Maitê Bell
Na semana seguinte ao evento, a vida voltou ao normal. O evento beneficente parecia uma experiência distante e quase surreal, como se aquele vislumbre do mundo dos ricos e glamurosos fosse algo fora do meu alcance. Voltei para o trabalho e a rotina de economizar cada centavo, ainda determinada a fazer meu caminho para a faculdade. Sabia que precisava encontrar um jeito de tornar esse sonho possível, mesmo que parecesse quase inalcançável às vezes, principalmente com todos os problemas que meus pais e minha avó vinham passando.
Eu estava no sofá do apartamento, revisando os detalhes do processo seletivo de uma universidade quando Stayce chegou, largando-se ao meu lado com um suspiro pesado. Olhei para ela, notando o cansaço estampado em seu rosto. Havia algo diferente em sua postura, algo tenso.
— Tá tudo bem, Stayce? — perguntei, tentando captar o que estava acontecendo.
Ela hesitou, mordendo o lábio. Depois de alguns segundos, soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos, uma expressão frustrada estampada em seu rosto.
— Eu e o Dylan brigamos de novo — ela disse, a voz baixa e cheia de resignação.
Revirei os olhos. Aquilo parecia mais comum do que eu gostaria. Dylan era o tipo de namorado que transformava ciúme em “cuidado excessivo”, e eu sempre achava que Stayce dava muitas desculpas para ele.
— Não acredito. O que foi dessa vez?
Ela deu de ombros, parecendo envergonhada.
— Ele disse que eu não devia sair tanto, que devia focar mais no nosso relacionamento… — disse, com a voz quase sumida.
— E você realmente acha que isso tá certo, Stayce? — perguntei, tentando segurar o tom de reprovação. — Não é a primeira vez que ele te diz essas coisas. Se ele te limita tanto assim, é porque quer te controlar, não proteger.
Ela me olhou e por um segundo pensei que ia concordar. Mas, em vez disso, balançou a cabeça.
— Não é tão simples, Maitê. A gente tá junto há anos. A nossa relação é mais profunda do que parece. Eu não posso jogar tudo fora assim só porque ele exagera às vezes.
Suspirei, tentando encontrar as palavras certas.
— Stayce, o tempo que vocês estão juntos não justifica o comportamento dele. Uma coisa é ele se preocupar, outra é ele te sufocar desse jeito.
Ela me lançou um olhar cansado, deixando claro que não estava disposta a continuar o assunto.
— Eu sei que você tá tentando me ajudar, mas eu não quero falar disso agora, tá? — Ela deu um meio sorriso, tentando aliviar o clima pesado que pairava sobre nós. — Vamos falar de outra coisa. Você já decidiu para qual faculdade vai tentar aplicar?
Eu estava cansada de sempre ver ela mudando de assunto assim, mas eu sabia muito bem que quando alguém não quer ser ajudada, não adianta insistir, ainda mais quando esse alguém não quer sequer ouvir o que se tem a dizer, então... aceitei a mudança de assunto, embora soubesse que aquilo não resolvia nada.
— Estou de olho em algumas universidades… Inclusive uma que oferece uma boa bolsa. Minhas notas são boas, mas a concorrência é acirrada. Vai ser complicado — respondi, enquanto ela assentia, claramente animada com a ideia.
Stayce tinha uma fé inabalável no meu potencial, algo que, em dias difíceis, era o que me mantinha tentando. A ideia de estudar Arquitetura, de construir uma carreira que realmente me motivasse, era algo que me aquecia o coração e que parecia, pouco a pouco, ganhar forma. Mesmo que fosse difícil, eu queria acreditar que poderia acontecer.
— Sabe, Maitê, você merece isso mais do que qualquer pessoa que eu conheço. E vai conseguir, pode apostar! — disse Stayce, dando um tapinha no meu ombro. — Com as suas notas, essa bolsa já é praticamente sua.
Nós rimos, e aquela leveza fez bem. Parecia uma dose de realidade simples e necessária depois da conversa sobre Dylan. No fundo, eu queria que Stayce tivesse esse mesmo brilho, essa mesma esperança com relação a ela própria. Mas sabia que não podia forçá-la a ver as coisas da mesma maneira.
Mais tarde, naquele mesmo dia, decidi me inscrever oficialmente para o processo de seleção. Sentei em frente ao computador e preenchi o formulário, sentindo o estômago revirar a cada informação que confirmava. Coloquei todas as notas dos anos anteriores, anexei documentos e revisei tudo pelo menos umas três vezes. Quando finalmente cliquei em "Enviar", fiquei olhando para a tela com o coração acelerado.
Stayce me observava de perto e quando percebeu que eu tinha concluído, deu um gritinho animado.
— Você conseguiu, finalmente tá feito! — exclamou, me puxando para um abraço. — Isso merece uma comemoração.
— Não exagera, eu só enviei uns formulários.
Ela riu.
— Olha, você vinha resistindo a isso, e francamente? Eles com toda certeza vão te aceitar.
— Claro... claro.
— Qual é, você merece isso.
— Tá bom. E o que você sugere que façamos para comemorar?
— Algo diferente, especial! Vamos sair? O barzinho perto da sua casa tá com promoções hoje, e eu tô falando sério, você merece!
— Se você diz que eu mereço, okay! — eu disse e ri, sentindo uma leveza que há muito tempo não sentia. — Vamos!
Stayce não pensou duas vezes antes de começar a andar como uma baratinha tonta. Ela estava eufórica por mim e eu sequer tinha recebido a resposta para me matricular de vez na faculdade. Mesmo assim, aceitei quando ela disse que queria comemorar antecipadamente, afinal, considerando a bagunça que minha vida tinha sido ultimamente, era um milagre eu ter conseguido enviar o formulário e completar ele.
Então, nós nos arrumamos rapidamente, escolhendo roupas simples, mas bonitas. Fomos até o barzinho de esquina, que ficava lotado nas noites de sexta. Era um daqueles lugares aconchegantes, com luz baixa e uma música ambiente que permitia conversas tranquilas. Pedimos algumas bebidas e ficamos jogando conversa fora, rindo, tentando esquecer qualquer coisa que nos incomodasse.
Estava tão envolvida no momento que, por algumas horas, deixei para trás qualquer lembrança do evento beneficente, da correria do trabalho ou das preocupações sobre o futuro. Naquela noite, era só eu e minha melhor amiga, brindando aos nossos pequenos sonhos e à certeza de que, de um jeito ou de outro, tudo daria certo.
Gregório SmithMason estava debruçado sobre a mesa de reuniões, analisando com atenção o calendário de eventos do próximo semestre, e eu já sabia para onde essa conversa iria. Já tinha ouvido falar sobre as expectativas de todos para comemorar os 25 anos da empresa, mas agora, vendo aquele olhar determinado nos olhos dele, percebi que estava oficialmente sem saída.— Gregório, não tem como fugir dessa. Precisamos marcar uma festa para os 25 anos e você sabe que esperam algo grande — começou ele, cruzando os braços como se quisesse me desafiar a dizer o contrário.Suspirei e passei a mão pelo queixo, tentando disfarçar o tédio.— É, eu sei que precisamos fazer isso. Não é como se fosse uma questão de escolha, não é? — falei, tentando esconder a irritação.— Exato. E, olha, eu entendo seu desânimo, mas pensa bem: uma festa dessas não é só uma noite chata com discursos vazios e elogios forçados. Você sabe que isso é mais do que um evento. Vai ser a oportunidade de reforçar parcerias, fec
Maitê BellMorar em Baltimore. Nunca imaginei como seria fazer isso sozinha. Quer dizer, a cidade tem seu charme, mas me deixou com a sensação de estar em um mundo diferente desde que tive que encará-la de outra forma, principalmente depois de São Paulo. Minha vida virou de cabeça para baixo por causa da mudança repentina dos meus pais para o Brasil, e agora sou só eu aqui. Dona Estela, minha vózinha, adoeceu e eu sabia que não tínhamos muita opção nesse quesito, não podíamos deixá-la sozinha no Brasil e trazer ela para Baltimore? Por Deus... fora de questão. Nós estávamos bem, não me entenda errado, mas a minha família nunca foi rica e a saúde pública fora do Brasil era inexistente, ainda mais... quando se tratava dos EUA. Eu amo a minha vózinha, claro. Gosto dela demais, mas, caramba, ninguém se prepara para uma mudança assim. Só não pirei de verdade porque eu tinha Stayce. Ela é a minha amiga mais leal, daquelas que te faz rir no meio do caos e nunca solta a sua mão.Depois de algu
Maitê BellNo dia seguinte, eu acordei com o som insistente das notificações no celular. Uma parte de mim queria ignorá-las, voltar para o sono tranquilo que parecia me prometer um pouco de paz. Mas, ao ver o nome da minha mãe piscando na tela, percebi que não dava para adiar. Respirei fundo e abri a mensagem, porque eu sabia que se minha mãe tivesse me enviado uma mensagem a essa hora, era porque era importante.[Mamãe]: Filha, sua avó precisa de uma cirurgia no coração. A situação aqui não está fácil, mas vamos dar um jeitoMeu coração apertou quando li aquelas palavras. Minha avó sempre foi uma fortaleza na nossa família. A ideia de que agora ela estava vulnerável, precisando de ajuda e eu tão longe, me deixava aflita. Era nessas horas que a distância parecia um abismo. Pensei em responder imediatamente, mas as palavras não vinham. O que eu poderia dizer? Que estava preocupada? Que sentia culpa por estar aqui enquanto eles lidavam com tudo sozinhos?Em vez disso, fechei os olhos po
Maitê BellEu trabalhei a noite praticamente inteira, então, quando eu cheguei em casa, apenas apaguei e no dia seguinte... eu estava exausta, mas não tinha como escapar — e nem queria —, e por mais que eu tentasse disfarçar, eu estava nervosa. Muito. Naquela manhã, Stayce apareceu no meu apartamento, vestida de jeans e blusa larga, com um saco de compras na mão e um sorriso travesso no rosto.— Trouxe um presente especial — anunciou, balançando a sacola. — Você vai estar impecável.Ela disse com diversão e tirou um vestido preto de cetim, com um caimento que parecia feito sob medida. As alças eram finas, o decote discreto, mas ainda assim elegante. Eu o segurei, sem acreditar.— Stayce, isso é lindo demais… não precisava.— Precisava, sim. Hoje é um dia especial. — Ela me olhou com carinho, como se dissesse que sabia da importância desse momento pra mim. — Eu sei que você tem um crushzinho no Gregório. Eu quero que você esteja maravilhosa hoje, afinal, você está me ajudando.O celula
Gregório SmithOdeio eventos beneficentes.O salão impecável, as pessoas falando com falsa cordialidade, as risadas exageradas… todo aquele teatro me incomoda. Sou obrigado a aturar as abordagens de pais desesperados tentando casar suas filhas comigo, cada uma mais maquiada e engomada que a outra. É ridículo e, no mínimo, exaustivo. As mães me lançam olhares cúmplices, cheias de segundas intenções, como se eu estivesse ali, prestes a dar um passo rumo a um casamento. São esses os motivos pelos quais sempre trago Amélia comigo.Amélia é minha amiga desde a infância. É elegante, discreta e inteligente o suficiente para entender a natureza do nosso acordo: ela me acompanha, eu compro algo extravagante para ela. Essa combinação nos livra de conversas complicadas e mantém os parasitas sociais afastados. No instante em que passamos pela entrada do evento, ela se agarra ao meu braço, já rindo de alguma piada qualquer. Estávamos nos encaminhando para o salão principal quando uma jovem me este
Gregório SmithDepois de um certo tempo, finalmente consegui sair, mas a mulher que tanto me chamou atenção não estava mais lá.Eu saí do salão com uma irritação palpável crescendo dentro de mim. Tudo parecia preparado, calculado; era apenas um anel, algo sem significado… pelo menos, deveria ser. Mas agora ele queimava no meu bolso como um lembrete de uma oportunidade que escapou. Por um lado, queria me livrar dessa sensação irritante, esquecer a ideia absurda de ter um anel de safira guardado para uma recepcionista de evento. Por outro, eu queria vê-la de novo, ver como reagiria ao receber algo como aquilo.Ainda tentando me convencer do contrário, segui até onde Amélia me esperava, ao lado da saída principal. Ela estava exausta, mas o sorriso de satisfação ainda estava estampado no rosto ao acariciar o colar de diamantes pendurado no pescoço.— Gregório, foi uma noite maravilhosa! — Ela me puxou para um abraço rápido e sorria com a confiança de quem sabia que aquele colar era apenas