O filme

Escrever palavras é a melhor maneira de silenciar a demonstrar um completo silêncio em se calar.

Estava à toa, mas ao mesmo tempo à vontade. E tinha vontade de ir ao cinema, assistir um filme.

Mas as vontades as vezes se passavam por necessidade.

Se fosse ao cinema, eu não ia ter dinheiro para a comida, para contas do mês em geral. E vice-versa.

Estava um pouco cansada. A brisa naquele dia estava gelada. O temporal anunciava a chegada dela: A tempestade.

Raios e trovões, relâmpagos e clarões... eu ainda não tinha um guarda-chuva, mas não tinha medo, a chuva não me faria me perder.

Tim não estava pela praça àquele instante.

Uma senhorinha estava um pouco atordoada e, por isso, a levei para a lanchonete, para que pudesse encontrar um lugar seguro.

De repente, um raio atingiu duas vezes a mesma árvore central da praça. A descarga elétrica foi muito forte. A energia na rua tinha ido ao beleléu.

Mas, Tim se aproximou em instantes dizendo: Pouplain!

E eu respondi: Oiiiiii...

A chuva ainda estava forte lá fora.

— O que acha de nós irmos ao cinema?

— Eu não tenho dinheiro.

— Nem eu.

— E como vamos ao cinema?

— Entraremos pela porta dos fundos, assim que a sessão tiver iniciado. Pegaremos as cadeiras laterais, porque geralmente são de difícil acesso.

— Você já fez isso antes?

— Sem dúvidas.

— A gente pode ser preso por isso.

— Não vai não...

— E o que acha que não vai fazer a gente ver o sol nascer quadrado?

— Ora, esse cinema capenga nunca levou ninguém ao xilindró por conta de ter entrado sem comprar ingresso.

— E se formos os primeiros?

— Vem!

Ele me pegou pela mão e me levou para correr pelo mundo. Havia tanto que eu nem sabia que existia.

Entre portas abertas e fechadas, algo muito estava sendo dito e eu só vi esse caminho, quando olhei dentro de mim.

O cinema estava prestes a começar a sessão. O cinema estaria colocando Elvira, a Rainha das Trevas em cartaz.

Era peculiar, porque era a primeira vez que ouvia um título tão fascinante.

Entramos pelas portas dos fundos, quando tudo estava escuro. As pessoas riram.

A primeira cena já estava sendo rodada.

Nos sentamos no canto, na última fileira.

E, ao olhar cada reação das pessoas e olhar a reação do Tim, era espetacular ter a oportunidade de ser espectador num termômetro ao vivo e em cores.

Tim se divertiu muito. Eu também.

E antes de subir os créditos, ele me disse: Precisamos ir...

Eu assenti.

E saímos novamente pela porta dos fundos e ninguém nos viu.

— O filme não é ótimo?

— Com certeza.

— Da próxima vez, quem sabe, a gente não assiste desde o começo é fica até o final...

— Sem sombra de dúvidas.

De repente, ele pegou em minha mão e me olhou olho no olho, com um olhar penetrante.

Corei.

Mas o momento foi atrapalhado por um segurança que disse: Para fora do cinema, agora!

E nós corremos.

Nossos trajes não estavam dos melhores. Éramos vistos como maltrapilhos, marginalizados.

Mas gostaria que houvesse algo diferente, como um filme em que se pode decorar cada linha, trecho ou expressão e rebobinar na memória, vindo uma mistura nostálgica e prazerosa, mas causando uma saudade por talvez não encontrar para assistir e sentir o mesmo, ficando apenas uma boa impressão.

Eu nunca soube como era ser vista de forma elegante, que todos os olhares surgissem por admiração e não por desprezo. Eu tinha medo de não conseguir chegar ao topo e sempre ser uma miserável.

Mas as coisas aos poucos foram ganhando formas distintas pro meu destino.

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