaurante era elegante, com seu ar sofisticado e acolhedor, como se cada detalhe tivesse sido pensado para criar uma experiência inesquecível. Isabele estava sentada ao lado de sua mãe, Angélica
Ela olhou rapidamente para a mãe, percebendo o sorriso curioso no rosto dela. Gabriel também ergueu uma sobrancelha, interessado. — É verdade? — Gabriel perguntou, olhando de Isabele para Álvaro, que estava sentado do outro lado da mesa. Álvaro abriu a boca para responder, mas Isabele foi mais rápida. — Sim, nos conhecemos... há muito tempo. — Ela tentou soar casual, mas a tensão em sua voz era evidente. Álvaro inclinou a cabeça, surpreso, e antes que pudesse questionar, Isabele continuou: — Foi na minha ida para Florianópolis. Na época, embarcamos no mesmo avião. Ele estava indo para lá, assim como eu. Ela lançou um olhar firme a Álvaro, como se implorasse para que ele confirmasse sua mentira. Houve um momento de silêncio. Álvaro arqueou uma sobrancelha, claramente confuso, mas logo pareceu entender que ela estava tentando evitar algo. — Ah, claro, minha ida para Florianópolis. Foi isso mesmo. Sua voz era baixa e controlada, mas havia uma ponta de curiosidade que ele não con
Álvaro passou a mão pelos cabelos, visivelmente frustrado, como se buscasse palavras para se fazer entender. Sua voz começou baixa, quase hesitante:— Eu sempre pensei que havia contado à sua mãe o nome do canalha que fez isso com você. Nesse caso, eu... sabia que não tinha como ela saber isso sem ser através de você, já que eu fiz de tudo para nunca ser apresentado a ela na época, porque, infelizmente, fazia parte do meu plano nunca levar você a sério, e conhecer sua família era algo muito comprometedor.Confessou ele, muito envergonhado e arrependido do que fez.Ele respirou fundo, os olhos carregados de mágoa e indignação enquanto continuava, sua voz agora firme, mas carregada de tensão:— Mas não estou falando sobre ter compartilhado o vídeo com aqueles idiotas daquela época.Sua expressão endureceu por um momento, mas logo deu lugar a algo mais vulnerável. Ele abaixou o olhar, como se as palavras fossem um peso que ele tinha que carregar:— O que admito que fiz foi essa maldita a
— Não sei por que, Isabele, mas não acredito em você. O olhar penetrante de Álvaro parecia despir suas mentiras. A descrença em sua voz carregava uma certeza desconcertante que fez o estômago de Isabele revirar. — A que você se refere? Pode me dizer? — Estou me referindo à história que você acabou de me contar. A mentirosa aqui é você. Porque aquele garotinho me lembra muito de mim quando tinha a mesma idade dele. Ele tem os meus olhos. Aliás, a sua idade "b**e" exatamente com os anos desde aquela noite. Eu acredito que estava tão nervoso, devido ao desejo e à paixão que sentia por você, que acabei colocando o preservativo às pressas e ele estourou. As palavras de Álvaro foram como facas, cortando a fachada de Isabele. Ela sentiu o medo crescer, mas forçou um sorriso frio e continuou a mentir, determinada a manter a verdade escondida. — Eu disse a mais pura verdade. E para que se convença de uma vez, vou ser ainda mais sincera: Sua voz não tremia, mas por dentro, Isabele sentia
Ela fechou os olhos por um instante, tentando controlar as emoções que a consumiam. Respirou fundo e abriu a porta, encontrando o olhar preocupado da mãe. — Está tudo bem, mãe. Já estou saindo — disse ela, tentando manter a voz firme, apesar da confusão de sentimentos que sentia. — Tudo bem, querida. Vou voltar para junto do Gabriel e da Júlia, que, pelo jeito, também está preocupada com o sumiço do Álvaro. Não se demore. Estamos aguardando você. — disse sua mãe, saindo em seguida, sem desconfiar de nada do que estava acontecendo naquele banheiro. sabele esperou até que os passos da mãe desaparecessem pelo corredor antes de se virar para encarar Álvaro. Ele estava parado, os olhos cravados nela com uma intensidade sufocante, como se pudesse enxergar até os recônditos mais profundos de sua alma. — Isso nunca mais vai acontecer, Álvaro — declarou ela com firmeza, mesmo que, por dentro, tremesse. — Você pode acreditar no que quiser, mas, para mim, você é um erro do passado que e
Isabele voltou para a mesa com passos firmes, tentando conter a tempestade de emoções que Álvaro despertara nela. Seu coração ainda pulsava descompassado, e seus lábios, apesar de sua resistência, ainda sentiam o gosto do beijo roubado. Ela inspirou profundamente, ergueu o queixo e forçou um sorriso ao se sentar novamente. Davi, seu filho de quatro anos, esfregava os olhinhos sonolentos, encostando a cabeça em seu braço. Ela aproveitou aquela oportunidade para se recompor, deslizando os dedos pelos cabelos dele com carinho. — Mamãe... tô com sono... — murmurou o menino, a voz arrastada. Isabele sorriu, aliviada por ter uma desculpa perfeita para sair dali. Ela olhou para a mãe, Angélica, que conversava animadamente com o pai de Álvaro. — Mãe, acho melhor eu ir embora. Davi está exausto — disse, mantendo a voz calma, embora sua mente ainda estivesse um caos. Angélica olhou para o neto com ternura e assentiu. — Claro, querida. Mas você não vai pegar um táxi sozinha essa hora,
Júlia respirou fundo, irritada, mas forçou um sorriso ao se despedir, lançando um olhar afiado para Isabele antes de sair. Isabele observou tudo em silêncio, tentando manter o coração firme. Enquanto caminhavam até o carro, ela manteve a distância de Álvaro, mas não conseguiu evitar que sua mente se enchesse de lembranças do passado. Lembranças que ela queria esquecer... mas que ele insistia em trazer à tona. Dentro do carro, o silêncio entre eles era pesado, quase sufocante. O único som era a respiração suave de Davi, adormecido no banco de trás. Isabele mantinha o olhar fixo na janela, observando as luzes da cidade passarem como borrões diante de seus olhos. Ainda sentia o cheiro de Álvaro, tão próximo, preenchendo o espaço apertado do carro. A presença dele era uma tortura silenciosa, despertando lembranças que ela se forçara a enterrar. Álvaro, com uma mão firme no volante, a observava pelo canto do olho. Havia uma tensão latente em seu corpo, um misto de frustração e desejo c
Álvaro ergueu uma sobrancelha, os lábios se curvando em um sorriso sutil, aquele mesmo sorriso que fazia o coração dela vacilar. — Não duvido disso, Isa. Mas ele está dormindo tão tranquilo... deixa que eu o levo. Ela sabia que discutir seria inútil e seria inútil também lhe pedir para que não a chamasse de Isa, um apelido que ele lhe dera quando namoravam. Ela achou que eles eram um casal de namorados apaixonados, mas, na verdade, a única verdadeiramente apaixonada era ela. Álvaro sempre teve esse jeito teimoso, e naquele momento, a exaustão da viagem e o peso emocional da noite a impediram de insistir. Apenas assentiu e caminhou à frente, destrancando a porta e conduzindo-o até seu antigo quarto. Álvaro entrou com passos cuidadosos, deitando Davi na pequena cama e ajeitando os cobertores sobre ele com um gesto surpreendentemente gentil. Isabele ficou parada na porta, observando em silêncio. Era quase surreal vê-lo ali, naquele espaço tão familiar para ela, mas tão distante da