Capítulo 06

Maitê Bell

Na semana seguinte ao evento, a vida voltou ao normal. O evento beneficente parecia uma experiência distante e quase surreal, como se aquele vislumbre do mundo dos ricos e glamurosos fosse algo fora do meu alcance. Voltei para o trabalho e a rotina de economizar cada centavo, ainda determinada a fazer meu caminho para a faculdade. Sabia que precisava encontrar um jeito de tornar esse sonho possível, mesmo que parecesse quase inalcançável às vezes, principalmente com todos os problemas que meus pais e minha avó vinham passando.

Eu estava no sofá do apartamento, revisando os detalhes do processo seletivo de uma universidade quando Stayce chegou, largando-se ao meu lado com um suspiro pesado. Olhei para ela, notando o cansaço estampado em seu rosto. Havia algo diferente em sua postura, algo tenso.

— Tá tudo bem, Stayce? — perguntei, tentando captar o que estava acontecendo.

Ela hesitou, mordendo o lábio. Depois de alguns segundos, soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos, uma expressão frustrada estampada em seu rosto.

— Eu e o Dylan brigamos de novo — ela disse, a voz baixa e cheia de resignação.

Revirei os olhos. Aquilo parecia mais comum do que eu gostaria. Dylan era o tipo de namorado que transformava ciúme em “cuidado excessivo”, e eu sempre achava que Stayce dava muitas desculpas para ele.

— Não acredito. O que foi dessa vez?

Ela deu de ombros, parecendo envergonhada.

— Ele disse que eu não devia sair tanto, que devia focar mais no nosso relacionamento… — disse, com a voz quase sumida.

— E você realmente acha que isso tá certo, Stayce? — perguntei, tentando segurar o tom de reprovação. — Não é a primeira vez que ele te diz essas coisas. Se ele te limita tanto assim, é porque quer te controlar, não proteger.

Ela me olhou e por um segundo pensei que ia concordar. Mas, em vez disso, balançou a cabeça.

— Não é tão simples, Maitê. A gente tá junto há anos. A nossa relação é mais profunda do que parece. Eu não posso jogar tudo fora assim só porque ele exagera às vezes.

Suspirei, tentando encontrar as palavras certas.

— Stayce, o tempo que vocês estão juntos não justifica o comportamento dele. Uma coisa é ele se preocupar, outra é ele te sufocar desse jeito.

Ela me lançou um olhar cansado, deixando claro que não estava disposta a continuar o assunto.

— Eu sei que você tá tentando me ajudar, mas eu não quero falar disso agora, tá? — Ela deu um meio sorriso, tentando aliviar o clima pesado que pairava sobre nós. — Vamos falar de outra coisa. Você já decidiu para qual faculdade vai tentar aplicar?

Eu estava cansada de sempre ver ela mudando de assunto assim, mas eu sabia muito bem que quando alguém não quer ser ajudada, não adianta insistir, ainda mais quando esse alguém não quer sequer ouvir o que se tem a dizer, então... aceitei a mudança de assunto, embora soubesse que aquilo não resolvia nada.

— Estou de olho em algumas universidades… Inclusive uma que oferece uma boa bolsa. Minhas notas são boas, mas a concorrência é acirrada. Vai ser complicado — respondi, enquanto ela assentia, claramente animada com a ideia.

Stayce tinha uma fé inabalável no meu potencial, algo que, em dias difíceis, era o que me mantinha tentando. A ideia de estudar Arquitetura, de construir uma carreira que realmente me motivasse, era algo que me aquecia o coração e que parecia, pouco a pouco, ganhar forma. Mesmo que fosse difícil, eu queria acreditar que poderia acontecer.

— Sabe, Maitê, você merece isso mais do que qualquer pessoa que eu conheço. E vai conseguir, pode apostar! — disse Stayce, dando um tapinha no meu ombro. — Com as suas notas, essa bolsa já é praticamente sua.

Nós rimos, e aquela leveza fez bem. Parecia uma dose de realidade simples e necessária depois da conversa sobre Dylan. No fundo, eu queria que Stayce tivesse esse mesmo brilho, essa mesma esperança com relação a ela própria. Mas sabia que não podia forçá-la a ver as coisas da mesma maneira.

Mais tarde, naquele mesmo dia, decidi me inscrever oficialmente para o processo de seleção. Sentei em frente ao computador e preenchi o formulário, sentindo o estômago revirar a cada informação que confirmava. Coloquei todas as notas dos anos anteriores, anexei documentos e revisei tudo pelo menos umas três vezes. Quando finalmente cliquei em "Enviar", fiquei olhando para a tela com o coração acelerado.

Stayce me observava de perto e quando percebeu que eu tinha concluído, deu um gritinho animado.

— Você conseguiu, finalmente tá feito! — exclamou, me puxando para um abraço. — Isso merece uma comemoração.

— Não exagera, eu só enviei uns formulários.

Ela riu.

— Olha, você vinha resistindo a isso, e francamente? Eles com toda certeza vão te aceitar.

— Claro... claro.

— Qual é, você merece isso.

— Tá bom. E o que você sugere que façamos para comemorar?

— Algo diferente, especial! Vamos sair? O barzinho perto da sua casa tá com promoções hoje, e eu tô falando sério, você merece!

— Se você diz que eu mereço, okay! — eu disse e ri, sentindo uma leveza que há muito tempo não sentia. — Vamos!

Stayce não pensou duas vezes antes de começar a andar como uma baratinha tonta. Ela estava eufórica por mim e eu sequer tinha recebido a resposta para me matricular de vez na faculdade. Mesmo assim, aceitei quando ela disse que queria comemorar antecipadamente, afinal, considerando a bagunça que minha vida tinha sido ultimamente, era um milagre eu ter conseguido enviar o formulário e completar ele.

Então, nós nos arrumamos rapidamente, escolhendo roupas simples, mas bonitas. Fomos até o barzinho de esquina, que ficava lotado nas noites de sexta. Era um daqueles lugares aconchegantes, com luz baixa e uma música ambiente que permitia conversas tranquilas. Pedimos algumas bebidas e ficamos jogando conversa fora, rindo, tentando esquecer qualquer coisa que nos incomodasse.

Estava tão envolvida no momento que, por algumas horas, deixei para trás qualquer lembrança do evento beneficente, da correria do trabalho ou das preocupações sobre o futuro. Naquela noite, era só eu e minha melhor amiga, brindando aos nossos pequenos sonhos e à certeza de que, de um jeito ou de outro, tudo daria certo.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo