Se apaixonando lentamente

Eu não o conhecia, mas gostava dele e queria o ter por perto.

Por isso, voltei a praça pela manhã. Fui à lanchonete, estava com o chapéu que ganhei dele, mas o Tim até então não havia chegado.

Tentei ligar de um orelhão, mas não sabia o número dele. Tentei mandar uma carta pelos correios, mas não sabia o endereço. O que mais poderia fazer? Não podia o esperar.

Por isso, peguei o meu cesto de flores e fui vender rosas na praça. Aquele dia haveria bastante dinheiro.

Era uma data comemorativa que envolvia flores. Eu consegui convencer as mulheres da rua, a comprar flores para si mesmas. E ainda fiz um belo desconto.

Vendi as flores antes mesmo do meio-dia e, fiquei esperando no banco da praça, vendo um pouco da vida passar.

Comecei a cantar cantigas de roda populares que tinham alguma conotação romântica.

"Como pode o peixo vivo

Viver fora da água fria

Como poderei viver

Sem a tua, sem a tua

Sem a tua companhia"

*

Um vento galopante se estendeu sobre as tamanhas excentricidades da vida. E de repente, o meu pranto resolveu mostrar que era um hora de sair, quando eu queria mesmo era que fosse embora.

Não gostava de me sentir assim vulnerável e solitária, mas não gostava também que quem provocasse uma bagunça fuja assim, do nada.

Limpei as lágrimas. Voltei a um estágio contemplativo.

Em segundos, alguma coisa boa poderia acontecer.

Resolvi voltar para casa mais cedo. Mafalda ficou me bisbilhotando da janela quando percebeu minha volta temprana.

Guardei o dinheiro das flores numa caixa de sapatos velha e, pus embaixo da cama, mas mudei de ideia e criei um fundo falso no portarretrato da minha bisavó.

Ela também era florista e passou um dom tão especial para a sua filha, que passou para sua filha e que depois chegou a mim, sem ao menos ser uma escolha.

Queria ter tido a oportunidade genuína de estudar numa faculdade, mas minha mãe, viu que eu não poderia esperar tanto pra ganhar dinheiro. Precisava ajudar a pagar as contas... mas ela se foi, não de partida no paraíso, mas em uma viagem à capital e, nunca mais recebi notícias, nem ao menos alguma carta ou cartão-postal.

Ela não me deu um endereço, nada. Eu só tive que aprender a conviver com a solidão.

Não a julgo. Ela teve uma escolha, mas qual escolha eu teria?

Eu tinha uma irmã mais nova para cuidar. Ela vai à escola e chega exatamente às doze horas do meio-dia.

Não sei se posso cuidar dela ou de seus sonhos, porque tenho medo de exilar suas escolhas, assim como as minhas.

Quando a vejo abrindo aquela porta pela primeira vez, a abracei e acolhi sua chegada e, pela primeira vez, fizemos a tarefa de casa juntas. Não era uma calculadora, mas entendia de matemática, sempre que podia.

— O que vai fazer esse resto da tarde?

— O que quer que eu faça?

— Vamos assistir a um filme juntas na televisão?

— Pode ser... qual o que passará hoje?

— Edward Mãos de Tesoura.

— Ah, eu adoro esse!

— Eu também!

E nos sentamos no sofá para ver um filme que passaria um milhão de vezes e em todas elas seria como se fosse a primeira vez.

E, depois do filme, Estela continuou assistindo, enquanto que eu fiz bolinhos de chuva para comer com café. Aquela seria nossa janta. Uma janta bem requintada, diga-se de passagem.

O dia apesar de não ter sido tão cansativo, causou uma certa exaustão pelo que já havia feito ao longo da semana.

Estela já dormia no sofá, enquanto que eu, depois de verificar todas as fechaduras, fui dormir na cama.

Quando o despertador tocou, às quatro e meia, fui tomar um banho. Escovei os dentes, fiz café e comprei pães.

Minha irmã acordou às cinco e meia. Tomou banho, vestiu a farda e tomou café. Escovou os dentes, pegou a mochila e, foi à escola. Que não ficava muito distante. Apenas há quinhentos metros de distância.

Eu fui para o trabalho. Estava um pouco exausta, apesar de ter dormido bem.

Passei pela lanchonete e, logo bem cedo, Tim estava na praça, tocando violino.

Eu me aproximei e disse-lhe: Bom dia!

Ele se assustou um pouco, eu corei, e respondeu: Ah, senhorita Pouplain... bom dia!

— O que aconteceu ontem? Você não apareceu...

— Tive que comparecer a um enterro.

— Quem morreu?

— Meu pai.

— Sinto muito. Te envio todo meu carinho, eu sei que é uma perda difícil e que a dor não passa, mas que você possa ficar bem.

— Te agradeço, senhorita. — ele estava visivelmente emocionado.

Não pude deixar de abraçá-lo àquele instante.

Tudo o que ele precisava mesmo era de um conforto para evitar o conflito.

E eu esperava muito que meu abraço pudesse fazer algum efeito.

Passei as mãos sobre suas costas, era algo agradável para ser feito em momentos de condolências. Ele parecia ter segurado o seu pranto por muito tempo, algo estava dando um nó na garganta e ele não sabia como destravar. Mas eu estava ali, mesmo que não estivesse.

Após o abraço, ele disse: Vou tocar essa música para você, Ladie Lara.

E ele passou a tocar uma melodia que parecia não ser estranha... mas eu não lembrava muito.

E assim, ele tocou, até o final da manhã, quando, de repente, sentiu necessidade em partir.

— Para onde você vai?

— Vou para casa.

— Posso ir com você?

— Não me acha um completo desconhecido?

— Ainda assim, mas já tem um lado de você que conheci e gostei de explorar. Me mostre outros.

— Não posso.

— Por que não?

— Não quero que veja o que não é o melhor que posso te oferecer. Por favor, eu não recusaria esse pedido em outro dia, mas gostaria de ficar sozinho, pelo menos hoje.

— Tudo bem, te entendo.

E ele foi embora.

E eu também fui.

Resolvi não trabalhar no fim de semana. Fiz faxina em casa no sábado e, no domingo, plantei uma horta, no quintal.

Mas era impossível não lembrar dele. O que ele me fez de tanto que eu não pude entregar o nada?

Eu não sabia explorar o que sentia, não entendia, ao mesmo tempo que a sensação causava bons agrados, ela também dilacerava. Não filtro muito bem, parece que absorver se torna mais intenso. Mas não posso deixar me levar por muito tempo assim, alguém saberia em que médico ir para curar a dor que aperta o peito e faz bater de um jeito inesperado?

Eu acho que um cardiologista nunca descobriria o tanto de dor e as rachaduras que esse coração fluía. Pelo menos ninguém nunca se atreveu a estudar tanto.

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