ESTER
Deu certo.
Eram essas duas palavras que eu mais desejava ouvir quando me arrumei para ir ao consultório médico pela manhã. Já fazia quase duas semanas que tinha passado pelo procedimento e estava ansiosa para saber se tinha dado tudo certo. Um exame de sangue tinha sido feito e agora eu estava ansiosa para saber o resultado.
Fiquei sozinha na sala esperando a médica voltar trazendo o resultado e cada minuto de espera que passava era como uma tortura. Quando ouvi a porta ser aberta, notei que a médica trazia o envelope com o resultado do teste de Beta HCG e comecei a ficar nervosa, já sentindo as mãos suadas.
— E qual foi o resultado, doutora?
— A inseminação foi um sucesso e você está grávida.
Eu tinha certeza de que naquele momento eu tinha me tornado a pessoa mais feliz do mundo. Eu, finalmente, realizaria o sonho de todo casal: gerar o próprio filho. A diferença era que eu estaria sozinha durante esse processo.
— E está tudo bem com o... meu bebê? — tentei não soar muito nervosa.
— Tudo dentro da normalidade. — A médica tinha um largo sorriso estampado no rosto. — Temos que marcar uma ultrassonografia, mesmo que não dê para ver muito ainda.
Sem conseguir me contar de tanta alegria, apoiei a mão sobre minha barriga e não tentei esconder uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Eu estava feliz demais para me importar com alguma coisa e, provavelmente, a doutora já devia estar acostumada com essas reações, afinal, quantas mulheres ela já não tinha atendido.
— Eu vou ter o meu tão sonhado bebezinho.
— Já pode preparar a surpresa para sua família, futura mamãe.
— Eles vão ficar muito felizes, com certeza.
Dentro do táxi e no caminho de volta para casa, passei suavemente a mão pela barriga, mesmo que ainda não houvesse nenhum volume. Era emocionante saber que eu estava carregando o filho do meu marido, Rômulo com certeza ficaria radiante e faria uma festa só para comemorar. Enquanto olhava a cidade correr pela janela do carro, fiquei tentando imaginar qual seria a reação da minha família.
Tinha optado pela fertilização depois da morte de Rômulo, porque ainda nutria o sonho de ser mãe. Enxuguei as lágrimas com o dorso da mão e tentei não deixar que a saudade tomasse conta de mim. Eu já tinha passado muito tempo de luto e, acho que nunca superaria o fato de ter perdido o grande amor da minha vida de uma forma tão trágica e honrosa.
Rômulo foi o meu primeiro e único amor durante uma vida inteira. Tínhamos nos conhecido na faculdade, casados desde a formatura, tudo o que queríamo era ter uma família, uma casa aconchegante numa vizinhança boa, mas infelizmente, foram interrompidos abruptamente.
Num minuto, Rômulo estava comigo e no minuto seguinte, ele já estava morto. Lembro como se fosse ontem, a notícia, o funeral, a homenagem dos companheiros do corpo de bombeiros. O nosso "até que a morte nos separe" jurado diante do padre e dos convidados tinha chegado mais rápido do que eu estava preparada. Eu tinha perdido o amor da minha vida para um prédio em chamas.
Se antes tudo era só uma ideia, agora estava se tornando real e eu estava completamente encantada e apaixonada. O amor que sentia por aquela sementinha pareceu se multiplicar. Eu amaria meu bebê a cada segundo e comemoraria cada etapa do seu desenvolvimento mesmo que muitos nos olhassem estranho.
Antes de ir para casa, decidi passar numa loja de bebês. Enquanto olhava, admirada, tudo ao meu redor, acabei me vendo encantada por um antigo berço de carvalho, passei os dedos sobre o protetor de berço azul, mas que ainda não poderia levar porque não sabia se o bebê seria menina ou menino.
— O que a senhora achou do berço? — Uma atendente se aproximou.
— É adorável. — Tentei dirfarçar o meu desejo em levá-lo, mas não sabia se encontraria outro com entalhes tão delicados.
— Uma preciosidade e é único.
— Está falando sério?
— Sim. Ele foi feito pelo meu próprio pai.
— Vou levá-lo.
— Vocês entregam?
— Pode mandar entregar na minha casa junto com o protetor de berço amarelo?
— Mas é claro!
— Obrigada!
Decidi levar um par de tênis all star pretos tão pequenos que cabiam na palma da minha mão. Além do par de sapatinhos, decidi levar também um body escrito “Surpresa a caminho” bordado em um amarelo claro.
O berço foi entregue e instalado no antigo quarto do hóspedes da minha casa. Fiquei admirando o móvel por horas, sonhando acordada com o dia que meu filho dormiria bem ali. Ainda faltava muita coisa, pintar e forrar as paredes com papel de parede de bichinhos fofinhos, comprar uma poltrona de amamentação, uma cômoda, mas só de ter o berço ali já tornava tudo mais real.
Achei que depois do jantar seria o melhor momento para dar a notícia aos meus pais e quando entreguei a caixa de presente, eles ficaram sem entender, mas ao abrir e ver a roupa e os sapatinhos, minha mãe caiu no choro de felicidade. Com os pais de Rômulo não foi diferente, quando minha sogra ficou sabendo o que eu tinha feito, ela caiu em pranto.
— Nem acredito que eu vou ter um neto.
— Logo logo terão uma criança correndo por aqui.
— Meu filho ficaria tão feliz.
— Ficaria sim.
— Muito obrigada por você fazer isso, Ester.
— Sorte a minha ter convencido seu filho a deixar "nosso filho" congelado.
— Quero que saiba que você não estará sozinha na criação dessa criança, você pode sempre contar com a gente.
— Muito obrigada, dona Vera.
Algum tempo depois vieram os sintomas: enjoos, vômitos e inchaço. Toda vez que me pegava sentada no chão e com a cara enfiada no vaso sanitário, ficava pensando que poderia existir um remédio para pular essa fase, passei a ter que trabalhar de casa até que essa fase ruim passasse. Por sorte, eu podia contar com Rita, alguém que trabalhava comigo já fazia muito tempo e, que era quase uma mãe para mim. Como eu evitava sair muito de casa, as pessoas passaram a vir ao meu apartamento para visitas.
O chá de fraldas foi a coisa mais linda, minha sogra e minha mãe fizeram surpresa para mim. Família e amigos reunidos para celebrar a vida que eu gerava dentro do meu ventre, mas a tristeza acompanhada da saudade bateu forte quando me lembrei de Rômulo. No momento que descobrimos que seria um menino, a alegria foi geral para ambos os lados da família.
— Sabe o nome que vai colocar? — Minha mãe perguntou curiosa.
— Caetano.
— Mas por que esse nome? Por que não coloca alguma homenagem ao pai?
— Rômulo gostava muito de ouvir Caetano Veloso e acho que seria uma boa homenagem.
— Se você está dizendo.
ESTER Seis anos depois... Enquanto esperava Caetano na frente da escolinha, aproveitei para abrir meu e-mail pelo celular só para dar uma última conferida no dia e quase desmaiei quando vi o convite para participar Pixel Show, um festival internacional da criatividade, pois uma das minhas animações tinha sido escolhida como a melhor do ano. Agora vinha a pior parte, porque eu precisaria desesperadamente arrumar alguém que pudesse ficar com meu pequeno no final de semana para que eu pudesse fazer a viagem tranquila para São Paulo. Sem pensar duas vezes, disquei para minha mãe, mas a resposta que recebi foi desanimadora, ela tinha um retiro da igreja. Tentei minha irmã, mas ela tinha uma viagem marcada com o namorado. — Meu jesus amado! O que eu vou fazer agora? Tentei não me desesperar, eu encontraria uma solução. Quando desci do carro e me juntei as outras mães, encontrei Nádia, mãe do melhor amiguinho do meu filho e que também tinha se tornado minha amiga. — Ester, como você es
ESTER A noite de sexta-feira chegou mais rápido do que esperava. Já estava próximo do horário de sair para o aeroporto quando ouvi a campainha tocar e, instintivamente, corri para abrir a porta, mesmo estando descalça. Sabia que devia ser a babá, mas para minha surpresa, dei de cara com um homem, muito bonito por sinal.— Senhora Ester? — Sim, sou eu. — Estranhei ele saber meu nome e estar na minha porta. — Quem é você? — Meu nome é Bruno. Fui enviado pelo My nany para ficar com o seu filho durante o final de semana. — Deve haver algum engano, pois eu solicitei uma babá. — Não há engano algum, senhora. Eu sou o babá que vai ficar com o seu filho. — Mas você... Você é um homem. — Isso é um problema para a senhora? — Não. Quero dizer, sim, porque não tenho certeza se conseguirá lidar com um garotinho de 6 anos. — Não tem motivo para se preocupar porque eu fui muito bem treinado para ficar com crianças de qualquer idade, senhora. — Como poderei ter certeza disso? — perguntei de
BRUNO Eu só comecei a trabalhar de babá no My Nany porque uma amiga me indicou a empresa e eu precisava de um emprego que pudesse me ajudar a terminar de pagar a minha faculdade. O que eu não esperava era que fosse ter tantos clientes fiéis. Eu estava fazendo minha corrida matinal na beira da praia quando meu celular começou a tocar. Parei e desconectei os fones de ouvido e levei o aparelho ao ouvido. — Bom dia, Bruno. — A voz da velha recrutadora soou do outro lado da linha. — Bom dia, Paulina. — Você está disposto a trabalhar no final de semana? — Ela foi direto ao assunto. — Sim. — Então eu tenho o trabalho perfeito para você. O menino tem seis anos e a mãe precisa de alguém que possa cuidar dele durante o final de semana porque ela tem uma viagem de trabalho. — Mas e o pai? — Ao que tudo indica não existe ou simplesmente não faz parte da vida do garoto. — Posso te passar as informações por e-mail? — Fico no aguardo! Depois que encerrei a ligação, reconectei os fones e
ESTER Se eu tinha achado estranho um homem como babá? Achei muito estranho, mas não tinha nada que eu pudesse fazer e meu pequeno parecia estar gostando de ter um homem como babá. Pensando pelo lado do meu filho, era mais fácil se identificar com um homem do que com uma babá. Depois que consegui descansar um pouco, comecei a me arrumar para ir até o evento, queria dar uma volta, por lá, conhecer o ambiente e até fazer networking com outras pessoas do ramo de animações, era a oportunidade perfeita para divulgar a minha empresa e recrutar novos talentos. Estava andando em meio a multidão quando senti meu celular vibrar no bolso de trás da calça e quando o peguei, vi que tinha recebido uma mensagem de Bruno, rapidamente abri porque sabia que eram notícias do meu pestinha. Quando deslizei o dedo pela tela, uma foto abriu, Caetano estava brincando com Heitor, filho da vizinha, e um sorriso surgiu em meu rosto. — Desculpa interromper, mas você é Ester Aguilar? — Alguém perguntou atrás d
ESTER Eu tinha passado o restante do dia sem notícias do meu filho, por estar tão ocupada e envolvida com o evento, acabei nem tendo tempo de ligar para Bruno. Só quando voltei para o hotel foi que consegui ligar o babá, mas para minha infelicidade, ele não atendeu. Tentei de novo por mais umas quatro vezes, mas sem sucesso e isso me fez começar a pensar que algo de ruim tinha acontecido. Quando tentei mais uma vez, ele atendeu, eu estava pronta para soltar os cachorros em cima dele, mas a voz do outro lado da linha soou tão calma que entendi que estava tudo bem e a única pessoa neurótica ali, era eu. — Bruno, aconteceu alguma coisa com o Caetano? — Foi a primeira coisa que saiu da minh boca. — Não, ele está muito bem. — E por que não atendeu as minhas ligações? — Eu estava ocupado e não tinha escutado o celular tocar. — Posso falar com o meu filho? — Claro, só um instante que vou entregar o celular a ele. Deu para ouvir quando ele afastou o celular do rosto porque o som da s
BRUNO Depois de colocar Caetano na cama novamente, tive que ler uma história e me certificar de que ele estava mesmo dormindo, saí do quarto dele e fui até a sala. Fechei o meu caderno de desenhos e o levei para o quarto onde eu ficaria. Só o quarto de hóspedes juntamente com o banheiro era maior do que o meu pequeno apartamento. Deitado na cama, não consegui dormir quase nada, acho que estava estranhando a cama, o colchão até mesmo o ambiente. Fiquei ali, olhando para o teto enquanto esperava o sono aparecer. Peguei o meu leitor digital e continuei a leitura de um livro. Quando acordei, apurei os ouvidos e tudo ainda estava silencioso, o que era um sinal de que o pestinha ainda estava dormindo e não tinha colocado fogo na casa. Depois de lavar o rosto no banheiro, saí do quarto e fui ao quarto de Caetano. Para minha surpresa, a cama estava vazia então fui até a sala e o encontrei vendo televisão. — Caetano, o que você está fazendo acordado a essa hora? — Eu estava vendo televisã
ESTER O dia tinha começado tão bem, nada era melhor do que poder dormir confortavelmente e acordar sem precisar me preocupar com horário e nem com criança. Aproveitei para descer e desfrutar do farto café da manhã oferecido pelo hotel e depois fui curtir a piscina e um pouco da sauna. Assim que voltei ao meu quarto, já comecei a me arrumar para ir ao evento, estava enrolando meu cabelo na toalha quando meu celular começou a tocar, peguei o aparelho em cima da cama e deslizei o dedo pela tela sem nem ver quem estava ligando. — Oi, mamãe. — Oi, meu amorzinho. Como você está? — Eu tô bem. — Dormiu direitinho? — Sim e nem tive pesadelo. — Mas que notícia boa. — Eu tô com saudades, mamãe. — Eu também estou, filhotinho. — Quando você vai voltar? — Amanhã quando você acordar, já vou estar aí com você. — Tá bom. Eu te amo, mãe. — Eu também te amo, filho. Assim que encerrei a ligação, voltei a me arrumar, pois sabia que um carro passaria para me buscar por volta das dez e meia.
BRUNODepois que pegamos Miguel na casa da Nádia, o menino veio correndo em minha direção, passando os braços ao redor do meu pescoço e deu um beijo na minha bochecha. Era tão bom poder revê-lo depois de tanto tempo.— Você conhece o tio Bruno? — ouvi Caetano perguntar para o amiguinho enquanto voltava para o banco do motorista.— Claro, né.— Legal!— Por que você não disse que conhecia o Miguel, tio Bruno?— Queria fazer surpresa para você.— Você me enganou. — Ele fingiu estar irritado e cruzou os braços na frente do corpo.— Preparados para aprender a soltar pipa?— Sim! — Eles disseram em uníssono.— Que cor você vai querer a sua pipa, Miguelito? — chamei-o pelo apelido carinhoso que tinha lhe dado no primeiro dia que tinha ficado com ele.— Vermelho.— Eu sabia!Levar os meninos para brincar fora de casa foi a melhor coisa que já fiz. Conhecendo Miguel, sabia que ele tinha muita energia acumulada para gastar, com Caetano não era diferente e os dois juntos era impensável. Depois