O encontro

Quando a jovem chega no dia seguinte, Diana disse: sente-se! Essa é uma longa história.

A jovem que trouxe um gravador consigo mesma, pediu permissão para gravar, pois queria transformar a história de vida de Diana em um best-seller.

Diana começou narrando o cenário da história:

Uma flor caiu do ramalhete. Tropeço no vestido longo. Usava headphones conectados à uma espécie de walkman. O ano era 1986, antes de me tornar modista, eu era florista.

Estava numa praça.

Vendi poucas flores aquele dia.

Uma mão atravessou o meu olhar e me deu uma flor. Era de um violinista que trabalhava na praça.

Agradeci.

Ele tão jovem quanto eu, me convidou para tomarmos um sorvete numa lanchonete.

Eu não aceitei.

Era a primeira vez que o vi ali.

Não seria bom aceitar convite de estranhos.

Mas não foi a única vez, eu achei que fosse uma exceção. Não era.

No outro dia, vendi todas as flores, mas o dinheiro não foi bom. Tive que vender "a preço de banana".

Ser mulher é saber que certamente não haverá uma nação que te acolha inteiramente, por isso, é necessário ser a nossa própria nação, enquanto morada.

Aguentar o sol quente, sem ao menos ter um guarda-chuva, foi o que me fez chegar à conclusão de que a efemeridade e o arco-íris se tornavam semelhantes. Que não adiantava muito esperar ganhar o objeto, porque não o ganharia, se não o comprasse, o que me fez acreditar que nós mesmas podemos nos presentear, como um gesto de autocuidado.

Não sei o que fazia de bom, além de vender flores, me foi dada essa tarefa há muito tempo e que achei difícil se desvincular de mim. Pensei que há um desejo prolongado: o medo de não sobreviver e o perigo em atravessar a rua sem saber o que reserva a esquina.

Na minha idade, qualquer garota sonhava, eu penso que o tempo passa rápido para um sonho e a cronometragem se torna interminável.

E assim, a solidão me fez ter um privilégio. De se fazer o que bem entender, incluindo escarrar gotas de pranto, porque não há ninguém para ver.

E sentia que não acabava uma jornada, apenas se ganhava mais uma Odisséia. E as minhas, foram encontrar flores e rosas, bem bonitas, frescas e com aroma agradável.

Mas um dia, uma tal encomenda me deixou aflita. Não encontrei uma flor Estralim. Tentei falar com as mais diversas floriculturas e nenhuma delas falou existir flor com tal nome assim.

Os vendedores prepotentes, me chamaram de analfabeta. Mas acho toda essa gente desajustada do conhecimento, daquele que realmente liberta.

Nessa procura, acabei indo em direção à outra praça, lá estava o violinista. Tocava músicas seculares e eruditas. Mas ele não me avistou. Porque cheguei pelas costas. Ele se assustou e riu da situação caótica.

Ele me chamou de Ladie Lara.

E eu o chamei de Lorde Tim.

Eram codinomes que a gente inventou para ficar mais fácil aquela vida, era como se fôssemos personagens, e todo aquele trabalho era uma cena.

Lembro do seguinte diálogo:

— O que acha de ir tomar um milk-shake?

— Não gosto de nada gelado. É ruim pra garganta, amanhã vou precisar dela.

— Então, você me acompanha?

— Talvez. Primeiro, me prove que é inofensivo.

— Como posso te provar isso?

— Tranque suas coisas, seus instrumentos e os guarde bem distante de você. Mas sem guardar atrás de nenhuma porta, nem ponha cadeados, apenas se quiser, mas nenhum ferrolho trancará a astúcia de como eu puder me libertar.

— Eu deixo os instrumentos perto da esquina. Na loja do meu amigo.

Lembro de rir e perguntar:

— E por que você toca?

— Por que você respira?

— Ambos precisamos sobreviver.

— Você vende flores?

— Eu vendo rosas também.

— Qual foi a solidão em que te deixaram flores ao seu lado, mas ninguém viu?

— Acho que foi crescer e saber que perderia memórias, junto com ilusões, mas ganharia outras. Isso ninguém vê.

— Ou finge que não sabe.

— E o que faz com as flores que não vende?

— Coloco em túmulos, distribuo para alguns seres humanos, deixo para as poetas marcarem seus livros ou elas ganham seu próprio protagonismo.

— Algumas vão para o lixo?

— Pode acontecer se alguém estiver de mau humor.

— Quando você oferece a rosa, alguém pode pegar apenas para o descarte?

— Muitas vezes.

— E o que você faz?

— Continuo pelo caminho.

— E onde dorme?

— Em uma casa.

— Não vai me contar mais?

— É quase um mistério... a vida não é um mar de rosas.

— Mas basta saber tocar e pode sentir os espinhos ou os aromas.

— Bom, acho que é por aí...

Quando chegamos à lanchonete. Ele pediu o milk-shake. Eu comecei a conversar com a Barista. E, ela pergunta:

— O que vai querer, senhorita?

— Nada... apenas estou de passagem. Mas agradeço.

— Você tem certeza que não quer comer algo? — Tim me pergunta.

— Sim, é minha única certeza por enquanto.

Peguei um papel no bolso do meu vestido, comecei a tentar desvendar o que era um Estralim. Seria algo que não fosse flor e se fosse flor de que cor ela pertenceria?

Ao ver no meu papel o então nome exótico, Tim questiona:

— Está procurando isso?

— Sim, para uma encomenda.

— Mas o que é?

— Dizem ser um tipo de flor.

— Já procurou no Jardim do Éden?

— Muito engraçado, mas infelizmente, acho que a Eva não nos deu o caminho.

— Mas não tô brincando! É uma floricultura do fim da rua no centro. As pessoas não vão lá porque é bem esquisito mesmo.

— Eu nunca fui.

— Pois vamos.

— E será que eu devo ir com um completo desconhecido?

— Não, eu não sou um completo desconhecido. E, além disso, eu não tenho minhas ferramentas, o que me faz ser inofensivo.

— Pois bem, eu não garanto tanta inofensividade assim...

— E por que você usa um Walkman? — ele mudou completamente o rumo da prosa.

— Eu encontrei no lixo da zona rica da cidade. E vi que estava funcionando, então, trouxe comigo.

— E o que ouve?

— Apenas a fita que está dentro dele.

— E que tipo de música é?

— Eu não sei.

— Posso ouvir?

Eu concordei e ele pôs em seus ouvidos.

Após passar um tempo, ele ditou: É uma demo. Provavelmente você encontrou algo bem valioso se essa pessoa ficar famosa.

— E o que devo fazer?

— Você venderá a fita.

— Mas é a única que tenho.

— Prefere ficar com a fita a vender?

— Sem sombra de dúvidas.

Ele terminou de tomar o milk-shake. E resolveu que iria comigo ao Jardim do Éden, uma floricultura do fim da rua.

Lá tinham lojas bem diferentes, as pinturas pareciam desmoronar e os prédios também. Eu carregava a cesta sem flores, um walkman no pescoço e não tinha um guarda-chuva.

Ele decidiu parar numa loja de artigos granfinos. E, pediu para que eu escolhesse um chapéu.

— Mas por quê eu tenho que escolher um chapéu?

— Vai te ajudar com toda essa radiação solar.

— E quanto a chuva?

— Não se pode vender flores em dias de chuva. É altamente perigoso.

— Mas não tenho escolha. Não importa se o sol aparecer ou quiser ir embora, eu preciso vender as flores.

— Escolhe um chapéu, vai...

— Então, vou escolher esse com essa cor que digamos não é das melhores, mas é uma cor que dificilmente dirão que dá para se notar.

— E por que você não quer que notem?

— Porque podem me roubar.

— Entendi...

Ele pagou pelo chapéu e eu disse: Por que está me presenteando com um chapéu?

— Logo, logo você vai entender, Ladie Lara.

Saímos da loja. Ele colocou o chapéu em minha cabeça. Disse que eu ficava elegante com o chapéu e lembro de agradecer e ficar envergonhada. Não gostava de ser elegante, apenas me apetecia ser eu mesma.

Andando alguns minutos, avistei de longe a fachada daquela floricultura tão diferente do lugar, que destoava completamente. Por que haveria uma floricultura tão bonita em um lugar tão feio?

Nos aproximamos da loja e, antes de abrir a porta, um senhor veio nos atender lá fora:

— Boa tarde, juventude! No que posso ajudar?

— A Lady Lara, uma imigrante botânica, precisa de uma rosa para estudo. O que o senhor sabe sobre a flor Estralim? — disse Tim.

Eu apenas fiquei sorrindo, porque não queria transparecer minha verdadeira identidade.

— As rosas azuis do Cruzeiro do Sul? Ah, são adoráveis, mas elas não vendem por aqui.

— E onde vendem?

— É preciso ir à uma ilha do pacífico. Apesar de serem nomeadas como Cruzeiro do Sul, elas não são facilmente encontradas no país.

— Mas se há pedidos, deve ter alguém por aqui por perto que as tenha, não é? — indagou Tim.

— Oh, se não me falha a memória, há um homem, muito rico, dono da maior floricultura da cidade, que tem essa rosa em sua casa. Mas não são todos os que se aproximam de lá. Ele se chama Frederico Horácio.

— Tudo bem, então... muito obrigado.

Fiz uma reverência e acenei.

Quando nos distanciamos da loja, eu perguntei: Por que me apresentou como uma Lady de verdade?

— Ele só daria essas informações se te visse bem vestida.

— Mas o meu vestido não é dos melhores...

— Mas você tem um bom chapéu.

— E isso importa?

— Para pessoas mais velhas, um bom chapéu resolve tudo em questão de status.

— E como faremos com o Frederico?

— Você só precisa do chapéu e de um vestido floral.

— E como você vai me arranjar um vestido floral? Não vou te deixar comprar mais nada.

— Eu arrumo um no guarda-roupa da vó Eliza.

— É a sua avó?

— Sim, senhorita.

— E quando vamos para a casa do Frederico?

— Me encontre em frente à lanchonete, meio-dia.

— Devo trazer o cesto com as flores?

Ele acenou com a cabeça gesticulando um sim, com um sorriso no rosto.

Eu agradeci e, quando ele virou a esquina. Fui embora para casa.

Não era muito longe dali. Ficava há quase dois quilômetros.

Meus sapatos estavam um pouco gastos. Mas ainda poderia usá-los para visitar o senhor Frederico.

Abri a porta, o ferrolho estava emperrado. Mas nada que algumas debruçadas de força com o corpo, não ajudariam a abrir.

Minha vizinha Mafalda tinha uma pensão e, consequentemente, uma língua afiada e cheia de importunação.

Ela me cumprimentou aquele dia perguntando: Como vai, minha flor?

— Estou bem, obrigada! — Mas não entendi muito a conversa.

Abri a janela da minha cozinha, ela trazia luz ao resto do ambiente.

Mas Mafalda ainda bisbilhotara pela janela da sua casa, meus movimentos.

Mafalda abrigava quase vinte pessoas na pensão, só seus filhos eram oito. Ainda tinham o marido e a mãe. Das dez pessoas que não eram de seu parentesco, havia a Luna, uma jovem livreira que trabalhava numa livraria pequena da cidade; Roberto, Trambiqueiro e galanteador de mulheres casadas, um gigolô; Josefine, uma bailarina clássica que raramente aparecia; Clara, uma aposentada sem tanto tempo; Luiza, uma referência no clube das desquitadas, porque foi a primeira mulher a se divorciar na cidade e só teve paz depois do surgimento da lei; Grifo, um jovem professor de óculos muito bonito; Amanda, uma adolescente órfã que a única herança que tinha era a vida; Coralina, uma senhora que era escritora de romances ardentes; Paulo, um músico apaixonado que vivia de fazer serestas e, por fim, Cândida, uma mulher nem tão jovem, nem tão velha, com experiências avassaladoras.

Todos tinham em comum histórias. Mas nenhum deles as contava diretamente. Tudo o que se sabia era pela boca de outras pessoas. As aventuras trepidantes daquele lugar formavam um complexo existencial muito delicado e ao mesmo tempo eloquente.

Ainda assim, as pessoas se doavam para manter a vida como ela tinha que ser e, muitas vezes, não era.

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