Fiquei na casa isolada. As sirenes tocaram. As pessoas na pensão saíram. Estavam na rua para conversar. E, a casa que era tão barulhenta se tornou tão quieta. De todos os filmes que poderia citar os trechos ou lavar uma camisa uma centena de vezes, aquela não era a melhor válvula de escape que imaginei. Eu estava falando comigo mesma. Havia uma voz que eu pensava ser minha. Eu me acostumei com ela. Agora há uma espécie de vazio. Sinto que posso estar totalmente bem, embora as paredes nunca falariam o quanto eu tenho falado comigo mesma e nessa parte eu me perco na minha própria mente. Pensava que se fingir em ter aquele abraço outra vez na minha cabeça e que também estamos rindo, saberei que não existirá mais ninguém e eu acabei de conversar, conversando comigo mesma.Se pelo menos eu tenho uma fita e nela sua voz está gravada, eu posso te ouvir falando meu nome. Não será a mesma coisa, mas é melhor pensar no tanto. Há uma lista nesse exato momento. Eu acabei de fazer.
O antiquário estava fechado. Ele ficava em frente à minha floricultura. Havia uma pessoa sentada na calçada, mas que logo levantou e, foi embora. Me olhei no espelho, estava diferente. Mas um reflexo no vidro do ateliê me fez ver alguém inesperado. — Bom dia, Senhorita! Quais são as flores disponíveis hoje?— Bom dia! — esqueci de falar das flores. Mas Tim estava bem a minha frente, acompanhado de uma moça. — Senhorita Pouplain?! — ele se assustou.A moça cutucou ele e, logo em seguida, eu disse: Sou Luciana! Ele entendeu que estava interpretando um personagem.— Recomendo usar flores amarelas para hoje. Denotam que algo nunca deve se aprofundar antes de uma verdadeira amizade.— É uma boa opção, mas prefiro rosas vermelhas.— Ao seu dispor. Peguei as rosas e embrulhei. A moça que lhe acompanhava já estava lá fora. — Por que você está vestida assim e por que tem essa floricultura? — Eu sou a herdeira do fazendeiro. — Isso não é verdade, você sabe muito bem. — Qu
Alguém caminhava, outra pessoa pegava um café na lanchonete. De certa forma eles se esbarraram. Se talvez apenas eles tivessem se atrasado um pouco, nada poderia acontecer. Alguns marcharam como indeciso cordões, nos campos, ainda havia fome, não importava a extensão da plantação. Uma nova florista fazia da flor seu instrumento de guerra, como uma canção, onde o refrão se repetia de forma intensa.A história estava em sua mão, havia amores em sua mente ou na mente de quem presenteava? Porque tinha flores no chão, sem certeza do que vinha pela frente. O pipoqueiro queimou a pipoca para ajudá-la. A moça estava sendo maltratada. Mas por que só ele viu? Existia mais gente ali.Se existisse mais alguém ali, o pipoqueiro não perderia sua fornada.Eu me aproximei da florista, que sorrindo, me deu uma rosa. Aceitei. E, em sua mão, pus uma nota de poucos reais.Fui embora daquela praça, onde os pombos não queria a pipoca queimada.Voltei para o meu lugar, mas fugi de quem eu era.
— Estou sendo procurada?— Que nada! Ele não pode fazer isso, porque se ele colocar você, pode também pôr o dele na reta. — Por quê?— Saiba que há denúncias contra ele, só isso que posso dizer.— Obrigada, Coralina.— Disponha... e saiba que a Mafalda está querendo te matar também, espero que você nunca mais volte pra cá. Viva a sua vida de outra maneira, crie outra versão de você, mas jamais apareça nessa cidade outra vez. — Entendi, agradeço pelo retorno.E desliguei a linha. Com a minha cesta de flores, meu Walkman e minha única roupa, fui em direção à outro trem, para me afastar ainda mais dos meus primeiros erros. O cobrador das passagens me reconheceu.— Oi, tudo bem? Você não é a... — Não sou.— A Perfídia! Sorri amarelo.Ele me disse: Nossa, você está muito bem... para onde está indo?— Não sei.— E você lembra de mim?— Gabriel.— Exatamente. Eu era mais gordo na época. — Eu lembro.— Você tem lugar para ficar? — Tenho sim. — Não tem não...—
Achado no lixo, em um dia ensolarado, levara chuva, mas conseguiu ser resgatado. Do que estou falando? Daquele Walkman. Ouvi música o tempo inteiro, nos meus dias mais alegres aos mais escritos por linhas tortas, nunca de forma certa. O único problema é que ele deixou de me pertencer. Porque eu o esqueci ali, no banco do ônibus. Era o 48, a linha que ia da zona mais cosmopolita até a mais litoral. E, como saber onde o Walkman estaria. Em que momento ele seria de volta pra mim ou não seria? Naquele dia estava distraída. Maldito beijo que parece teia de aranha. Envolver-se era uma tarefa quase sempre de exilar a si. E quando se exila o que se é, dificilmente volta a se encontrar. Quando desci do ônibus, fiquei esperando na rodoviária. Para onde eu iria? Nunca tinha saído do meu lugar de naturalidade.Até que, quando me dei conta do Walkman, por sorte, o ônibus ainda estava lá, mas estava fechado. E foi difícil convencer o motorista a abri-lo.Então, esperei o motorista se
Quem nasceria da paz de um beija-flor? Luciana. A bela herdeira do trono fazendeiro, mas que queria se dedicar aos palcos. O curioso de sua história era que, naquele dia, ela iria se casar, com ninguém mais, ninguém menos que Tim. Não era sobre amor aquela história, era sobre ascender socialmente por pedaços e pedaços de terra e garantir para sempre uma boa herança entre filhos e netos. Eu já estive naquele lugar antes, mas não me pertenceu. Mafalda, estava com a pensão a todo vapor, já que muita gente indicava como o melhor lugar genérico para a comida caseira, principalmente com o dia da cerimônia, em que o buffet foi organizado pela dona Mafalda e sua trupe de inquilinos. Cheguei na cidade pela madrugada, de forma silenciosa e sorrateira. Fui para o meu aposento, agora, em cima da floricultura, uma casa bastante pequena e aconchegante, mas que não dava a ideia de moradia, parecia algo como um segundo andar. Contratei duas floristas para atender a demanda, não queria dar
A floricultura estava a todo vapor. A florista da praça apareceu por lá, a fim de encontrar algumas novas flores.Peguei algumas já embaladas e entreguei a ela. — Quanto custam, moça? — Nada, é apenas um presente. — Muito obrigada. — A florista sorriu e foi embora. — Espera. Ela parou um instante e eu perguntei: Você aceita trabalhar aqui?— Na sua loja? — Claro! E disse que ela poderia fazer seu expediente naquele dia mesmo. Ela me abraçou e eu retribuí. Apresentei a florista, chamada de Helena, às outras floristas chamadas de Maria e Juliana.E assim, voltei ao meu quarto. Na parede, vi um retrato em branco e preto. Eu era uma criança nele, mas as memórias não foram felizes. Devido a tanta miséria e tanta falta de sorte, eu não era uma criança com cor e vida, nem era cheia de imaginação. Só tinha o que havia de ter acontecido, uma vida miserável, sem um amor, sem família e sem um bom futuro. Às vezes, me imagino e suponho que era melhor nem nascera, mas
A cada esquina que se passa um pouco de nós é estacionado e nunca se esvai, nossos sonhos esmagados, nossa vida acaba dando certo, tão certo que pruma pro errado. A vida deveria ser mais gentil, mas ela esmaga a maior parte do tempo. As flores que plantei no dia anterior, que estavam na estufa, foram todas guardadas em um carro. Algumas delas tinham se formado, Maria me perguntou o porquê e respondi: Sei lá, elas nunca falam. Declarei aquele estabelecimento fechado, mas algumas coisas ficaram lá dentro, como o diário da babá da Luciana e a hipoteca da mansão. Que, inexplicavelmente o prédio pegou fogo logo após a minha saída.As rosas nunca diriam tal culpado, mas eu realmente mereceria um lugar que me pertencesse e me acolhesse da forma mais gentil, caso contrário, eu me tornaria o moinho de cada mundo.Por isso, na mesma época, mudei de estado, foi aí que conheci a produtora de cinema, deixei a floricultura e passei a investir no ramo da moda. Eu era boa nisso, boa em fazer