O restante da noite foi exaustivo. Apesar de só ter que sorrir, cumprimentar e interagir, não conseguia prestar atenção no que lhe diziam. Ser namorada de um artista não a tornara expert no assunto, mas as pessoas achavam que era obrigada a ouvir sobre traços, texturas, luminosidade com a mesma capacidade de compreensão de Lucas. Fingir admirar o conhecimento delas não estava fácil.
Quando Marcos e Alex apareceram, Ana acabou em uma discussão acalorada com o namorado e Penélope não hesitou em largar uma senhora, admiradora de Lucas, falando sozinha para ajudá-la. Robson também foi apartar o casal, conduzindo-os para fora da galeria. Ana estava tão irritada que aceitou a carona oferecida pelo Gomes, e Penélope aproveitou para ir junto.
— Amor, ainda tenho algumas coisas a resolver.
— Pode ficar.
— Queria levá-la para a minha casa depois da exposição. Faz dias que não ficamos sozinhos — Lucas reclamou envolvendo-a em um abraço, que só piorara o humor da Teixeira por atrasar sua partida. Ele tocou sua face de leve e se inclinou para sussurrar: — Sinto saudade de dormir e acordar ao seu lado.
Em outro dia acharia o convite maravilhoso, mas tinha tantos problemas rodando sua mente que se afastou delicadamente do namorado.
— Hoje não.
Ele crispou a testa, confuso pela rejeição. Porém, logo seu rosto voltou a ficar sereno.
— Entendo. É por causa do Freitas, não é? — Penélope ficou tensa e confusa quando ele disse compadecido: — Aquele safado está abusando da sua boa vontade.
— Do que está falando?!
— Do Roberto, que te mantém presa naquela mansão.
— Ah...! Não é culpa dele, apenas estou com dor de cabeça. — Desviou o olhar, sentindo-se mal por mentir. — Não consigo apoiá-lo como merece. Tenho que ir.
O beijou rapidamente no rosto e saiu apressada em direção ao carro de Robson. Precisava de uma longa noite de sono para acalmar seu coração, e se preparar para tolerar Diego durante o que esperava ser uma curta estadia na mansão.
~*~
Depois de uma noite péssima, de manhã Penélope se arrastou para o quarto do irmão, para explicar que não o levaria a escola. Apesar de lamentar não ter seu tempo com a irmã, Samuel comemorou sair de carro. A reação eufórica dele fez Penélope, mais uma vez, se preocupar com o quanto o irmão se acostumou às facilidades dadas por Roberto.
Seguindo logo depois para o quarto de Roberto, refletiu que tinha de prepara-lo para a perda daquele padrão. Tinha um valor considerável guardado para comprar uma casa e mantê-los até encontrar um novo trabalho, mas sem as mordomias que Samuel recebia na mansão.
Não queria sair da fábrica, mas seu trabalho estava atrelado a Roberto. Quando o Freitas pai não mais estivesse ali para “protegê-la”, e o filho tivesse poder de decisão, era óbvio que seria demitida.
Esfregou as mãos na calça de linho bege, girou a maçaneta do dormitório e se preparou para tudo. Imaginou mil cenários caóticos, mas nada a prepararia para o pedido que ele fez enquanto aguardavam a chegada de Diego.
— Quero que se case com Diego e juntos adotem Samuel.
— Casar com Diego? — Era estupidez repetir as palavras ouvidas, mas foi o que conseguiu balbuciar desnorteada.
— Não tenho mais anos pela frente, pressinto que esse é o último, e preciso garantir o futuro do Samuel.
Com a boca seca, Penélope declarou aflita:
— E para isso preciso me casar com Diego? — Levantou-se para movimentar o corpo, clarear a mente, fazer algo para conter a angústia borbulhante. — Tenho idade suficiente para requisitar a guarda de Samuel. Não preciso de um Freitas em minha vida. Samuel não precisa — concluiu com a garganta doendo por segurar a vontade de gritar.
Odiava ser tratada como uma marionete, como se devesse obediência a cada pequena ordem do Freitas. Costumava abaixar a cabeça, mas havia um limite e ele o alcançou.
— Samuel é um Freitas — Roberto a recordou com frieza, como se o sobrenome dele fosse motivo suficiente para convencê-la.
— Ele é um Teixeira — retrucou amarga. Embora não quisesse discutir com um homem debilitado, o que estava entalado na garganta por oito anos ameaçava sufocá-la. Precisava colocar um pouco de sua agonia para fora. — Você não quis que ele fosse reconhecido como um Freitas.
— Agora é diferente — ele retrucou, explicando em seguida: — Todos os meus bens serão de Diego após a minha morte, e desejo que você e Samuel estejam ao lado dele quando isso acontecer. Não os deixarei a mercê da própria sorte.
Penélope engoliu a seco a resposta agressiva coçando em sua língua. Não havia sorte quando um Freitas se envolvia com uma Teixeira, só dor e desgraça.
— Sou um homem destruído, tenha pena.
Penélope conteve a vontade de rir. Roberto clamava por pena e, ao mesmo tempo, exigia obediência.
— Dê o sobrenome ao Samuel se deseja tanto a redenção — disse ciente da culpa e do orgulho duelando no corpo fragilizado do Freitas. — Tenho uma vida, um namorado. Não vou abrir mão do que conquistei só porque o senhor “deseja” que eu faça o que ordena. Não sou a minha mãe.
— Ela era racional.
— Ela tinha medo de você, do seu poder, e por isso está morta — soltou com lágrimas pinicando seus olhos e a garganta dolorida, como se as palavras fossem brasas passando por sua boca. — Samuel merece uma vida melhor do que o senhor oferece ou acabará como todos que atravessaram o seu caminho.
— Acha que pobreza é o melhor para Samuel?
— Uma vida digna e sem arrependimentos é o melhor para ele — corrigiu sem sentir remorso ao ver o Freitas empalidecer.
Abriu a boca para falar mais verdades ao homem que destruíra seus sonhos, porém Diego entrou naquele momento. Penélope apertou os lábios e os punhos, trancando sua revolta, e observou os olhos, que um dia a admiravam com devoção, estreitarem com reprovação.
— Atrapalho o descanso? — ele questionou antes de se posicionar do outro lado da cama.
— Não, ao contrário, chegou na hora certa. — Roberto encarou o filho e foi direto: — Informei Penélope que desejo que se casem.
Penélope viu o momento exato em que a surpresa deu lugar à indignação, instantes antes de Diego lançar um olhar feroz em sua direção. De queixo erguido, Penélope cruzou os braços e sustentou o olhar. Nunca mais abaixaria a cabeça sendo inocente.O choque atravessou o corpo de Diego e o olhar incrédulo, movendo-se do pai para Penélope, gradativamente tornou-se opaco de raiva e ressentimento.— A proximidade da morte o deixou louco? — proferiu entredentes, encarando o pai com fúria. — É a ideia mais estúpida que ouvi. Nunca casarei com uma Teixeira.Tensa e cansada de ser tratada como um objeto sem vontades pelos dois homens, Penélope moveu-se para a porta.— Concordo com seu filho. Devo colocar-me em meu devido lugar, que não é como esposa de um Freitas. — Agarrando a maçaneta com raiva completou com a voz fragilizada: — Mereço alguém melhor.Sem se despedi saiu. Precisava se distanciar deles e da mágoa que a declaração de Diego despertava.A atitude e o princípio de choro, nos olhos e
Com a atenção fixa nas três amigas, Enrique atravessou a cafeteria Dulce, batizada assim por causa do nome da proprietária, mãe de Jéssica, sem olhar para as outras pessoas presentes.— Bom dia, Jessy!Alheio a reação que causava na jovem, Enrique a estreitou em um abraço empolgado, antes de se voltar para as demais com um largo sorriso, cumprimentando Ana e Penélope da mesma forma empolgada.Como cliente assíduo, Enrique acostumara-se a ver as três conversando e com o tempo tornou-se parte do grupo. Gostava das três, embora seus sentimentos para com Jéssica estivessem longe de ser só de amizade.— Ouvi que o Diego chegou ontem — disse Enrique ocupando sem cerimônia a cadeira vazia na mesa ainda ocupada por Ana e Penélope.— Chegou...Enrique a observou com interesse, mas não disse nada por perceber a palidez da amiga. Imaginava que o reencontro não foi agradável.Penélope lançou um olhar apressado para o relógio na parede da cafeteria.— Tenho que ir trabalhar. — Levantou, agarrando
Diferente dos Freitas, os Mendez tinham construído a moradia na cidade, em uma parte com subida, de forma que se destacava das construções ao redor. O fato era que, enquanto Roberto prezava a privacidade, impondo distância dos populares; Leonardo Mendez, pai de Enrique, preferia se misturar à população de Cezário. Tal atitude lhe garantiu o posto de prefeito da pequena cidade.As diferenças entre os sócios também era perceptível em seus gostos. Apesar de a casa ser tão grande quanto as dos Freitas, o lar dos Mendez não era opulenta por dentro e nem fria, constatou Diego ao pisar novamente na casa do amigo.Antes de o pai manda-lo estudar fora do país, Diego passava mais tempo na casa do amigo, do que na própria, por causa daquela sensação de aconchego. Mostrando que nada mudara no lar dos Mendez, Erika, mãe de Enrique, recepcionou ambos com abraços apertados e lanches antes de deixa-los sozinhos na sala de estar.Aproveitando o lanche, mesmo após ter tomado um café da manhã fortificad
O dia de Penélope foi agitado. Reuniu-se com o encarregado das máquinas; passou horas acalmando um cliente irado com o atraso de uma entrega; e destrinchou uma pilha de documentos. Foi com alívio que encerrou o trabalho para buscar Samuel na escola.De mãos dadas com Samuel, caminhando em direção à mansão, ouvia distraída o irmão narrar tudo o que aconteceu no dia dele, enquanto imaginava quanto tempo mais teria a frente da fábrica. Agora que Diego retornara a cidade, e até visitara a fábrica, era óbvio que em breve a dispensaria. Era hora de procurar um novo emprego e uma casa. Ficar na mesma que Diego não era uma opção.Olhou para Samuel, que continuava tagarelando, e imaginou como prepará-lo para a mudança de casa e de estilo de vida. Não havia maneira de manter o padrão da mansão Freitas quando fossem somente os dois... Somente os três. Sorriu ao se corrigir.— O vovô vai ficar feliz com as minhas notas. Vamos assistir vingadores para comemorar.Os filmes de super-heróis era a pai
O coração de Penélope disparou ao ouvir o apelido na mesma entonação doce que ele utilizava quando estavam juntos. As íris cor de avelã se fixaram nas pre.tas vendo, pela primeira vez desde seu retorno, o seu Diego. Algo se remexeu em seu âmago e Penélope sentiu os olhos umedecerem sem motivo.— Vamos, Penélope! — Lucas a chamou, puxando-a para a realidade.Penélope hesitou entre ficar ou sair, entre Diego e Lucas, seu passado e seu presente. Inspirou fundo e tomou a decisão correta para seu futuro.~*~Empurrando a comida para o canto do prato, Penélope forçava-se a apreciar o jantar com o namorado, porém, enquanto seu corpo estava no elegante restaurante, seus pensamentos estavam em Diego, relembrando a decepção dele quando se negou a conversar. O instinto de proteção, adquirido duramente após anos de rejeição e desconfiança, era maior que a curiosidade.Pousou o garfo e a faca, a ironia da situação acabando de vez com sua fome. Anos atrás ela pedira para conversarem e ele não quise
Sozinho após a partida de Enrique, Diego pegou uma garrafa de conhaque no barzinho e subiu as escadas, no entanto, no lugar de ir para seu quarto, foi na direção contrária. Andou devagar até o dormitório que o falecido irmão dividia com a esposa.Ao entrar surpreende-se ao encontra-lo do mesmo jeito de anos atrás. Móveis e jogo de cama perfeitamente limpos e arrumados, como se o cômodo não estivesse abandonado e a qualquer instante Luiz e a mulher fossem ocupa-lo.Viu um retrato de sua família sobre a estante e o pegou. Sentou no chão, ao pé da cama, destampou a garrafa e bebeu direto do gargalo. Com a garganta ardendo observou a fotografia. Seus pais lado a lado, ele e Luiz em cada ponta. A família que os Teixeira destruiu.Seu olhar recaiu sobre a imagem séria de Luiz, a saudade abatendo-o e o fazendo dar outro longo gole. Se Luiz estivesse vivo o ajudaria a expulsar os Teixeira e acabar com a ideia de casamento.Casar com Penélope...Seu pai estava maluco, só isso explicava o pedid
— Eu... Muito diferente do que Diego imaginou, Penélope ficou pálida e com os olhos arregalados. Tranquilizou-se ao supor ser a surpresa. — Diga sim e me faça o homem mais feliz do mundo. — Sorriu sedutor. — Sou um grande partido. — Eu... preciso pensar... — Pensar?! Em sua confusão Diego afrouxou o abraço e Penélope fugiu de seus braços. — Também te amo Diego. Muito. Mas tudo está rápido demais. Preciso de um tempo — justificou apressadamente vestindo o short que resgatou de perto do guarda-roupa. — Podemos esperar que se forme antes de casarmos — ofereceu, acreditando que o empecilho fosse o curso da namorada. — Podemos falar disso depois? — pediu sem olha-lo. Ela se concentrou em se arrumar, ignorando o silêncio pesado envolvendo ambos. ~*~ Horas depois de deixar a namorada na frente da pensão decadente que Penélope preferia em vez de seu loft, Diego remoía o ocorrido. Sua concentração era nula e remexia-se na cadeira, aborrecido tanto com o atraso de seu pai quanto pela
A lembrança da última vez que falou com o irmão fez Diego tomar um novo gole. Luiz tentou alerta-lo, mas ele - cego de amor - ignorou. Se soubesse o que aconteceria com o irmão, teria acreditado nele e o procurado após a reunião daquele dia em vez de esperar que Luiz o procurasse. Teria ido à fábrica confrontar Paloma e Penélope. Mas, imbecil que foi, planejou casar com a jovem de sorriso inocente, só para dias depois ver seu castelo de fantasias ruir. Sempre lamentaria que, enquanto fazia papel de bobo apaixonado, Penélope e sua mãe tramavam contra sua família. Jogou a garrafa longe, amaldiçoando o dia em que conheceu Penélope e prometendo transformar a vida dela em um inferno. Observando os cacos de vidro no chão e o líquido que restava na garrafa escorrer pela parede, ergueu-se apoiando as mãos no colchão. Bambeou para fora e caminhou para o próprio quarto. No meio do caminho viu Penélope sair do quarto de Samuel. A raiva, aliada ao álcool, o fez segui-la e entrar no aposento del