Para você, amada D.
Então você foi, numa meia-noite. Da mesma forma que você chegou. Te levei para casa, com os mesmos faróis desligados daquele carro. — Por que você não vai ficar? — ela perguntou. — Alguém nesse momento provavelmente está chorando pedindo colo. — eu disse. — É a nossa bebê? — perguntei. — Talvez. Não posso te dar promessas. E assim ela suspirou, beijou-me e abriu a porta. Sua companhia nunca soube disso, deveríamos ter terminado, mas nós nunca pudemos colocar um ponto final. Eu me mudei, mudei o cabelo, troquei o carro e de amor, também deveras saber sobre isso. Tenho ainda alguns amigos, problemas e solidões. Mas nunca sei quando posso te ter. Lembre-se daquela cabine telefônica e de nós, você estava em um orelhão e eu em uma cabine. Será que isso é importante? Esses objetos transitam em minha natureza, pelas memórias que eles pesam em meus botões. Um carro, duas bicicletas, um lixo. Na vitrine, sacos de dormir, um bote e coturnos. Você sabe exatamente qual direção eu remeto ao te dizer esses códigos. Possivelmente foram amados algum dia, mas agora, me parecem descartes ou esquecimentos. É a mesma sensação melancólica de tentar valsar um tango, são passos diferentes para cada coisa. Um está como um tipo de verbo, o outro é substantivado. São coisas imprescindíveis para nossa língua de signos. Diferentes, mas formam uma frase, com complementos. Assim como os materiais e as relações emocionais. — Compre. — dizia o letreiro. — Por quê? — uma pergunta que ecoava os impulsos. Alguns lustres, tijolos e um jardim esquecido. Naquela casa há um letreiro de venda, eu não sei se você sabe, mas ele ainda permanece. O bar aqui perto fecha à meia-noite. Depois disso, eles só tocam jazz e oferecem bebidas. Desprezo um pouco sobre quem canta, é uma moça de voz aveludada e forte, não se compara a sua voz de peito, claro. É bom de ouvir, ela cantou a canção do nosso último jantar. Eu peço desculpas, mas não continuo tomando um vinho Rosê. Na verdade, gosto de ter coisas mais fortes que não me deixam perder o controle, mas não me façam estar em sobriedade. Um opala, dois pares de luvas e um porta-malas. Dessa vez, tudo está vazio. Mas é bom saber que permanece algo além daquele túnel. Todas meias-noites eu me ponho a pensar sobre o que costuma fazer agora, se ainda há um objeto que te faz pensar sobre mim ou se ele remete à uma boa memória que causei alguma vez. Se ainda há inconstância no seu modo de produzir o mundo que outras pessoas usarão e se elas pensam também sobre isso ao usar essas coisas. Você ainda se lembra dos hotéis que passamos e das bagunças de bastidores que só nós sabíamos fazer? Não incomodávamos ninguém, é claro. Era algo apenas nosso, como se todas as vezes que fizéssemos isso, seria legal fazer outra vez. Será que é pedir demais? Invadir uma cozinha para roubar sobremesas, tomar um vinho de uma adega especial ou simplesmente observar outros hóspedes, inventar histórias para eles e depois tornar isso a nossa história. Tenho certeza de que ainda se lembra quando vestíamos as manequins de uma vitrine de loja de forma diferente de algum departamento e isso incomodava o gerente na manhã do sol. Chegávamos em casa ainda com as gostas de chuva, denunciando que não estávamos onde costumavam estar naquele horário. Você tinha as permissões para ir a lugares secretos, mas nunca usou todas elas para todos eles. Lembro do seu toque que atiçava aguçadamente todos os poros do meu corpo, me recordando o quanto era bom sentir você sobre o meu. O quanto era quente o seu beijo e o quanto você era suave no âmago, acariciando nossos desejos, deixando mais latente o pulsar dos corações, depois da nossa anatomia ousar estar tão intensamente elétrica. Agora minha sombra tem dançado sem você pela primeira vez. Queria tanto ter você aqui esta noite, dizendo as coisas que não se arrepende e das quais sim, às vezes. Sei que pode pensar em mim as vezes e projetar essas falas na parede, porque elas nunca denunciariam confissões tão íntimas. Vejo isso quando fecho os olhos. Sinceramente, sinto sua falta, ainda não te superei mas direi isso da próxima vez. Meu coração te espera. Porque nós nunca vamos deixar de fazer isso. É só mais um tempo.Sentada na calçada, com um vestido de conto de fadas, ela lê essas cartas, se perguntando porque tudo aconteceu de uma maneira tão fascinante. Era só uma adolescente que as encontrou em meio ao lixo que havia numa correspondência de uma casa bem antiga que agora seria seu novo lar. Sempre que olhava para a placa se perguntava: Por que ainda não a venderam? E agora, certamente, sabia a resposta. Aquele lugar parecia irreal para ser continuado por outras pessoas. Ali, havia um pertencimento de um casal para sempre. Mas, ela poderia continuar com uma nova história para aquela que nunca poderia terminar. Fez o trajeto, mas nunca à meia-noite noite, pois acreditava não ser uma boa aventura para uma garota. Com as coordenadas, encontrou uma cabine telefônica e, certamente a mesma vitrine das citadas em suas leituras. Dessa vez, o que se encontrara eram lindos vestidos. Entrou na loja, foi atendida por uma simpática senhora e, pelos lábios vermelhos, jaqueta jeans e calças de
Quando a jovem chega no dia seguinte, Diana disse: sente-se! Essa é uma longa história. A jovem que trouxe um gravador consigo mesma, pediu permissão para gravar, pois queria transformar a história de vida de Diana em um best-seller.Diana começou narrando o cenário da história: Uma flor caiu do ramalhete. Tropeço no vestido longo. Usava headphones conectados à uma espécie de walkman. O ano era 1986, antes de me tornar modista, eu era florista. Estava numa praça. Vendi poucas flores aquele dia.Uma mão atravessou o meu olhar e me deu uma flor. Era de um violinista que trabalhava na praça.Agradeci.Ele tão jovem quanto eu, me convidou para tomarmos um sorvete numa lanchonete. Eu não aceitei. Era a primeira vez que o vi ali. Não seria bom aceitar convite de estranhos.Mas não foi a única vez, eu achei que fosse uma exceção. Não era.No outro dia, vendi todas as flores, mas o dinheiro não foi bom. Tive que vender "a preço de banana". Ser mulher é saber que certamente
Tudo é uma questão de querer. Se há disposição, comprometimento, tempo e oportunidade, as histórias de romance vão bem além de um papel. É por isso, que seja bom não perder o controle da situação, mesmo quando se perde um coração por mágoas. Quando abrimos os olhos, morremos, porque viver é mesmo um sonho ilimitado, mas que exige um certo descanso. Acho que estava em atraso. O relógio despertou, quase meio-dia, eu deveria ter acordado vinte minutos antes... Apenas escovei os dentes, após uma ducha rápida, penteei o cabelo, peguei a cesta, o walkman e, claro, vesti o meu vestido. Dessa vez, usava sapatos diferentes. Era isso o que a pressa poderia causar. Corri, aqueles dois quilômetros foram percorridos em tempo recorde. Tim estava olhando para o relógio e eu disse: Estou aqui! Ele me mirou de forma direta e apontou para o relógio. — Eu sei! — disse entoando desculpas. — Bom, não temos muito para reclamar. Agora, terá sua cesta de flores guardadas com meus instrument
Eu não o conhecia, mas gostava dele e queria o ter por perto. Por isso, voltei a praça pela manhã. Fui à lanchonete, estava com o chapéu que ganhei dele, mas o Tim até então não havia chegado. Tentei ligar de um orelhão, mas não sabia o número dele. Tentei mandar uma carta pelos correios, mas não sabia o endereço. O que mais poderia fazer? Não podia o esperar. Por isso, peguei o meu cesto de flores e fui vender rosas na praça. Aquele dia haveria bastante dinheiro. Era uma data comemorativa que envolvia flores. Eu consegui convencer as mulheres da rua, a comprar flores para si mesmas. E ainda fiz um belo desconto. Vendi as flores antes mesmo do meio-dia e, fiquei esperando no banco da praça, vendo um pouco da vida passar. Comecei a cantar cantigas de roda populares que tinham alguma conotação romântica. "Como pode o peixo vivo Viver fora da água fria Como poderei viver Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia" * Um vento galopante se estendeu sobre as tamanhas
A diferença entre meu eu e o da Pouplain era estar em status sociais distintos. Mas a gente tinha gosto em comum. Discos empoeirados e soprar a poeira para ouvi-los, devorar um brigadeiro direto da panela, não aguentar assistir à uma partida de futebol, mas amávamos assistir o mesmo filme pelo menos umas quinze vezes... não passávamos tanto tempo no cabeleireiro, nem sequer gastávamos muito tempo com cálculos matemáticos... mas, a gente era impulsiva e, isso causava um fascínio pelo poder de compra. Uma determinada loja de departamentos vendia o urso de pelúcia mais macio, suave e fofo que poderia existir. Ele custava o equivalente a cinco pilas. Eu fiquei tão apaixonada que vendi flores extras para comprar, mas, a vendedora disse: — Aqui não temos mais ursos de pelúcia daquele modelo disponível, tente em outra loja. — Mas não dá para comprar o do mostruário? — Ele sai com cinquenta por cento de desconto. — Eu quero! — Meus olhos brilharam naquela afirmativa. Ela pegou o
Escrever palavras é a melhor maneira de silenciar a demonstrar um completo silêncio em se calar.Estava à toa, mas ao mesmo tempo à vontade. E tinha vontade de ir ao cinema, assistir um filme.Mas as vontades as vezes se passavam por necessidade. Se fosse ao cinema, eu não ia ter dinheiro para a comida, para contas do mês em geral. E vice-versa. Estava um pouco cansada. A brisa naquele dia estava gelada. O temporal anunciava a chegada dela: A tempestade. Raios e trovões, relâmpagos e clarões... eu ainda não tinha um guarda-chuva, mas não tinha medo, a chuva não me faria me perder. Tim não estava pela praça àquele instante. Uma senhorinha estava um pouco atordoada e, por isso, a levei para a lanchonete, para que pudesse encontrar um lugar seguro. De repente, um raio atingiu duas vezes a mesma árvore central da praça. A descarga elétrica foi muito forte. A energia na rua tinha ido ao beleléu.Mas, Tim se aproximou em instantes dizendo: Pouplain! E eu respondi: Oiiiiii..
A camisa de Tim, a mesma de sempre, acabara de ser manchada. E iria para a sua centésima lavagem. Mas ela não se sujou assim.Primeiro, fomos à lanchonete. Ganhamos um lanche de cortesia da Lady Francisco, uma das donas do estabelecimento, com imensa generosidade e gentileza. Ao começarmos a degustação, Tim me perguntou sobre as vendas das flores. — Lady Lara, você faz dinheiro o suficiente para se manter na venda de flores? — Nem sempre, às vezes, eu só vou me virando aqui e ali. Além disso, eu tenho uma irmã e tenho que fazer de tudo para que ela possa estudar e cursar o que ela deseja, porque eu mesma não tive essa oportunidade e, pelo jeito, nunca a terei. — Mas você ainda é jovem. Sempre há tempo para estudar. Se quiser, posso te ajudar. O que pretende fazer?— Eu não sei. As pessoas pensam que gosto de vender ou empreender, mas eu não gosto, apenas me sinto em pena a cumprir a sina da minha família. — Bom, a universidade fica na capital e há uma feira na próxima
Na outra semana, uma notícia abalaria a cidade. Estela trazia o jornal da banca e com o seguinte anúncio: Procura-se filha do fazendeiro Gilberto Ruiz, desaparecida há 27 anos.A notícia anunciava que uma mulher havia levado a criança para um passeio e nunca mais regressou. Desde então, a busca incessante por Luciana Ruiz era de fato um enigma.Quem foi a mulher que levou a criança? E por quê?Essa era uma pergunta muito corriqueira, mas a verdadeira pergunta era: Como se tornar Luciana? Muita gente se ouriçou, principalmente depois da notícia que o fazendeiro apareceria pela cidade em busca da filha perdida, pois houve boatos de que ela estava ainda por lá, mas com outra aparência. Coloquei todas as cartas na manga, comecei a pesquisar a história de forma ampla, até chegar ao microdetalhe. E, para chegar a esse micro, me infiltrei como florista, no meio das ruas, até conseguir uma resposta coerente. Com quem eu consegui? Isso não foi em apenas uma procura, na verdade, a jo