Muitas pessoas reclamam do meu jeito, mas não ligo. Sou o filho mais velho-pelo menos, o mais velho da minha mãe-de uma família grande. Meus pais eram o casal perfeito, daqueles que pareciam ter saído de um livro. Amavam os filhos com um amor incondicional, algo que sempre invejei. Minha infância foi perfeita. Nasci em uma família rica, cercado de conforto e privilégios. Tive irmãos adotivos, mas a mais nova, essa sim, era minha lógica.
Minha mãe tinha uma história complicada, e talvez por isso fosse tão desconfiada das pessoas. Mas, com o tempo, ela mudou. Se transformou por causa dos filhos. E era invejável. Eu cresci observando o relacionamento dela com meu pai-um amor que só se intensificava com os anos. Meu pai sempre foi meu espelho. Ele protegia a família como um cão de guarda, mas dentro de casa... era outra pessoa. Minha mãe o dominava com um olhar. Tudo o que queria, conseguia com um estalar de dedos ou um silêncio carregado. E ele obedecia. Eu queria ser como ele.
Afinal, herdaria as indústrias da família. A TEC Corporation era uma das maiores do mundo em proteção de dados. Antes do meu pai, foi do meu avô. Antes dele, da minha avó. Era um legado que só crescia. Mas, apesar da minha admiração por meu pai, minhas habilidades eram mais parecidas com as da minha mãe. Ela era brilhante. Obcecada por matemática, engenharia, tecnologia. Cresci assistindo-a criar coisas inovadoras, recebendo prêmios reservados a gênios.
Talvez por isso eu tenha escolhido comandar a Sala de Desenvolvimento em Tecnologias. Sempre que criava novas formas de proteção de dados, sentia como se estivesse em um mundo onde eu tinha controle absoluto. Eu gosto de controle. De ter tudo ao alcance das minhas mãos, resolvendo problemas com um simples toque na tela.
E eu odeio quando as coisas saem dos trilhos. Odeio não estar no comando. Odeio o imprevisível.
Como, por exemplo, minha secretária adoecer justo agora. Ela precisou se afastar, e eu sei que vai aproveitar o tempo livre. Trabalhamos juntos desde que saí da faculdade. Eu confiava nela. Agora, preciso de outra secretária. E isso significa entrevistas. Escolher, analisar. Abrir espaço para alguém novo.
E eu odeio o novo.
- Noah, você aqui de novo?
A voz de Deby me fez parar na entrada da sala. Ela estava com uma das mãos no cinturão, me encarando como se já soubesse a resposta antes mesmo de perguntar.
Deby era uma bela senhora de 50 anos, chefe do RH. E sim, ela sabia exatamente por que eu estava ali. Não importava quantas vezes reclamasse ou dissesse que minha presença deixava as candidatas nervosas. Eu tinha que estar ali. Eu precisava controlar tudo.
- Deby, eu fui até lá e agora sim - cruzei os braços. - Você sabe que a pessoa que vai trabalhar ao meu lado tem que ser perfeita. E para ser perfeita, eu tenho que aprovar.
Ela revirou os olhos, mas um sorriso de canto escapou.
- Você sabe que eu posso arrancar seus olhos se continuar com essa mania, certo?
Eu ri. Ela dizia isso sempre. E, por algum motivo, eu achava engraçado. Deby era uma mulher carinhosa, mas direta, e entendia exatamente como eu funcionava.
- Já disse que...
- ...as candidatas ficam nervosas comigo por perto - completei a frase antes que ela terminasse.
Ela suspirou, balançando a cabeça, enquanto eu dava um passo para trás, tentando não parecer tão intimidador.
- Na verdade, o problema é essa sua cara perfeita, de uma beleza monumental, que as deixam caidinhas por você. - ela apontou para mim com um olhar divertido.
Dessa vez, não segurei o riso.
- Bem, se elas se distraem com a minha aparência, não as quero trabalhando para mim. Esse é o ponto. Preciso de uma ajudante, não namorada.
Enquanto caminhávamos pelos corredores, conversávamos sobre tudo o que eu já tinha exigido: as características, o foco, o perfil ideal. Mas, em algum momento, me distraí. Meu celular vibrou no bolso, e eu já sabia quem era antes mesmo de olhar a tela.
- Vai na frente, Deby. Eu já vou.
Ela assentiu e continuou andando, enquanto eu pegava o telefone e atendia.
- Bom dia, mãe - falei, erguendo os olhos para a câmera no canto do corredor e dando um pequeno tchauzinho.
Eu sabia que ela estava me vendo. Minha mãe podia não ser uma vigilante, mas era obcecada por controle. E, como sempre, sabia exatamente onde eu estava e o que eu estava fazendo.
- Noah, você não tem um trabalho para realizar?
Ouço a voz da minha mãe do outro lado da linha. Posso até imaginar a expressão no rosto dela-sobrancelha arqueada, olhos semicerrados, segurando a paciência.
- Tenho - respondo, sem pressa. - No momento, estou de olho nas candidatas para minha nova secretária.
Expliquei o óbvio, mas é claro que minha mãe não estava nem um pouco interessada nisso.
- Querido, eu já disse que essa sua mania de querer controlar tudo é um exagero. Pode até parecer uma doença.
Engasgo com a própria saliva, quase virando a cabeça bruscamente.
- Eu herdei isso da melhor engenheira de tecnologia do país. Não sei se percebeu, mamãe.
Ela suspira do outro lado. Ela sempre percebe.
- Filho, deixe Deby entrevistar as candidatas em paz. Ou você vai ficar sem secretária por muito tempo. Você sabe que é exigente demais e que, até agora, recusou todas.
Reviro os olhos e fecho o sorriso.
- Eu sou profissional e quero alguém do mesmo nível ao meu lado. Se isso for um crime, então me interne. Esta é a empresa que eu vou comandar no futuro. Preciso de alguém focada no trabalho. Que realmente precise disso. Que entenda a importância do que fazemos aqui. Não alguém que se distraia facilmente ou que vá... - faço uma pausa, escolhendo as palavras - se interessar por mim pelo motivo errado.
Minha mãe fica em silêncio por um instante. Aposto que, nesse momento, percebe que não estou brincando. Então, com um último conselho, ela encerra a chamada.
Suspiro e mexo no celular, tentando voltar à tela inicial. Antes que consiga, algo-ou melhor, alguém-b**e contra meu ombro, me fazendo perder o equilíbrio por um segundo. Meu celular escorrega dos meus dedos e cai no chão.
- Ai, meu Deus! Me desculpa!
A voz feminina soa aflita. Quando levanto os olhos, vejo uma mulher abaixada, pegando o aparelho e me entregando com as mãos trêmulas.
- Aqui, desculpa mesmo. Eu não vi...
Quando finalmente encaro seu rosto, noto que está corada. Vermelha de vergonha, provavelmente. Mas há algo naquele olhar que me faz hesitar.
Algo que me deixa... estranho.
Acordei cansada. Aurora dormira a noite inteira, mas o peso em meu corpo não vinha da falta de sono. Vinha do medo, da exaustão de estar sempre alerta.Despertei quando senti seu corpinho se remexer ao meu lado. Dormíamos na mesma cama porque não tínhamos um colchão extra, não tínhamos móveis supérfluos, nem mesmo lixo acumulado - eu não podia me dar ao luxo de desperdiçar nada. Mas, no fundo, não era só a falta de dinheiro que me fazia querer tê-la tão perto. Era o medo. Medo de que alguém aparecesse no meio da noite, arrombasse a janela e levasse minha menina de mim. Claro, era uma fantasia absurda... Mas, para uma mãe, era um medo real, constante, impossível de ignorar.E talvez esse pavor viesse do próprio pai dela.Eu não sabia que ele era um cafajeste quando o conheci. Não sabia que, por trás dos gestos carinhosos e das palavras doces, se escondia um homem perigoso. Durante meses, ele me tratou como uma rainha, fez eu me sentir especial, desejada, amada. E então, quando já não h
Eu estava completamente nervosa, sentindo como se o peso do mundo estivesse pressionando meus ombros. Aquela era a minha chance - a oportunidade de mudar tudo. Fechei os olhos por um breve segundo e respirei fundo, tentando acalmar o coração acelerado. Eu era grata pelo que tinha, claro. O emprego na lanchonete, por mais desgastante que fosse, pagava o aluguel do meu minúsculo apartamento em Nova York - o que já era uma vitória por si só. Também dava para comprar os remédios da minha avó e colocar comida na mesa. Mas estava longe de ser suficiente.E era por isso que eu estava ali. O cargo de secretária de um executivo significava um novo patamar. Um salário digno. Digno o bastante para me dar um respiro e cuidar da minha filha sem me preocupar se o dinheiro acabaria antes do mês. Eu precisava desse emprego. Não por mim, mas por ela.Me ajeitei na cadeira da sala de espera, alisando inutilmente o tecido amassado da minha saia. O som ritmado do meu salto batendo contra o chão quebrava
Eu não sabia se me sentia empolgada ou assustada - talvez as duas coisas ao mesmo tempo. Saí de casa confiante, cabeça erguida, como se nada pudesse me abalar, mas jamais imaginei que seria tão fácil. Fácil até demais.O problema é que, por dentro, eu estava insegura. Não porque eu achasse que não daria conta do trabalho, mas por causa do meu chefe. Noah Novack. Eu não fazia ideia de que era ele quando entrei naquela sala. Estudei muito sobre famílias influentes em Nova York, sobre empresários poderosos com quem eu poderia vir a trabalhar, mas o Noah... ele era diferente. Sempre foi uma figura misteriosa. Pouquíssimas informações sobre ele, assim como sobre a própria família Novack. Era quase como se vivessem à parte do mundo, escondidos sob um véu que ninguém conseguia atravessar.E o mais estranho? Eles são uma das famílias mais importantes da cidade - do país até. Entrar para aquele círculo parecia algo quase inalcançável. Não que eu quisesse fazer parte do clã Novack, claro, mas h
O dia inteiro foi arruinado por causa daquela mulher. Não queria admitir, mas desde o instante em que esbarramos no corredor, não consegui tirá-la da cabeça. Era irritante. O olhar dela, a forma como me desafiava sem nem saber quem eu era. E, mesmo depois que soube, continuava me encarando da mesma forma, como se não se importasse. Era como se estivéssemos constantemente em choque, faíscas invisíveis cortando o ar entre nós - e, por algum motivo, eu achava isso intrigante.Sempre fui movido por controle. Quando algo fugia das minhas mãos, fazia questão de puxar de volta. Como um touro selvagem que precisava ser domado a qualquer custo. Talvez fosse por isso que a escolhi tão rapidamente, mesmo tendo opções melhores, mais qualificadas. As outras candidatas tinham aquele olhar - o tipo que eu odiava. Brilhavam demais, tentavam demais, encaravam como se o escritório fosse uma vitrine de oportunidades além do trabalho. Emma, por outro lado, me olhava como se não se importasse. E isso... b
Chegou o grande dia. O momento que eu esperei por tanto tempo finalmente estava diante de mim. E, claro, eu estava nervosa. Minhas mãos suavam sem parar, as pernas bambas ameaçavam me trair a qualquer instante. Respirei fundo antes de entrar naquele escritório - o mesmo onde sonhei tantas vezes estar. Era a primeira vez, depois de muito tempo, que eu pisava ali não como estagiária, mas para trabalhar de verdade. Eu amava meu estágio. De verdade. Acreditei que ficaria ali por um bom tempo, quem sabe até conseguir uma vaga fixa. Mas não foi o que aconteceu. Quando descobri a gravidez, tudo mudou. No começo, tentei me manter firme, fingir que estava tudo bem, mas as coisas começaram a desmoronar aos poucos. Acabei sendo afastada, e, por mais que doesse, eu entendia. Quem iria querer uma estagiária grávida? Então, me recolhi. Passei meses sozinha, carregando a Aurora na barriga e o peso do mundo nos ombros. Depois que ela nasceu, as portas de emprego pareciam se fechar ainda mais rápido
Noah tamborilava os dedos contra a mesa, o som seco ecoando pela sala silenciosa. Estava mais nervoso do que o normal - e ele sabia disso. Aquele lugar, que antes representava um refúgio de ordem e previsibilidade, agora parecia uma armadilha onde sua mente vagava para longe do trabalho. Precisava se concentrar. Havia prazos, números, decisões importantes. Mas, em vez disso, sua atenção escorregava para a nova secretária.Ele mesmo a havia escolhido, com cuidado. O currículo era impecável, a postura profissional, o olhar focado. Era tudo o que Noah esperava - alguém que cumprisse suas funções sem interrompê-lo, sem atrapalhar seu fluxo de trabalho. E, ainda assim, ali estava ele, completamente tenso, como se ela tivesse feito algo errado. Mas ela não tinha.Ele se odiava por isso. Odiava a forma fria e distante com que a tratava, mesmo sabendo que ela não merecia. Não conhecia a mulher além de seu nome e cargo, mas havia algo ali, algo que o incomodava de uma maneira inexplicável. E i
Era o meu primeiro dia, e a mistura de empolgação e nervosismo fazia meu estômago revirar. Eu tentava me concentrar no trabalho, mas tudo mudou quando Noah me chamou até sua sala. Esperei por uma bronca ou um comentário ríspido - afinal, minha visão sobre ele era clara: um chefe arrogante, hiperpotente e acostumado a ter todos aos seus pés. Mas ele me surpreendeu."Me desculpe se fui ríspido mais cedo", ele disse, sua voz soando firme, mas com um toque de honestidade. Por um segundo, fiquei desconcertada. Eu não esperava isso. Ele parecia ser o tipo de homem que jamais admitiria um erro, mas ali estava, olhando nos meus olhos com uma sinceridade quase desconcertante.Saí da sala sem saber o que pensar. Era só um pedido de desculpas, certo? Mas algo em sua postura, no jeito como suas palavras soaram, não saía da minha cabeça. Eu devia confiar nisso? Ou era apenas uma fachada bem construída?"Você é só a secretária dele, Emma", murmurei para mim mesma, tentando afastar qualquer pensamen
A comida chegou pontualmente, exatamente como eu havia reforçado no telefone. O entregador trouxe a embalagem elegante em uma bandeja de três andares, cada um perfeitamente organizado. Suspirei aliviada e levei tudo direto para a copa, onde me dediquei a organizar o almoço de Noah seguindo as instruções detalhadas deixadas pela antiga assistente.Ele tinha manias peculiares - e isso era dizer pouco. Os talheres precisavam estar dispostos em uma ordem específica, o guardanapo dobrado em um triângulo exato, e cada prato posicionado em um ângulo quase matemático na bandeja. Uma parte de mim queria rir, mas a outra entendia perfeitamente que errar um detalhe mínimo poderia arruinar o humor dele pelo resto do dia - e, quem sabe, até me custar o emprego. Eu não podia arriscar. Esse trabalho era minha chance de dar uma vida melhor para minha família, e eu faria o que fosse preciso para mantê-lo.Ainda assim, eu me pegava pensando nas razões por trás dessas manias. O que levava alguém a quere