Sentada na calçada, com um vestido de conto de fadas, ela lê essas cartas, se perguntando porque tudo aconteceu de uma maneira tão fascinante.
Era só uma adolescente que as encontrou em meio ao lixo que havia numa correspondência de uma casa bem antiga que agora seria seu novo lar. Sempre que olhava para a placa se perguntava: Por que ainda não a venderam? E agora, certamente, sabia a resposta. Aquele lugar parecia irreal para ser continuado por outras pessoas. Ali, havia um pertencimento de um casal para sempre. Mas, ela poderia continuar com uma nova história para aquela que nunca poderia terminar. Fez o trajeto, mas nunca à meia-noite noite, pois acreditava não ser uma boa aventura para uma garota. Com as coordenadas, encontrou uma cabine telefônica e, certamente a mesma vitrine das citadas em suas leituras. Dessa vez, o que se encontrara eram lindos vestidos. Entrou na loja, foi atendida por uma simpática senhora e, pelos lábios vermelhos, jaqueta jeans e calças de mesmo tecido azul, parecia muito similar a um dos personagens das cartas que lera. Tirou uma folha do bolso, coincidentemente, era a que dizia a inicial de um dos correspondentes. Sorriu quando olhou para o letreiro daquela loja nomeada: O ateliê de Diana. A senhora lhe perguntou: O que deseja? Ela respondeu: Eu acho que isso lhe pertence. — entregando-a todas as cartas. — Gostou do papel de parede amarelo? — a senhora perguntou. — Uma coisa clássica nunca sai de moda. — respondeu. — Sabe, há muito tempo achei que nunca deveria ter contado, mas precisava desabafar. E só deixei que a casa fosse vendida a alguém que intimamente se importaria de lê-las, sem obedecer a privacidade. — Sério? Então, tudo isso aconteceu? — Eu sonhava em publicar um livro, mas naquela época seria arriscado. Trabalhava num mercado muito injusto e era a minha única oportunidade. Eu me envolvi com alguém tão especial, que tinha muitos holofotes ao seu redor e isso complicaria se fosse colocado à prova. A família dele iria ser arruinada e minha vida também. — Nossa! Então, você sabe onde ele está? — Talvez em algum espaço vazio de algum “eu te amo” que não pude escrever ou declamar. — E se a gente o encontrar de novo? — Acho que não, talvez, ele não foi o meu único amor. A senhora fez uma pausa e disse: Amores retroativos nunca saem de moda! — Por que você diz isso? — Eu fui uma mulher de muitos amores secretos, à meia-noite. Toda vez que chegou um amor novo, eu simplesmente não me prendia a nenhum. O J foi inesquecível, mas a minha liberdade era bem mais. Eu gostava de criar roupas e sapatos, mas também tinha uma vida dupla, quando decidi atuar como figurinista numa produtora de cinema local. Criei vestidos magníficos para a Pérola Miller, acho que não é da sua época, mas ela foi uma grande atriz entre as décadas de 70 e 80. Gostava dela, tinha um corpo bonito e olhos grandes, amendoados, que eram fascinantes quando ela delineava em cut crease. Ela também teve muitos romances, inclusive com o J. Ele era alto, usava óculos, tinha um lindo cabelo com topete escovado para trás. Os olhos dele eram azuis, num tom profundo e hipnotizante. Quando ele deixava a barba por fazer, minha nossa... era a coisa mais simbólica sensualmente falando, porque causava alguns arrepios e eu não respondia pelo meu descontrole, mas você é muito nova para entender dessas coisas. Não quero te deixar corrompida pelas malícias mundanas para depois não saírem falando que eu fui uma má influência para você. — Fiquei curiosa com a sua história, Diana. Poderia me contar, melhor? — Claro, mas você terá que vir amanhã, assim, eu te conto tudo. — Combinado! A adolescente saiu de cena e Diana passou a observá-la, toda serelepe. Parecia que o vintage instigava as pessoas em cada lugar do mundo, principalmente os jovens. Ah, eles eram sempre tão sonhadores...Quando a jovem chega no dia seguinte, Diana disse: sente-se! Essa é uma longa história. A jovem que trouxe um gravador consigo mesma, pediu permissão para gravar, pois queria transformar a história de vida de Diana em um best-seller.Diana começou narrando o cenário da história: Uma flor caiu do ramalhete. Tropeço no vestido longo. Usava headphones conectados à uma espécie de walkman. O ano era 1986, antes de me tornar modista, eu era florista. Estava numa praça. Vendi poucas flores aquele dia.Uma mão atravessou o meu olhar e me deu uma flor. Era de um violinista que trabalhava na praça.Agradeci.Ele tão jovem quanto eu, me convidou para tomarmos um sorvete numa lanchonete. Eu não aceitei. Era a primeira vez que o vi ali. Não seria bom aceitar convite de estranhos.Mas não foi a única vez, eu achei que fosse uma exceção. Não era.No outro dia, vendi todas as flores, mas o dinheiro não foi bom. Tive que vender "a preço de banana". Ser mulher é saber que certamente
Tudo é uma questão de querer. Se há disposição, comprometimento, tempo e oportunidade, as histórias de romance vão bem além de um papel. É por isso, que seja bom não perder o controle da situação, mesmo quando se perde um coração por mágoas. Quando abrimos os olhos, morremos, porque viver é mesmo um sonho ilimitado, mas que exige um certo descanso. Acho que estava em atraso. O relógio despertou, quase meio-dia, eu deveria ter acordado vinte minutos antes... Apenas escovei os dentes, após uma ducha rápida, penteei o cabelo, peguei a cesta, o walkman e, claro, vesti o meu vestido. Dessa vez, usava sapatos diferentes. Era isso o que a pressa poderia causar. Corri, aqueles dois quilômetros foram percorridos em tempo recorde. Tim estava olhando para o relógio e eu disse: Estou aqui! Ele me mirou de forma direta e apontou para o relógio. — Eu sei! — disse entoando desculpas. — Bom, não temos muito para reclamar. Agora, terá sua cesta de flores guardadas com meus instrument
Eu não o conhecia, mas gostava dele e queria o ter por perto. Por isso, voltei a praça pela manhã. Fui à lanchonete, estava com o chapéu que ganhei dele, mas o Tim até então não havia chegado. Tentei ligar de um orelhão, mas não sabia o número dele. Tentei mandar uma carta pelos correios, mas não sabia o endereço. O que mais poderia fazer? Não podia o esperar. Por isso, peguei o meu cesto de flores e fui vender rosas na praça. Aquele dia haveria bastante dinheiro. Era uma data comemorativa que envolvia flores. Eu consegui convencer as mulheres da rua, a comprar flores para si mesmas. E ainda fiz um belo desconto. Vendi as flores antes mesmo do meio-dia e, fiquei esperando no banco da praça, vendo um pouco da vida passar. Comecei a cantar cantigas de roda populares que tinham alguma conotação romântica. "Como pode o peixo vivo Viver fora da água fria Como poderei viver Sem a tua, sem a tua Sem a tua companhia" * Um vento galopante se estendeu sobre as tamanhas
A diferença entre meu eu e o da Pouplain era estar em status sociais distintos. Mas a gente tinha gosto em comum. Discos empoeirados e soprar a poeira para ouvi-los, devorar um brigadeiro direto da panela, não aguentar assistir à uma partida de futebol, mas amávamos assistir o mesmo filme pelo menos umas quinze vezes... não passávamos tanto tempo no cabeleireiro, nem sequer gastávamos muito tempo com cálculos matemáticos... mas, a gente era impulsiva e, isso causava um fascínio pelo poder de compra. Uma determinada loja de departamentos vendia o urso de pelúcia mais macio, suave e fofo que poderia existir. Ele custava o equivalente a cinco pilas. Eu fiquei tão apaixonada que vendi flores extras para comprar, mas, a vendedora disse: — Aqui não temos mais ursos de pelúcia daquele modelo disponível, tente em outra loja. — Mas não dá para comprar o do mostruário? — Ele sai com cinquenta por cento de desconto. — Eu quero! — Meus olhos brilharam naquela afirmativa. Ela pegou o
Escrever palavras é a melhor maneira de silenciar a demonstrar um completo silêncio em se calar.Estava à toa, mas ao mesmo tempo à vontade. E tinha vontade de ir ao cinema, assistir um filme.Mas as vontades as vezes se passavam por necessidade. Se fosse ao cinema, eu não ia ter dinheiro para a comida, para contas do mês em geral. E vice-versa. Estava um pouco cansada. A brisa naquele dia estava gelada. O temporal anunciava a chegada dela: A tempestade. Raios e trovões, relâmpagos e clarões... eu ainda não tinha um guarda-chuva, mas não tinha medo, a chuva não me faria me perder. Tim não estava pela praça àquele instante. Uma senhorinha estava um pouco atordoada e, por isso, a levei para a lanchonete, para que pudesse encontrar um lugar seguro. De repente, um raio atingiu duas vezes a mesma árvore central da praça. A descarga elétrica foi muito forte. A energia na rua tinha ido ao beleléu.Mas, Tim se aproximou em instantes dizendo: Pouplain! E eu respondi: Oiiiiii..
A camisa de Tim, a mesma de sempre, acabara de ser manchada. E iria para a sua centésima lavagem. Mas ela não se sujou assim.Primeiro, fomos à lanchonete. Ganhamos um lanche de cortesia da Lady Francisco, uma das donas do estabelecimento, com imensa generosidade e gentileza. Ao começarmos a degustação, Tim me perguntou sobre as vendas das flores. — Lady Lara, você faz dinheiro o suficiente para se manter na venda de flores? — Nem sempre, às vezes, eu só vou me virando aqui e ali. Além disso, eu tenho uma irmã e tenho que fazer de tudo para que ela possa estudar e cursar o que ela deseja, porque eu mesma não tive essa oportunidade e, pelo jeito, nunca a terei. — Mas você ainda é jovem. Sempre há tempo para estudar. Se quiser, posso te ajudar. O que pretende fazer?— Eu não sei. As pessoas pensam que gosto de vender ou empreender, mas eu não gosto, apenas me sinto em pena a cumprir a sina da minha família. — Bom, a universidade fica na capital e há uma feira na próxima
Na outra semana, uma notícia abalaria a cidade. Estela trazia o jornal da banca e com o seguinte anúncio: Procura-se filha do fazendeiro Gilberto Ruiz, desaparecida há 27 anos.A notícia anunciava que uma mulher havia levado a criança para um passeio e nunca mais regressou. Desde então, a busca incessante por Luciana Ruiz era de fato um enigma.Quem foi a mulher que levou a criança? E por quê?Essa era uma pergunta muito corriqueira, mas a verdadeira pergunta era: Como se tornar Luciana? Muita gente se ouriçou, principalmente depois da notícia que o fazendeiro apareceria pela cidade em busca da filha perdida, pois houve boatos de que ela estava ainda por lá, mas com outra aparência. Coloquei todas as cartas na manga, comecei a pesquisar a história de forma ampla, até chegar ao microdetalhe. E, para chegar a esse micro, me infiltrei como florista, no meio das ruas, até conseguir uma resposta coerente. Com quem eu consegui? Isso não foi em apenas uma procura, na verdade, a jo
Fiquei na casa isolada. As sirenes tocaram. As pessoas na pensão saíram. Estavam na rua para conversar. E, a casa que era tão barulhenta se tornou tão quieta. De todos os filmes que poderia citar os trechos ou lavar uma camisa uma centena de vezes, aquela não era a melhor válvula de escape que imaginei. Eu estava falando comigo mesma. Havia uma voz que eu pensava ser minha. Eu me acostumei com ela. Agora há uma espécie de vazio. Sinto que posso estar totalmente bem, embora as paredes nunca falariam o quanto eu tenho falado comigo mesma e nessa parte eu me perco na minha própria mente. Pensava que se fingir em ter aquele abraço outra vez na minha cabeça e que também estamos rindo, saberei que não existirá mais ninguém e eu acabei de conversar, conversando comigo mesma.Se pelo menos eu tenho uma fita e nela sua voz está gravada, eu posso te ouvir falando meu nome. Não será a mesma coisa, mas é melhor pensar no tanto. Há uma lista nesse exato momento. Eu acabei de fazer.