04

HANNER NARRANDO

Onde já se viu presentear um amigo com uma mulher? Isso é ridículo. Primeiro porque eu detesto pessoas, se eu pudesse, matava todas elas. Segundo porque não acho que mulheres sejam objetos, eu não compraria uma. Mas por que diabos eu iria querer uma mulher que está comigo obrigada? É muita palhaçada.

Mandei aquela garota para o quarto sobrando, eu não faço ideia do que fazer com ela. Eu poderia sim, soltá-la, mas o preço seria perder um monte de serviços para a máfia. O meu amigo Ryan é um cara extremamente influente, e com esse presente, ele basicamente estava dizendo: Ei, Hanner, venha acompanhado às minhas festas. Agora eu basicamente tenho um cachorro de estimação, só que é uma garota. É, isso é ridículo mesmo.

Massageei as têmporas para aliviar a tensão. Pensa, Hanner, o que fazer agora? Eu vou ter que conversar com ela, fazer combinados, cada um fica na sua, ela não enche meu saco e vivemos como se fôssemos colegas de apartamento. E aí, quando eu precisar ir a alguma festa, ela me acompanha. É, é isso. E comida? Eu preciso alimentar essa menina. Ela é tão pequena, parece que não come há dias, sei lá. Ou talvez eu seja muito grande. Não sei. E o que ela vai ficar fazendo na minha casa? Cara, eu não precisava disso. Talvez seja melhor eu matar o Ryan e soltar a moça, e que se dane o resto. Não, isso é uma péssima ideia.

— Hanner? — A tal da Alana apareceu na sala, enquanto eu pensava sentado no sofá. Eu bufei.

— O que foi, menina? O que você quer?

— Eu tô com fome. Desculpa incomodar. — Eu odeio sentir pena, mas eu tô com pena dela. A cabeça dela deve estar uma bagunça.

— O que você quer comer? Uma pizza? Um lanche? Vou pedir pelo telefone.

— Pode ser uma pizza. Eu gosto de pizza de queijo, se eu puder escolher. — Que droga. Ela acha que é minha escrava agora.

— Garota, senta aqui do meu lado. — Ela me obedeceu prontamente. Sentou-se e me olhou. — Presta bem atenção nas coisas que eu vou falar, eu só vou falar uma vez. — Ela assentiu com a cabeça, me olhando nos olhos. Ela tem olhos esverdeados e muito bonitos, inclusive. — Eu sei que parece que você é tipo meu animal de estimação, mas eu literalmente detesto isso. Até porque, eu detesto pessoas e animais de estimação, entendeu?

— Entendi. E o que eu faço agora?

— É o seguinte, você nunca, jamais vai chamar a polícia. A polícia daqui é corrupta, quem te pegar, vai te matar. Tem metade da corporação sendo paga pela máfia. Então, é melhor você ser boazinha. Outra coisa... Você não é minha escrava, eu não quero isso, eu não quero que você ache que eu sou seu dono. Eu estou sendo literalmente obrigado a ficar com você, assim como você está sendo obrigada a ficar comigo. — Ela olhou para baixo. Parecia pensativa. — Isso é bom pra você, porque eu não quero te usar como qualquer outro cara faria.

— Obrigada por isso.

— Não agradeça. Eu tenho regras. Você não me faz nenhuma pergunta sobre o meu trabalho, e não entra no meu quarto em hipótese nenhuma, entendeu? Nem no meu escritório. Você não vai gostar do que vai ver lá.

— Tudo bem, Hanner. Senhor Hanner. Como você quer que eu te chame? A Lexie disse que eu tenho que te chamar de... — Eu a interrompi.

— A Lexie te ensinou a ser uma escrava, e eu não tô nem aí para o que ela te ensinou. Meu nome é Hanner, e você me chama de Hanner. Eu não tenho sobrenome nem pra você, nem pra ninguém. — Ela parecia levemente assustada. — Outra coisa, você pode usar a televisão... A cozinha... Se precisar comprar alguma coisa, me avise que eu compro. Eu meio que sou obrigado a cuidar de você e manter você viva, afinal, você vale alguns milhões.

— Grande valor. Eu estou me sentindo um lixo. — Pena, de novo. Muita pena.

— Eu sinto muito por isso ter acontecido com você. Você não merece isso. — Passei a mão no meu cabelo. — Que inferno.

Alana olhava ao redor, como se procurasse algo. Olhava minha estante de livros.

— Eu posso ler? — Questionou.

— Pode, fique a vontade. Olha, eu quase não paro em casa, então, por favor, fique quietinha aqui e qualquer coisa você vai apertar o único botão do interfone e falar que precisa falar com o Hanner. Entendeu?

— Entendi. Mais alguma coisa, Hanner? — Eu neguei com a cabeça.

— Não que eu me lembre agora. Só... Por favor, não fica com essa cara de medo. Eu não vou tocar em você, eu nem queria você aqui, cara. — Bufei. — O Ryan tem cada ideia. Que porra.

Eu peguei meu telefone e liguei para a pizzaria, para que me entregassem uma pizza de queijo. Depois, liguei para o meu chefe, para perguntar se havia algo a ser feito no dia de hoje, e ele disse que não. Eu ficaria em casa, com aquela garota.

Alana estava olhando minha biblioteca particular, vendo os livros como se quisesse escolher algum. Ela parou o dedo em uma bíblia antiga e a tirou da prateleira.

— Você é cristão? — Perguntou, confusa. Eu ri com deboche.

— Você acha que um assassino como eu seria cristão? Por favor, né. Eu ganhei essa bíblia de uma pessoa especial, por isso está aí. Nunca nem abri. — Respondi.

A garota abriu a bíblia e a folheou.

— É, você nunca abriu mesmo. — Ela tirou um pequeno envelope dali de dentro, o abriu e tirou um pequeno cartão. — Espero que esse livro mude sua vida. Com amor, tia Mary. — Leu em voz alta.

— Que graça. — Falei com deboche.

— Sua tia de verdade?

— Minha tia, morta, porque achou que Deus a curaria de um câncer e ele não a curou. — Girei meus olhos e ela suspirou.

— Sabe, depois que me prenderam... Eu comecei a pensar mais em Deus. Sei lá. Tem coisas que acontecem na nossa vida que a gente não entende, mas no final, a gente vai entender. Uma hora Deus explica pra gente.

— Você é crente, garota? Era só o que me faltava. Além de me dar uma pessoa viva, ainda me deu uma pessoa viva e crente! É pra foder, mesmo. — Ela acabou rindo, como se tivesse achado graça na minha frase.

— Eu não sou crente, não muito. Mas... Eu quero ler isso aqui. Posso? Eu tô passando por um momento difícil e gostaria muito de ter algum conforto. Lembro que meu pai... Antes de ser um idiota... Dizia sobre como Deus confortava as pessoas. — Ela levantou um pouquinho a bíblia e eu assenti.

— Fique a vontade, contanto que você não me encha o saco.

— Prometo que não vou encher. Você nem vai reparar que eu estou aqui. — Eu sorri.

— Isso. Bom, eu vou dar uma saída, você precisa que eu compre algo? — Ela concordou com a cabeça.

— Eu não tenho uma peça de roupa sequer além dessa que estou usando. E... Eu queria um caderno e algumas canetas, se você puder. É que eu queria estudar essa coisa aqui, já que não vou ter muito que fazer. Talvez faça bem pra minha cabeça. Esperança é bom.

— É, é o que dizem. Mas eu acho que esperança é uma grande mentira. Enfim, me fala qual seu número de sapato... e o número de roupa. Porra, isso vai ser muito constrangedor. Eu não quero comprar calcinhas e sutiãs pra você. — Massageei as têmporas mais uma vez. — Olha, menina, depois que você comer a pizza, eu vou te dar meu celular e você vai escolher tudo no aplicativo de compras.

— Ah, isso me anima. — Sorriu pela primeira vez desde que chegou na minha casa. Quando a conheci, era uma praga. Agora, parece destruída. Por que eu sinto tanta pena dela?

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