O estranho só afastou seu toque flamejante quando se acomodaram em volta de uma mesa escolhida por Ana.
O alívio durou pouco. No lugar havia um sofá em forma de U de seis lugares e uma mesa de vidro, enorme o suficiente para Penélope manter distância do atraente homem, mas Ana fez com que se senta-se ao lado dele. Estavam tão próximos que seu braço nu roçava o dele causando uma sensação gostosa que, ao mesmo tempo, a confundia. Era como se uma força invisível a atraísse para ele, envolvendo-a em um calor aconchegante, acelerando seus batimentos e fazendo-a desejar se aninhar a ele.
— Oh, que cabeça a minha! Nem me apresentei. — Ana estendeu a mão com sua alegria esfuziante, sem vergonha alguma em dizer o sobrenome falso que estampava as identidades. — Sou Ana Waldorf. — O sujeito sorriu minimamente e aceitou o cumprimento, enquanto Ana terminava as apresentações. — Essas são minhas primas, Penélope e Jéssica.
Penélope suava frio, com medo de ele associar o sobrenome falso ao da estrela da série “Gossip Girl”, que Ana adorava tanto a ponto de copia-lo nas identidades. Discrição não era o lema da amiga.
Ele não pareceu notar nada e se apresentou, deixando as três boquiabertas e geladas de medo.
— Diego Freitas. Prazer em conhecê-las!
Elas ouviram que o filho mais novo de Roberto retornara à cidade no mesmo dia que Enrique Mendez, mas não haviam visto sequer a sombra dele e, de repente, ele as encontra em uma boate. Pior, pagou bebida alcoólica para as filhas menores de idade de seus empregados. Estavam encrencadas.
— Nossa! Tem o mesmo sobrenome de um dos donos da Freitas & Mendez. — Riu-se Ana com nervosismo. Rezou para que não fosse o Diego Freitas, filho do severo Roberto Freitas. O patrão de seu pai tinha fama de prezar o nome de sua família. Certeza que a mataria - e colocaria seu pai na rua - por envolver o filho mais novo em uma travessura juvenil.
— Meu pai é um dos donos — ele disse com pouco caso. Como se ser o herdeiro dos Freitas fosse à coisa mais banal do mundo. — Vocês são de Cezário?
— Não! Claro que não! — Ana respondeu risonha, os olhos não acompanhando a risada. Sempre tinha acesso de riso quando ficava nervosa. — Somos... Ah, universitárias... — jogou a mentira com tanta pressa que temeu ser descoberta. Diego ainda a encarava com interesse, então concluiu rindo: — Curtindo as férias antes de retornar aos livros.
Penélope cerrou os olhos com aflição. Uma nova mentira, na pilha que construíram desde que saíram de casa, não era uma boa ideia. No entanto, dizer a verdade estava fora de cogitação.
— Hum...
Se desconfiou de algo, Diego não demonstrou. Penélope acabou não tendo oportunidade de analisa-lo, pois, ele esticou o braço no assento do sofá, acima dos ombros dela, quase a abraçando no processo. E, para acabar com a sanidade da jovem, envolveu uma fina mecha do cabelo dela nos dedos.
Sentiu a face esquentar e o olhou espantada, sendo sugada pelos olhos castanho-escuros. Ele parecia um falcão prestes a agarrar a presa, e, para desespero de Penélope, a caça da vez era ela.
— Diego!!! — Foram surpreendidas pela chegada de três pessoas: Enrique e suas acompanhantes. — Cara, como consegue sumir desse jeito? — ele perguntou ocupando sem cerimônia o lugar ao lado de Jéssica, que corou da face acetinada até o pescoço.
Para alívio das três, ele não pareceu reconhecer Jéssica como a garota que lhe servira cappuccino em algumas manhãs na cafeteria de Cezário.
— Não sumi, encontrei companhia melhor — Diego respondeu ácido, o que surpreendeu Penélope, mas fez Enrique gargalhar.
— Três lindas mulheres. Sempre guloso. — Enrique deteve o olhar sobre Penélope. — Não vai nos apresentar?
Diego bufou antes de apresentá-las com tom entediado, até chegar em Penélope.
— Essa é Penélope — informou, deslizando o braço de modo a pousá-lo nos ombros nus da jovem.
Enrique sorriu com malícia, o que só aumentou a vergonha de Penélope.
— Esse é o meu melhor amigo, o intrometido Enrique Mendez, e suas primas, Fiona e Vera. — Terminou de apresentar, indicando a ruiva e a loira.
— Primas?! Que ótimo! — exclamou Jéssica eufórica, encolhendo-se e tomando um longo gole de sua bebida ao ser alvo dos olhares de todos.
Rapidamente as três foram alvos de várias perguntas, a maioria feita pela ruiva que encarava Penélope com azedume.
— Cursam o que e onde? — interrogava voltando-se para o elo mais frágil: Jéssica.
Penélope disse o nome de uma faculdade em outro estado, que só conhecia por desejar um dia estudar lá. O que não aconteceria. Sua mãe não tinha dinheiro suficiente para o curso que queria e não se sentia capaz de concorrer a uma bolsa de estudos.
— Temos de ir — Penélope pronunciou erguendo o corpo, temendo que caíssem em contradição e fossem descobertas. — Jéssica exagerou na bebida e já passa da meia noite — disse após verificar as horas em seu relógio de pulso em plástico rosa.
— Meia-noite? Qual a idade de vocês, quinze?
— Não, é dez...
Ana tapou rapidamente a boca de Jéssica.
— Dez...? — insistiu Fiona com olhar desconfiado fixo em Jéssica.
— Temos dezenove, algum problema? — questionou Penélope com olhar intimidador.
A ruiva abanou a mão com pouco caso.
— Vamos! — ordenou firme para as amigas
Ana levantou-se de imediato, amparando Jéssica para fazer o mesmo, querendo ir embora o quanto antes. Também tinha medo que Fiona desconfiasse da verdade. Já vira a moça em algumas ocasiões. Não que a Mendez lhe dedicasse um segundo de atenção, mas, como diria sua mãe: Era melhor não brincar com fogo.
— Espere! Dê-me seu telefone — Diego pediu para Penélope antes que se afastasse, puxando do bolso da jaqueta uma caneta e pegando um guardanapo da mesa.
— Eu... — O que faria? Por mais que se sentisse tentada, não podia dar seu telefone. As mentiras que contara poderiam vir à tona e o caos se instalaria na sua vida e na da família de Ana e Jéssica.
— O telefone do lugar em que estamos hospedadas está quebrado — socorreu Ana diante do olhar desesperado da amiga. — Amanhã voltaremos.
Óbvio que, se possível, Penélope nunca mais cruzaria o caminho de Diego, mas forçou os lábios pintados de rosa choque esticar um sorriso e balançou a cabeça em concordância.
— Aguardarei com ansiedade.
Na ocasião os olhos escuros brilhavam de excitação, uma promessa muda de que voltariam em ser ver em breve. Naquele momento, apresentavam uma frieza e desprezo que apagaram imediatamente o sorriso amigável de boas vindas de Penélope.Ele a odiava, não havia a menor dúvida e nem esforço em ocultar esse fato.Aprumou o corpo, passando as mãos nervosamente por sua roupa, fazendo o seu melhor para que ele não percebesse o quanto o tratamento frio a afetava. Não era mais uma adolescente tola e sonhadora, era uma mulher realista e decidida, não o deixaria atingir seu coração novamente.— Que bom revê-lo, Diego — cumprimentou com educação, esperando que esse gesto o fizesse corresponder da mesma forma.Ledo engano. Ele ignorou totalmente a cortesia, fazendo questão de demonstrar isso com corpo, gesto e olhos.Contra a sua vontade e desgosto, estremeceu quando o olhar glacial percorreu seu corpo de baixo para cima, a boca retorcida de desdém.— Não posso dizer o mesmo — ele devolveu antes de
Bateu com firmeza na porta do quarto de Roberto e, após receber permissão, entrou devagar no recinto, crispando o rosto ao encontrar o ambiente na penumbra, as pesadas cortinas marrons cerradas, o ar pesado. Sem aguardar autorização, afastou as cortinas, deixando a luminosidade do fim de tarde irradiar sobre cada parte do dormitório, e abriu a porta dupla que dava passagem para uma pequena varanda.— Feche-as! — ordenou a voz severa que em outros tempos a fazia tremer de medo.— O senhor precisa de ar puro e luz — informou firme antes de sentar em uma das cadeiras acolchoadas da mesa de café próxima da cama. — Isso é um quarto, não um túmulo.— Esse é o seu ponto de vista — ele resmungou amargurado.Apesar de compadecida com a crescente fragilidade dele, Penélope ocultava seus reais sentimentos e o tratava com severidade. Roberto abominava sentimentalismos e cobrava o mesmo das pessoas ao seu redor, embora recorresse a eles desde o diagnóstico.Roberto sucumbira ao tom mórbido após a
Diego passou horas andando pela mansão, recordando em cada canto algo que o fazia sorrir ou entristecer. As conversas descontraídas, as brigas e birras com o irmão mais velho, Luiz, pareciam alojadas em seu quarto e no dele. As broncas carinhosas de sua mãe refletiam em cada objeto frágil, no corrimão de madeira e na janela com grades ao fim do corredor dos dormitórios. Sorriu ao tocar uma barra de ferro. Lembrando a época que não existia nada para impedir que pulasse por ela e quebrasse o braço na queda.Em alguns momentos amargurou o que podia ter sido e não foi. Os planos de Luiz para o futuro da fábrica, levitando pelo escritório principal. Os seus planos recepcionando-o na porta de entrada...Adiou ao máximo, mas no fim acabou parado em frente ao quarto de seu pai, sendo engolfado pelo fantasma de uma união que parecia indissolúvel. Sorrisos, lágrimas, carinhos e acusações, estavam trancados naquela quarto.Mergulhado em lembranças, moveu a cabeça devagar em direção as escadas ao
Diego nunca imaginou ter que odiar uma pessoa tão pequena, mas era isso que se cobrava ao olhar para o menino, fruto do caso extraconjugal de seu pai com a mãe de Penélope. Era uma criança, de redondos olhos inocentes, uma doçura latente em seu sorriso, no entanto, Diego não queria e nem podia simpatizar com o garoto. Por isso, no lugar de segurar a pequena mão estendida, cerrou a sua, negando-se a demonstrar qualquer sinal de que aceitava a presença do garoto em sua casa.— Diego — Roberto resmungou, encarando-o com advertência.O aviso na voz e o olhar imperioso de Roberto forçaram Diego a apertar a mão infantil. No entanto, não respondeu o cumprimento. Fazia muito não revelando que o homem que Samuel chamava de vovô, na verdade, era pai de ambos.— Senhor Freitas, Samuel precisa tomar banho e jantar — interveio Penélope levantando. Não suportava quando alguém destratava Samuel na sua frente. Era preferível retirar o irmão daquele quarto ao invés de socar o herdeiro do Freitas.Leve
Esse intenso desejo fez com que, após duas noites aguardando a volta de Penélope, Diego utilizou a amizade com o dono da Artêmis e o nome dado por Ana para alcançar seu propósito, conseguindo a informação de que Pedro, o novo DJ, pediu os crachás VIPs para a namorada e suas amigas. Assim que Pedro terminou o serviço na boate, Diego o abordou e pediu o telefone de Penélope. Ciente que se descobrissem a idade da jovem perderia o emprego, Pedro se negou com a desculpa de que não sabia. Persistente, Diego o convenceu a pedir para Ana ajuda-lo a encontrar Penélope. Com medo das mentiras serem descobertas, a princípio, Penélope se negou a encontrar Diego. Só que Ana choramingou tanto em seu ouvido que o namorado perderia o emprego, que terminou por aceitar. Não se perdoaria se um inocente se prejudicasse por sua causa. Seu ponto fraco era a consciência. No dia combinado, empapou o rosto de maquiagem, para parecer mais velha. O humor piorando a cada pincelada de sombra, blush e produtos q
Penélope admitia que foi uma jovem ingênua, cega pela beleza e galanteios de um homem, recordou Penélope com desgosto. Diego transpirava poder e sensualidade, seu toque - até o mais sutil - a arrepiava da cabeça aos pés, e seu olhar a deixara cativa. Foi educado, inteligente, o oposto dos caras de sua idade e, ao final do encontro - esquecendo seu propósito inicial - prometeu encontrá-lo dias depois.Com o passar dos dias o encantamento deu lugar ao amor. Tola, pensou que o desejo de Diego também se transformara em um sentimento mais profundo, caindo nas malhas do destino, cujas consequências só lhe causaram – e causavam – sofrimento.— Amor!Sobressaltou-se ao ter a cintura envolvida pelo abraço de Lucas. Não percebendo a tensão que a dominava, ele a beijou rapidamente nos lábios e a conduziu em direção a dois homens e uma mulher.— Venha! Quero lhe apresentar a uns amigos.Penélope se deixou levar. Sorriu, conversou e ouviu tudo com a mente dispersa. Nada que os demais notassem. Com
O restante da noite foi exaustivo. Apesar de só ter que sorrir, cumprimentar e interagir, não conseguia prestar atenção no que lhe diziam. Ser namorada de um artista não a tornara expert no assunto, mas as pessoas achavam que era obrigada a ouvir sobre traços, texturas, luminosidade com a mesma capacidade de compreensão de Lucas. Fingir admirar o conhecimento delas não estava fácil.Quando Marcos e Alex apareceram, Ana acabou em uma discussão acalorada com o namorado e Penélope não hesitou em largar uma senhora, admiradora de Lucas, falando sozinha para ajudá-la. Robson também foi apartar o casal, conduzindo-os para fora da galeria. Ana estava tão irritada que aceitou a carona oferecida pelo Gomes, e Penélope aproveitou para ir junto.— Amor, ainda tenho algumas coisas a resolver.— Pode ficar.— Queria levá-la para a minha casa depois da exposição. Faz dias que não ficamos sozinhos — Lucas reclamou envolvendo-a em um abraço, que só piorara o humor da Teixeira por atrasar sua partida.
Penélope viu o momento exato em que a surpresa deu lugar à indignação, instantes antes de Diego lançar um olhar feroz em sua direção. De queixo erguido, Penélope cruzou os braços e sustentou o olhar. Nunca mais abaixaria a cabeça sendo inocente.O choque atravessou o corpo de Diego e o olhar incrédulo, movendo-se do pai para Penélope, gradativamente tornou-se opaco de raiva e ressentimento.— A proximidade da morte o deixou louco? — proferiu entredentes, encarando o pai com fúria. — É a ideia mais estúpida que ouvi. Nunca casarei com uma Teixeira.Tensa e cansada de ser tratada como um objeto sem vontades pelos dois homens, Penélope moveu-se para a porta.— Concordo com seu filho. Devo colocar-me em meu devido lugar, que não é como esposa de um Freitas. — Agarrando a maçaneta com raiva completou com a voz fragilizada: — Mereço alguém melhor.Sem se despedi saiu. Precisava se distanciar deles e da mágoa que a declaração de Diego despertava.A atitude e o princípio de choro, nos olhos e