02

ALANA NARRANDO

Mantenho meus braços cruzados, mostrando minha insatisfação. Estou triste e decepcionada com tudo, mas ao mesmo tempo, não consigo raciocinar. Estou estarrecida de dor. É um sentimento intenso, coisa que nunca tive antes.

Hanner vez ou outra me olha como se estivesse me avaliando. Está dando um preço pra mim?

— Olha... — Hanner rompeu o silêncio mais uma vez. — Não quero seu mal, menina.

Meus olhos pousaram sobre a mão dele, tatuada. Parecia um tigre. A verdade é que ele tem tantas tatuagens que não posso contar. Seus braços são fortes, e a regata evidencia todas elas. Ele é um homem branco, alto, ombros largos e pernas bem fortes. Por algum motivo pensei que devia ter um tanquinho tatuado embaixo da camiseta. Acho que o sol está tão forte que estou delirando.

— Estou com muito calor. Muito calor mesmo. — Avisei.

— Está se sentindo mal? — Concordei com a cabeça. — Tenho água no porta-malas. Vou estacionar no acostamento.

Ele logo entrou no acostamento e parou o carro. Eu tirei o cinto e desci também, fui até a grama após o acostamento e vomitei. Quando está muito quente, eu passo muito mal e acabo vomitando.

— Droga. — Resmunguei.

— Está aqui. — Ele trouxe uma garrafa térmica com água gelada, serviu em um copo de plástico e me entregou. — Beba.

Eu tomei a água. Depois, caminhei até a sombra da árvore mais próxima e me sentei. Ele veio até mim, se sentou ao meu lado e me olhou como se me analisasse.

— Não me olhe assim. — Pedi.

— Quer descansar um pouco? Podemos ficar aqui por uma meia hora até você se sentir melhor. — Eu abracei minhas pernas e escondi o rosto.

— Sim. Eu estou passando muito mal.

Hanner se levantou e removeu a camiseta. Eu tinha razão, ele tem um tanquinho. Quantos anos será que ele tem? Trinta? Trinta e cinco, talvez? Eu estou delirando mesmo, é a única explicação para esse tipo de pensamento.

— Quer comer algo? — Perguntou.

— Não... Estou enjoada, mas obrigada.

— Está calor mesmo. Estou exausto também, menina. — Ele colocou a camiseta no ombro e foi voltando até o carro. Abriu o porta-malas e tirou um sanduíche de um saco plástico e começou a comer.

— Ei! O que você está comendo? — Questionei e ele me olhou prontamente de perto do porta-malas.

— Sanduíche de pasta de amendoim e geleia.

— Me dá um, vai... — Eu estava com fome, talvez o enjoo venha disso.

Ele trouxe um sanduíche para mim e também trouxe o garrafão de água mais uma vez. Se sentou do meu lado e comemos juntos.

— Tenho mais uns cinco no carro.

— Por que você tem tantos sanduíches no seu porta-malas? — Ele riu da minha cara.

— Acha que tenho tempo para ficar parando e comendo por aí? Não tenho.

— Não sente falta de comida de verdade? Frango grelhado, arroz com batatas... — Ele suspirou de forma pesada.

— É claro que eu sinto. Mas minhas obrigações vêm em primeiro lugar. — Girei meus olhos.

— Quantos anos você tem? Trinta? Sempre foi um cara cruel ou virou por necessidade? — Ele caiu na gargalhada.

— Você tá achando que eu sou o lobo-mau? — Ele ria da minha cara. Uma gargalhada masculina com deboche, mas ele tem um sorriso bonito. É a primeira vez que o vejo. — Eu não fico sendo táxi de mocinhas como você, Alana. Teu pai é um idiota e te entregou para a máfia como um favor. É a primeira vez que um homem aceita entregar a filha. Isso nunca aconteceu antes.

— E meu pai foi o diferentão. — Ele concordou com a cabeça. — Eu preferia ter morrido.. Mas agora que você me disse exatamente o que ele fez, acho que só ele merece morrer.

— É, ele foi meio sem escrúpulos. Como disse, eu não tenho culpa, apenas faço o trabalho sujo de pegar do ponto A e levar ao ponto B. Por mim, teria resolvido de outra forma. Mas trinta milhões é muito dinheiro. — Arregalei os olhos.

— Trinta milhões? Onde ele enfiou todo esse dinheiro? — Ele respirou fundo.

— Não faço ideia. Ele diz que investiu em empresas e levou golpes... Mas ninguém some com trinta milhões assim. Na minha opinião, ele torrou tudo. — Eu continuava abraçada em minhas pernas. Minha cabeça melhorou, e eu já não estava tão enjoada.

— Olha... Me fala uma coisa. O que exatamente vai acontecer comigo? Eu estou aqui, me fazendo de forte, mas eu estou assustada. Não sei se você entende, mas eu nunca estive com nenhum homem, entende? — Senti meus olhos lacrimejarem.

Durante toda minha vida, ouvi que eu devia me guardar para o homem que eu amasse, e eu estava cumprindo isso. Meu pai dizia que sexo era apenas depois do casamento, e que se eu descumprisse isso, estaria indo contra a vontade dele e de Deus. No final das contas, eu acho que o único deus na vida dele é ele mesmo. E eu espero que o verdadeiro Deus me proteja de todo mal que vier a me acontecer.

— Você quer mesmo saber? — Ele olhou para o carro. Suspirou de forma pesada.

— Quero. — Acho que ele está receoso de falar.

— Irão te tratar como uma verdadeira princesa, você receberá tratamentos estéticos e médicos... E então, você irá ser escolhida por algum deles, para ser esposa. Se tiver sorte, um homem bom irá te escolher e bom, se você obedecer e tratar o homem bem e o deixá-lo feliz, será uma mulher feliz também. É como um casamento arranjado, entende? Só que o homem que te escolher, terá poder sobre você. E eu espero que alguém legal te escolha.

— Por que você não me ajuda a fugir? Você não me parece um homem malvado. — Ele riu da minha cara e se levantou. Ofereceu a mão para que eu levantasse e eu a peguei.

— Eu já matei muita gente. Tem certeza que não sou um homem malvado só porque te dei um sanduíche? — Ele sorriu de forma maliciosa. Eu engoli seco.

— Eu acho melhor eu ficar quieta. — Ele concordou com a cabeça.

— Também acho.

Fomos até o carro. Ele fechou o porta-malas e colocou a camiseta de novo, sentou no banco do motorista e eu cruzei os braços. Ele bufou. De novo, ele colocou o cinto em mim, com certa brutalidade. E agora, eu girei os olhos e resmunguei.

Eu queria mais informações. Não consigo controlar minha ansiedade. Talvez eu queira me preparar psicologicamente para tudo isso, não sei.

— Você sabe quem serão os possíveis maridos para mim? Tipo... Se eles são pessoas ruins? — Ele ficou quieto por alguns instantes. — Eu meio que conheço um pouco da máfia, meu pai estava no meio deles, então não estou muito surpresa com esse casamento arranjado por dinheiro. É como se estivessem pagando um dote por mim, não é?

— Tipo isso, só que esse dote não irá mais para o seu pai, e sim para a máfia, para cobrir a dívida que ele tem com eles. É meio complicado e antigo, eu sei, mas é assim que a máfia funciona. Tem uns cinco homens que querem se casar e que talvez se interessem por você. Vão lutar entre eles, e quem der o melhor dote em dinheiro, irá conseguir você. Nenhum deles presta, se quer saber. Pra mim, homens que precisam pagar dotes para conseguir se casar são homens maus. Não há um que se salve no meu meio, entenda isso. — Abaixei meu rosto. Senti as lágrimas vindo.

— É inacreditável que meu próprio pai tenha me entregue para casar com um desconhecido por causa de uma dívida. E mais inacreditável que alguém queira se casar comigo sem nem me conhecer. É muito, muito estranho!

Eu chorei. Chorei de verdade, sem me importar se ele me daria um tapa ou coisa parecida. Tanto faz pra mim.

Ele ficou em silêncio durante o restante do trajeto, ele até que é gentil, graças a Jesus. E então, chegamos em uma mansão enorme no interior da Alemanha, e sinceramente, nunca vi uma casa tão grande.

— Chegamos.

— Chegamos onde? — Questionei.

— No seu destino. — Eu me agarrei ao banco do carro. — Ah, qual é, facilita as coisas, você não tem escolha.

— Não quero descer ou me casar! — Ele girou os olhos.

Hanner saiu do carro, foi até o lado do passageiro enquanto eu me soltava do cinto e tentava ir para o banco do motorista. Eu não sei porque eu tentei fazer isso, Hanner não é burro de deixar a chave na ignição. Ele me puxou pelo pé, e eu comecei a gritar, agarrada ao volante.

— Eu não quero sair do carro! — Gritei.

— Ah, porra. — Ele me agarrou pelas coxas. Com um tranco, me puxou para perto dele, me fazendo soltar o volante por falta de força. — Você precisa ir, menina. Não se preocupe, seja legal com seu futuro marido e dará tudo certo..

— Não! — Gritei. Ele me agarrou pelo punho e me arrancou do carro.

— Que saco... Você não facilita! — Eu tentava me soltar, e ele me agarrou por trás, abraçando meu corpo com os braços e me deixando presa. — Fica quieta, porra!

— Me solta!

Ele me pegou como se eu fosse um saco de batatas.

Eu me debatia, chutava e batia nas costas dele, tentando me soltar.

— Que menina desobediente! Eu tô vendo que vão maltratar você, é sério! — Ele disse enquanto me levava para dentro da mansão.

Quando entramos, ele me colocou no chão e me empurrou em direção a um homem que estava vestindo um roupão de seda.

— Alexander. — Ele o cumprimentou com a cabeça.

— Hanner. — Disse de volta. — É, uma menina muito bonita, esposa de qualidade... — O homem se aproximou de mim e levantou meu rosto com a mão. Eu cuspi em seu rosto.

— Desgraçado! — Gritei.

— Nunca mais cuspa em mim ou em qualquer outro homem. Seja obediente. É uma ordem simples.

— Me mata! Anda! — Gritei. — Me mata!

Eu fui em direção a Alexander, que havia dado alguns passos para trás, mas antes que eu pudesse acertá-lo, Hanner me segurou pela blusa e me puxou como se eu fosse um cachorro na coleira.

— Para de ser burra, Alana. — Hanner disse. Eu rosnei feito cachorro, mesmo.

— Quero ir embora!

— Teu próprio pai não te quer, menina burra! — Alexander disse, e veio me agredir de novo. Antes que ele pudesse acertar um tapa em mim, Hanner levantou a mão.

— Não machuque a menina, os rapazes vão escolher uma esposa hoje, Alexander.

— Lexia! — Alexander gritou. Pouco tempo depois, uma mulher loira e bonita desceu as escadas, vestida como se fosse para uma festa chique.

— Sim, meu amor? — Ela falou.

— Futura esposa de um de nós. Cuide dela, ela é uma praga. — Alexander girou os olhos e eu vi Hanner dando passos em direção a porta. Eu corri em direção a ele e me agarrei em sua camiseta.

— Por favor! Por favor, me leva embora! — Implorei. — Por favor, me ajuda!

— Adeus, Alana. Boa sorte. — Ele disse e tirou as minhas mãos dele.

Vi Hanner saindo pela porta, e tive a certeza de que nunca mais o veria.

— Queria ir embora com um assassino, menina? Ele não pensaria duas vezes antes de te dar um tiro. — Alexander zombou.

— É o que eu quero. Me deixa ir com ele! — Gritei. Lexie se aproximou de mim e pegou meu pulso.

— Querida, você pode ter uma vida de luxos, pare de ser boba. Você só precisa... Obedecer. — Eu fiquei em silêncio. Chega uma hora em que você não quer mais lutar.

Ela me levou para o segundo andar da mansão e entramos em um quarto imenso. Ela me levou até um closet, o abriu e me colocou ali dentro.

— Nossa. — Era realmente muita coisa.

— Você está tendo uma oportunidade única, Alice. — Eu a olhei com estranheza.

— Meu nome é Alana. — Ela deu os ombros.

— Tanto faz. — Arregalei os olhos.

— Fala sério, eu tenho um nome, tá?

— Para de ser boba. Você vai poder ter isso que está no meu closet e muito mais. Eu tenho uns doze milhões só em joias, e talvez o mesmo valor em roupas. Entende isso? Consegue ver o que você pode ter? Você vai ser tratada como uma princesa, só precisa ser uma boa garota. Seu pai nunca te falou sobre casar com um mafioso? Acha que te manteve pura por causa da religião? Não foi por isso, foi porque ele já tinha planejado te casar com alguém bem rico, entendeu? — Neguei com a cabeça.

— Eu não quero! Eu queria me casar por amor e me entregar a um homem que amo, não quero ser uma esposa troféu!

— Não quer viver uma vida de luxos ao lado de um homem cheiroso e charmoso como o meu? Você é burra? Todos eles são assim. Bem cuidados, bem arrumados... Gentis, educados se você for educada... — Ela girou os olhos. — Se você continuar sendo insolente, agressiva e desobediente, vai ser tratada mal, obviamente. Sabe, quando eu cheguei na casa do Alexander, eu tentei dar uma de boa igual você está tentando. Não funciona. Entenda, sua vida antiga acabou, agora você é uma futura mulher de mafioso. Se tiver sorte, alguém legal vai te escolher e ter paciência até você se acostumar com isso. Você sabe o que acontecem quando você é insolente?

— Não.

— Você vai ser descartada e abandonada, ficará sem marido, e seu pai é meio que um cretino que não te quer, então você vai pra rua. Vai virar mendiga. É o que quer?

— Pelo amor de Deus.

— É, pelo amor de Deus.

Essa conversa me amedrontou. Engoli seco, enquanto ela escolhia uma roupa. Tirou um vestido bonito e me mostrou, como se pedisse opinião.

— É bonito.

— Acho que serve em você. — Ela afirmou. — Vou pegar sapatos. Em breve a cabeleireira chega, a maquiadora... E a manicure. E, bom, o médico.

— Como assim? Por que tudo isso hoje? — Ela riu.

— Você acha que vamos ficar com você por muito tempo, querida? Você é virgem, o dote é muito maior. Temos alguns interessados já. É por isso que estou te avisando de tudo, para você ser educada com seu futuro marido, cuidar dele, cozinhar, cuidar da casa... Entenda, menina, você será feliz. É só entender que o amor vem depois do casamento por aqui, não antes. Eu amo o Alexander, ele é muito bom pra mim, mas se você não for legal, vão te tratar mal e você não vai gostar.

— Você quer me tratar mal? — Respondi indignada.

— Você é insuportável, Alana, dá vontade, viu. Seja mais educada, pelo amor de Deus.

Aquilo machucou minha alma. E foi por causa daquilo que eu não falei mais nada durante um bom tempo.

Os acontecimentos a seguir pareciam uma preparação para um casamento, para que meu futuro marido me visse e me escolhesse. Mas, mesmo sendo bem tratada, cuidada, mesmo me apresentando joias, vestidos caros, perfumes... Tudo isso não me agrada. Eu só queria fugir, mas entendi que eu não tinha escolha. E essa era a parte mais dolorida: Não ter escolha, e eu iria me casar com um completo desconhecido!

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