Eu estava exausta. Não era apenas o cansaço físico de quem andava horas pelas ruas de Nova York, batendo de porta em porta com um currículo nas mãos. Era um cansaço mais profundo, que pesava nos ombros e se infiltrava nos ossos. Um cansaço que vinha da vida, das perdas, das decepções, dos erros.
Perdi minha mãe cedo demais. Meu pai? Bem, nem sei quem ele era. Mas minha avó me criou com todo o amor que podia oferecer, e isso me bastou. Fiz de tudo para ser a menina perfeita, para não dar trabalho, para não correr o risco de perder a única pessoa da minha família que restava. Mas, mesmo assim, cometi erros. Um deles me trouxe a pessoinha mais especial do mundo, e hoje, olhando para ela, sei que cometeria esse erro mil vezes se fosse preciso.
Só que o pai dela... Ele era um idiota. Um idiota que nem sabia da existência dela e fazia questão de continuar assim. E era melhor que fosse desse jeito. Já bastava tudo o que ele tinha feito comigo, a dor, a decepção, os estragos que deixou para trás. Eu não deixaria que ele entrasse na minha vida de novo, muito menos na dela. Minha filha não precisava desse tipo de confusão. Eu não precisava.
Então, todos os dias, eu me levantava cedo e saía para procurar um emprego. Fiz faculdade, me formei. Conheci aquele bando de idiotas que, no fim das contas, só me trouxeram problemas. Engravidei logo depois de pegar o diploma, e os estágios que consegui? Me dispensaram assim que minha barriga começou a crescer. Desde então, tive que me virar de todas as formas possíveis para garantir o sustento da minha filha. Agora ela tem um ano e cinco meses, e eu preciso encontrar algo fixo, algo que me dê segurança.
Sei que muitas empresas querem experiência, e eu tenho. Mesmo que tenha sido por pouco tempo, mesmo que ninguém pareça enxergar o valor do que fiz. Só preciso de uma chance.
E é por ela, por aquela menininha que me olha com olhos cheios de confiança, que eu continuo. Todos os dias, atravesso a cidade com meu currículo em mãos, esperando que, em algum lugar, alguém me estenda essa oportunidade.
A TEC Corporation era imponente. Um gigantesco prédio de vidro que refletia a imensidão de Nova York. Quando ergui os olhos para encarar aquela estrutura, senti meu estômago se revirar. Trabalhar ali parecia um sonho distante, algo quase inalcançável. A concorrência era absurda, mas eu tinha ouvido falar sobre uma vaga de secretária executiva. Não para o Todo-Poderoso, claro, mas para o chefe do setor de tecnologia e desenvolvimento.
Eu havia estudado para isso. E mesmo sabendo que havia candidatos muito mais experientes e qualificados do que eu, eu precisava tentar. Aquela era minha última parada do dia. Entreguei meu currículo, já tarde, e saí apressada. Minha melhor amiga estava cuidando da minha filha, mas logo precisaria sair para o trabalho, e eu tinha que correr para substituí-la.
Peguei o ônibus e me joguei no assento, o cansaço pesando sobre mim como um bloco de concreto. Olhei pela janela, sem realmente enxergar nada. "Vamos ligar." Eles sempre diziam isso. Sempre. E nunca ligavam.
Talvez fosse por isso que eu estivesse tão desanimada. Eu queria voltar para casa sorrindo, feliz por mais um passo dado, esperançosa de que, em algum momento, poderia dar um futuro incrível para minha filha. Mas tudo parecia tão difícil. Tão impossível.
Engoli em seco e pisquei rápido, tentando conter a umidade que ameaçava se formar nos meus olhos. Eu não sou assim. Eu não choro.
Bati levemente no meu rosto, forçando-me a sair daquele ciclo de frustração. Respirei fundo e balancei a cabeça. Eu não posso desabar. Não na frente da minha filha. Ela precisava de uma mãe forte. Quando eu chegasse em casa, eu a receberia nos braços com um sorriso. Porque ela não podia achar, nem por um segundo, que sua mãe era uma fracassada.
Eu vou conseguir.
Quando meu ponto chegou, levantei-me e desci do ônibus, acelerando o passo em direção ao pequeno apartamento onde morava. Dividia o espaço com minha avó, que já estava cansada demais para lidar com tudo sozinha. Por isso, eu pagava o aluguel, mesmo que ela insistisse em recusar. O tempo que ela passava com Aurora era precioso. E se eu conseguisse um emprego decente, ela ficaria feliz. Seria por ela também.
Subi os cinco lances de escada-não havia elevador ali-e, ao chegar, sentia como se meus pés estivessem pegando fogo. Eu estava exausta.
Girei a maçaneta, entrei e fechei a porta atrás de mim. O alívio de estar em casa durou apenas um segundo antes de eu me impulsionar para a sala, onde ela estava.
Minha menina.
Aurora, que começava a criar coragem para dar seus primeiros passos sozinha, sorriu assim que me viu. Seus bracinhos se ergueram na minha direção, as perninhas tropeçando enquanto tentava vir até mim.
Eu me abaixei e a tomei nos braços, apertando-a contra meu peito.
Eu não queria mais soltá-la dali.
Nunca mais.
- Você fica cada dia mais fofa, sabia? - murmurei, beijando o rostinho de Aurora, sentindo sua pele macia sob meus lábios.
O riso dela ecoou pela sala, uma gargalhadinha gostosa que fazia meu peito se aquecer. Minha avó devia estar na cozinha, preparando seu chá como sempre. Eu já havia reclamado muitas vezes, dizendo que ela deveria descansar mais, mas era teimosa.
Aurora era tão pequenininha, tão fofinha, que parecia frágil como um cristal, mas ao mesmo tempo era cheia de energia. Seu cabelo loiro formava pequenos cachinhos nas pontas, e suas bochechas ficavam coradas sempre que eu a pegava no colo. Seus olhinhos brilhavam de alegria, como se eu fosse a melhor coisa do mundo.
- Obrigada, Jess. - Suspirei, vendo minha melhor amiga levantar-se do sofá depois de ter cuidado da minha filha o dia inteiro. Caminhei até ela e a abracei forte. - Prometo que quando eu finalmente for contratada, eu vou te recompensar de verdade.
Jessica revirou os olhos, soltando um meio sorriso.
- Eu já disse que você não me deve nada. Somos melhores amigas, e eu não quero nada de você. - Ela se abaixou para apertar de leve as bochechas de Aurora, que riu ainda mais. - Além do mais, eu adoro ficar com essa hiperativa. Ser madrinha dela foi a melhor coisa que aconteceu comigo, sabia? Porque, sinceramente, acho que nunca vou ter filhos. Pelo menos, vou ter ela para olhar por mim quando eu estiver velha.
Nós duas rimos, e o som da nossa alegria fez Aurora pular nos meus braços, acompanhando a brincadeira.
- Eu amo você, sabia? Você é a melhor amiga do mundo. - Meu tom foi sincero, porque era a verdade. Se não fosse por Jessica e pela minha avó, eu não sabia o que teria sido de mim. - Olha, eu não tenho nada agora, mas prometo que no fim de semana vou te recompensar.
Dessa vez, Jessica cruzou os braços e me lançou um olhar severo, as mãos firmes na cintura.
- Se você não parar com isso, eu juro que nunca mais venho aqui.
Revirei os olhos, dando um passo para trás.
- É sério, Emma. - O tom dela agora era firme. - Eu não quero dinheiro. Vocês precisam disso mais do que eu. E cuidar da Aurora não é trabalho nenhum. Afinal, sou a madrinha dela, não sou?
Suspirei, derrotada, e Jessica sorriu, satisfeita.
- Você vai conseguir esse emprego, eu sei que vai. E eu não quero nada em troca. Só a sua amizade eterna. - Ela olhou para o relógio e suspirou. - Agora eu preciso ir. Meu turno começa logo, e ainda tenho algumas coisas para fazer em casa.
Ela morava no apartamento ao lado, então tecnicamente não ia para muito longe, mas mesmo assim, não a deixei sair sem me despedir direito.
- Obrigada, de verdade.
Ela sorriu, deu um beijo na bochecha de Aurora e piscou para mim antes de sair.
Eu a observei fechar a porta e suspirei, olhando para minha filha, que ainda sorria, completamente alheia às dificuldades que eu enfrentava.
E por ela, por aquele sorriso, eu continuaria tentando.
Muitas pessoas reclamam do meu jeito, mas não ligo. Sou o filho mais velho-pelo menos, o mais velho da minha mãe-de uma família grande. Meus pais eram o casal perfeito, daqueles que pareciam ter saído de um livro. Amavam os filhos com um amor incondicional, algo que sempre invejei. Minha infância foi perfeita. Nasci em uma família rica, cercado de conforto e privilégios. Tive irmãos adotivos, mas a mais nova, essa sim, era minha lógica.Minha mãe tinha uma história complicada, e talvez por isso fosse tão desconfiada das pessoas. Mas, com o tempo, ela mudou. Se transformou por causa dos filhos. E era invejável. Eu cresci observando o relacionamento dela com meu pai-um amor que só se intensificava com os anos. Meu pai sempre foi meu espelho. Ele protegia a família como um cão de guarda, mas dentro de casa... era outra pessoa. Minha mãe o dominava com um olhar. Tudo o que queria, conseguia com um estalar de dedos ou um silêncio carregado. E ele obedecia. Eu queria ser como ele.Afinal, h
Acordei cansada. Aurora dormira a noite inteira, mas o peso em meu corpo não vinha da falta de sono. Vinha do medo, da exaustão de estar sempre alerta.Despertei quando senti seu corpinho se remexer ao meu lado. Dormíamos na mesma cama porque não tínhamos um colchão extra, não tínhamos móveis supérfluos, nem mesmo lixo acumulado - eu não podia me dar ao luxo de desperdiçar nada. Mas, no fundo, não era só a falta de dinheiro que me fazia querer tê-la tão perto. Era o medo. Medo de que alguém aparecesse no meio da noite, arrombasse a janela e levasse minha menina de mim. Claro, era uma fantasia absurda... Mas, para uma mãe, era um medo real, constante, impossível de ignorar.E talvez esse pavor viesse do próprio pai dela.Eu não sabia que ele era um cafajeste quando o conheci. Não sabia que, por trás dos gestos carinhosos e das palavras doces, se escondia um homem perigoso. Durante meses, ele me tratou como uma rainha, fez eu me sentir especial, desejada, amada. E então, quando já não h
Eu estava completamente nervosa, sentindo como se o peso do mundo estivesse pressionando meus ombros. Aquela era a minha chance - a oportunidade de mudar tudo. Fechei os olhos por um breve segundo e respirei fundo, tentando acalmar o coração acelerado. Eu era grata pelo que tinha, claro. O emprego na lanchonete, por mais desgastante que fosse, pagava o aluguel do meu minúsculo apartamento em Nova York - o que já era uma vitória por si só. Também dava para comprar os remédios da minha avó e colocar comida na mesa. Mas estava longe de ser suficiente.E era por isso que eu estava ali. O cargo de secretária de um executivo significava um novo patamar. Um salário digno. Digno o bastante para me dar um respiro e cuidar da minha filha sem me preocupar se o dinheiro acabaria antes do mês. Eu precisava desse emprego. Não por mim, mas por ela.Me ajeitei na cadeira da sala de espera, alisando inutilmente o tecido amassado da minha saia. O som ritmado do meu salto batendo contra o chão quebrava
Eu não sabia se me sentia empolgada ou assustada - talvez as duas coisas ao mesmo tempo. Saí de casa confiante, cabeça erguida, como se nada pudesse me abalar, mas jamais imaginei que seria tão fácil. Fácil até demais.O problema é que, por dentro, eu estava insegura. Não porque eu achasse que não daria conta do trabalho, mas por causa do meu chefe. Noah Novack. Eu não fazia ideia de que era ele quando entrei naquela sala. Estudei muito sobre famílias influentes em Nova York, sobre empresários poderosos com quem eu poderia vir a trabalhar, mas o Noah... ele era diferente. Sempre foi uma figura misteriosa. Pouquíssimas informações sobre ele, assim como sobre a própria família Novack. Era quase como se vivessem à parte do mundo, escondidos sob um véu que ninguém conseguia atravessar.E o mais estranho? Eles são uma das famílias mais importantes da cidade - do país até. Entrar para aquele círculo parecia algo quase inalcançável. Não que eu quisesse fazer parte do clã Novack, claro, mas h
O dia inteiro foi arruinado por causa daquela mulher. Não queria admitir, mas desde o instante em que esbarramos no corredor, não consegui tirá-la da cabeça. Era irritante. O olhar dela, a forma como me desafiava sem nem saber quem eu era. E, mesmo depois que soube, continuava me encarando da mesma forma, como se não se importasse. Era como se estivéssemos constantemente em choque, faíscas invisíveis cortando o ar entre nós - e, por algum motivo, eu achava isso intrigante.Sempre fui movido por controle. Quando algo fugia das minhas mãos, fazia questão de puxar de volta. Como um touro selvagem que precisava ser domado a qualquer custo. Talvez fosse por isso que a escolhi tão rapidamente, mesmo tendo opções melhores, mais qualificadas. As outras candidatas tinham aquele olhar - o tipo que eu odiava. Brilhavam demais, tentavam demais, encaravam como se o escritório fosse uma vitrine de oportunidades além do trabalho. Emma, por outro lado, me olhava como se não se importasse. E isso... b
Chegou o grande dia. O momento que eu esperei por tanto tempo finalmente estava diante de mim. E, claro, eu estava nervosa. Minhas mãos suavam sem parar, as pernas bambas ameaçavam me trair a qualquer instante. Respirei fundo antes de entrar naquele escritório - o mesmo onde sonhei tantas vezes estar. Era a primeira vez, depois de muito tempo, que eu pisava ali não como estagiária, mas para trabalhar de verdade. Eu amava meu estágio. De verdade. Acreditei que ficaria ali por um bom tempo, quem sabe até conseguir uma vaga fixa. Mas não foi o que aconteceu. Quando descobri a gravidez, tudo mudou. No começo, tentei me manter firme, fingir que estava tudo bem, mas as coisas começaram a desmoronar aos poucos. Acabei sendo afastada, e, por mais que doesse, eu entendia. Quem iria querer uma estagiária grávida? Então, me recolhi. Passei meses sozinha, carregando a Aurora na barriga e o peso do mundo nos ombros. Depois que ela nasceu, as portas de emprego pareciam se fechar ainda mais rápido
Noah tamborilava os dedos contra a mesa, o som seco ecoando pela sala silenciosa. Estava mais nervoso do que o normal - e ele sabia disso. Aquele lugar, que antes representava um refúgio de ordem e previsibilidade, agora parecia uma armadilha onde sua mente vagava para longe do trabalho. Precisava se concentrar. Havia prazos, números, decisões importantes. Mas, em vez disso, sua atenção escorregava para a nova secretária.Ele mesmo a havia escolhido, com cuidado. O currículo era impecável, a postura profissional, o olhar focado. Era tudo o que Noah esperava - alguém que cumprisse suas funções sem interrompê-lo, sem atrapalhar seu fluxo de trabalho. E, ainda assim, ali estava ele, completamente tenso, como se ela tivesse feito algo errado. Mas ela não tinha.Ele se odiava por isso. Odiava a forma fria e distante com que a tratava, mesmo sabendo que ela não merecia. Não conhecia a mulher além de seu nome e cargo, mas havia algo ali, algo que o incomodava de uma maneira inexplicável. E i
Era o meu primeiro dia, e a mistura de empolgação e nervosismo fazia meu estômago revirar. Eu tentava me concentrar no trabalho, mas tudo mudou quando Noah me chamou até sua sala. Esperei por uma bronca ou um comentário ríspido - afinal, minha visão sobre ele era clara: um chefe arrogante, hiperpotente e acostumado a ter todos aos seus pés. Mas ele me surpreendeu."Me desculpe se fui ríspido mais cedo", ele disse, sua voz soando firme, mas com um toque de honestidade. Por um segundo, fiquei desconcertada. Eu não esperava isso. Ele parecia ser o tipo de homem que jamais admitiria um erro, mas ali estava, olhando nos meus olhos com uma sinceridade quase desconcertante.Saí da sala sem saber o que pensar. Era só um pedido de desculpas, certo? Mas algo em sua postura, no jeito como suas palavras soaram, não saía da minha cabeça. Eu devia confiar nisso? Ou era apenas uma fachada bem construída?"Você é só a secretária dele, Emma", murmurei para mim mesma, tentando afastar qualquer pensamen