Maitê Bell
Morar em Baltimore. Nunca imaginei como seria fazer isso sozinha. Quer dizer, a cidade tem seu charme, mas me deixou com a sensação de estar em um mundo diferente desde que tive que encará-la de outra forma, principalmente depois de São Paulo. Minha vida virou de cabeça para baixo por causa da mudança repentina dos meus pais para o Brasil, e agora sou só eu aqui. Dona Estela, minha vózinha, adoeceu e eu sabia que não tínhamos muita opção nesse quesito, não podíamos deixá-la sozinha no Brasil e trazer ela para Baltimore? Por Deus... fora de questão. Nós estávamos bem, não me entenda errado, mas a minha família nunca foi rica e a saúde pública fora do Brasil era inexistente, ainda mais... quando se tratava dos EUA. Eu amo a minha vózinha, claro. Gosto dela demais, mas, caramba, ninguém se prepara para uma mudança assim. Só não pirei de verdade porque eu tinha Stayce. Ela é a minha amiga mais leal, daquelas que te faz rir no meio do caos e nunca solta a sua mão.
Depois de algumas semanas no apê novo, menor e em um bairro não exatamente amigável, eu estava decidida a me virar sozinha, mas cá entre nós? Eu estava fracassando nesse trabalho. Ao menos até consegui um emprego no buffet da família da Stayce, um baita alívio. O trabalho ajudava a pagar as contas e ainda me permitia juntar algo para enviar ao Brasil, para a família. Mas claro que, no fundo, meu sonho de faculdade seguia firme — só não sabia ainda como o realizaria em meio a todo esse caos.
Mas agora era fim de tarde e estávamos no sofá do pequeno apartamento quando Stayce, como sempre, começou com a ideia de eu me mudar para a casa dela.
— Sério, Maitê, não precisa ficar aqui sozinha. Meus pais te adoram! — insistiu, me lançando aquele olhar que sabia que eu cederia.
— Fico agradecida, Stayce, de verdade. Mas não quero ser um peso. Vou ficar bem — respondi, tentando soar mais confiante do que estava.
Ela suspirou, claramente prestes a insistir, quando o celular vibrou de novo. Ela revirou os olhos e olhou para a tela.
— De novo, Stayce? — comentei, sem esconder a irritação.
Ela riu meio sem graça.
— É o... você sabe, o Dylan. Ele só quer saber onde estou.
— Tá, mas isso não cansa? Ele te manda mensagem a cada minuto, parece até que tá te monitorando.
— Ah, ele só é preocupado demais — ela murmurou, encolhendo os ombros.
Não consegui segurar o comentário.
— Preocupado demais ou controlador demais? Amiga... até “preocupação” deveria ter limite.
Ela parou e ficou pensativa, e eu quase me arrependi de ter falado. Mas a verdade é que nunca fui com a cara dele. Por um momento, pensei que ela ia responder algo mais sério. Mas não. Ela soltou uma risadinha forçada e balançou a cabeça.
— Que nada, Maitê, ele só se preocupa comigo... Acho fofo, na verdade.
Engoli o comentário que subia na garganta. A última coisa que eu queria era irritá-la. Além disso, ela realmente parecia acreditar nisso. E quem era eu para querer “salvar” alguém que não quer ser salvo?
— Bom, só sei que se eu fosse você, não ia achar tanta graça. Mas tudo bem, cada um sabe de si, né?
Ela deu de ombros, sem realmente responder. Ficamos em silêncio por um tempo, eu olhando para o teto, pensando na bagunça que tinha se tornado a minha vida e Stay, claro, ignorando o quão problemático esse relacionamento dela era.
— Então, vai mesmo começar a faculdade ano que vem? — ela perguntou, mudando de assunto antes que eu tivesse coragem de falar alguma coisa, e eu suspirei.
Eu senti o peso dessa decisão. O sonho de estudar arquitetura estava ali, mas era quase impossível agora com a situação financeira da minha família. Eu queria ajudar minha avó, queria guardar dinheiro, queria fazer tudo ao mesmo tempo, mas sentia que não estava conseguindo nada. Me sentia estagnada.
— Eu quero. Mas... — hesitei, tentando disfarçar a frustração. — Ainda falta muito. Quero guardar o máximo de dinheiro que conseguir, talvez eu consiga entrar no segundo semestre. Vamos ver.
Stayce me olhou, com aquele jeito meigo dela, tentando encontrar uma palavra certa para me consolar, mas que não soasse como piedade. No fundo, eu sabia que ela queria me ajudar de todas as formas possíveis.
— Você vai conseguir, Maitê. Não importa o quanto demore, você sempre consegue o que quer. Nunca vi alguém mais teimosa!
Eu sorri e joguei uma almofada nela, rindo.
— Quem é teimosa aqui é você, tentando me convencer a morar na sua casa!
Ela riu alto e me devolveu a almofada, o que transformou o meu pequeno apartamento em um campo de guerra de travesseiros. Por alguns minutos, o peso das responsabilidades desapareceu e era só eu e minha amiga, como nos velhos tempos. Mas, claro, o celular dela vibrou de novo.
Ela o pegou, olhando para a tela, e a expressão no rosto dela mudou. Ela parecia desconfortável.
— Deixa eu adivinhar — falei, jogando mais uma almofada. — Seu namorado está com ciúmes de um travesseiro agora?
Ela olhou para mim, sem graça, e eu fiquei séria. Estava na hora de ser honesta.
— Stayce, você sabe que se algum dia precisar, eu estou aqui pra você, né? Tipo... de verdade. Sem brincadeira agora.
Ela hesitou, e por um momento eu achei que ela fosse dizer algo importante. Mas, em vez disso, ela sorriu e fez um aceno com a mão.
— Eu sei, Maitê. Obrigada. Mas, sério, eu tô bem.
Aquela era a resposta que eu esperava, mas não a que eu queria. Às vezes, sentia que ela escondia muito de mim. Algo sobre aquele relacionamento parecia... errado. E eu só queria que ela visse o que eu via.
Me levantei, tentando disfarçar o desconforto e a frustração.
— Bom, já que você tá bem, acho melhor a gente ir dormir, né? Amanhã tem o meu primeiro evento do buffet oficialmente, até agora só trabalhei nos bastidores, e eu não quero parecer um zumbi.
Ela riu, assentindo, e eu me senti um pouco melhor. No fundo, apesar das inseguranças, dos medos e da saudade de casa, ter Stayce por perto era uma dádiva. Talvez a vida estivesse me preparando para ser mais forte do que eu imaginava.
Maitê BellNo dia seguinte, eu acordei com o som insistente das notificações no celular. Uma parte de mim queria ignorá-las, voltar para o sono tranquilo que parecia me prometer um pouco de paz. Mas, ao ver o nome da minha mãe piscando na tela, percebi que não dava para adiar. Respirei fundo e abri a mensagem, porque eu sabia que se minha mãe tivesse me enviado uma mensagem a essa hora, era porque era importante.[Mamãe]: Filha, sua avó precisa de uma cirurgia no coração. A situação aqui não está fácil, mas vamos dar um jeitoMeu coração apertou quando li aquelas palavras. Minha avó sempre foi uma fortaleza na nossa família. A ideia de que agora ela estava vulnerável, precisando de ajuda e eu tão longe, me deixava aflita. Era nessas horas que a distância parecia um abismo. Pensei em responder imediatamente, mas as palavras não vinham. O que eu poderia dizer? Que estava preocupada? Que sentia culpa por estar aqui enquanto eles lidavam com tudo sozinhos?Em vez disso, fechei os olhos po
Maitê BellEu trabalhei a noite praticamente inteira, então, quando eu cheguei em casa, apenas apaguei e no dia seguinte... eu estava exausta, mas não tinha como escapar — e nem queria —, e por mais que eu tentasse disfarçar, eu estava nervosa. Muito. Naquela manhã, Stayce apareceu no meu apartamento, vestida de jeans e blusa larga, com um saco de compras na mão e um sorriso travesso no rosto.— Trouxe um presente especial — anunciou, balançando a sacola. — Você vai estar impecável.Ela disse com diversão e tirou um vestido preto de cetim, com um caimento que parecia feito sob medida. As alças eram finas, o decote discreto, mas ainda assim elegante. Eu o segurei, sem acreditar.— Stayce, isso é lindo demais… não precisava.— Precisava, sim. Hoje é um dia especial. — Ela me olhou com carinho, como se dissesse que sabia da importância desse momento pra mim. — Eu sei que você tem um crushzinho no Gregório. Eu quero que você esteja maravilhosa hoje, afinal, você está me ajudando.O celula
Gregório SmithOdeio eventos beneficentes.O salão impecável, as pessoas falando com falsa cordialidade, as risadas exageradas… todo aquele teatro me incomoda. Sou obrigado a aturar as abordagens de pais desesperados tentando casar suas filhas comigo, cada uma mais maquiada e engomada que a outra. É ridículo e, no mínimo, exaustivo. As mães me lançam olhares cúmplices, cheias de segundas intenções, como se eu estivesse ali, prestes a dar um passo rumo a um casamento. São esses os motivos pelos quais sempre trago Amélia comigo.Amélia é minha amiga desde a infância. É elegante, discreta e inteligente o suficiente para entender a natureza do nosso acordo: ela me acompanha, eu compro algo extravagante para ela. Essa combinação nos livra de conversas complicadas e mantém os parasitas sociais afastados. No instante em que passamos pela entrada do evento, ela se agarra ao meu braço, já rindo de alguma piada qualquer. Estávamos nos encaminhando para o salão principal quando uma jovem me este
Gregório SmithDepois de um certo tempo, finalmente consegui sair, mas a mulher que tanto me chamou atenção não estava mais lá.Eu saí do salão com uma irritação palpável crescendo dentro de mim. Tudo parecia preparado, calculado; era apenas um anel, algo sem significado… pelo menos, deveria ser. Mas agora ele queimava no meu bolso como um lembrete de uma oportunidade que escapou. Por um lado, queria me livrar dessa sensação irritante, esquecer a ideia absurda de ter um anel de safira guardado para uma recepcionista de evento. Por outro, eu queria vê-la de novo, ver como reagiria ao receber algo como aquilo.Ainda tentando me convencer do contrário, segui até onde Amélia me esperava, ao lado da saída principal. Ela estava exausta, mas o sorriso de satisfação ainda estava estampado no rosto ao acariciar o colar de diamantes pendurado no pescoço.— Gregório, foi uma noite maravilhosa! — Ela me puxou para um abraço rápido e sorria com a confiança de quem sabia que aquele colar era apenas
Maitê BellNa semana seguinte ao evento, a vida voltou ao normal. O evento beneficente parecia uma experiência distante e quase surreal, como se aquele vislumbre do mundo dos ricos e glamurosos fosse algo fora do meu alcance. Voltei para o trabalho e a rotina de economizar cada centavo, ainda determinada a fazer meu caminho para a faculdade. Sabia que precisava encontrar um jeito de tornar esse sonho possível, mesmo que parecesse quase inalcançável às vezes, principalmente com todos os problemas que meus pais e minha avó vinham passando.Eu estava no sofá do apartamento, revisando os detalhes do processo seletivo de uma universidade quando Stayce chegou, largando-se ao meu lado com um suspiro pesado. Olhei para ela, notando o cansaço estampado em seu rosto. Havia algo diferente em sua postura, algo tenso.— Tá tudo bem, Stayce? — perguntei, tentando captar o que estava acontecendo.Ela hesitou, mordendo o lábio. Depois de alguns segundos, soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos
Gregório SmithMason estava debruçado sobre a mesa de reuniões, analisando com atenção o calendário de eventos do próximo semestre, e eu já sabia para onde essa conversa iria. Já tinha ouvido falar sobre as expectativas de todos para comemorar os 25 anos da empresa, mas agora, vendo aquele olhar determinado nos olhos dele, percebi que estava oficialmente sem saída.— Gregório, não tem como fugir dessa. Precisamos marcar uma festa para os 25 anos e você sabe que esperam algo grande — começou ele, cruzando os braços como se quisesse me desafiar a dizer o contrário.Suspirei e passei a mão pelo queixo, tentando disfarçar o tédio.— É, eu sei que precisamos fazer isso. Não é como se fosse uma questão de escolha, não é? — falei, tentando esconder a irritação.— Exato. E, olha, eu entendo seu desânimo, mas pensa bem: uma festa dessas não é só uma noite chata com discursos vazios e elogios forçados. Você sabe que isso é mais do que um evento. Vai ser a oportunidade de reforçar parcerias, fec