Amante

Bateu com firmeza na porta do quarto de Roberto e, após receber permissão, entrou devagar no recinto, crispando o rosto ao encontrar o ambiente na penumbra, as pesadas cortinas marrons cerradas, o ar pesado. Sem aguardar autorização, afastou as cortinas, deixando a luminosidade do fim de tarde irradiar sobre cada parte do dormitório, e abriu a porta dupla que dava passagem para uma pequena varanda.

— Feche-as! — ordenou a voz severa que em outros tempos a fazia tremer de medo.

— O senhor precisa de ar puro e luz — informou firme antes de sentar em uma das cadeiras acolchoadas da mesa de café próxima da cama. — Isso é um quarto, não um túmulo.

— Esse é o seu ponto de vista — ele resmungou amargurado.

Apesar de compadecida com a crescente fragilidade dele, Penélope ocultava seus reais sentimentos e o tratava com severidade. Roberto abominava sentimentalismos e cobrava o mesmo das pessoas ao seu redor, embora recorresse a eles desde o diagnóstico.

Roberto sucumbira ao tom mórbido após a descoberta do câncer e o tratamento, que sugava suas forças pouco a pouco, só pioravam seu humor.

— Como pediu, recepcionei o Diego e falei que o senhor precisava de tempo, mas ele não demorará a aparecer aqui.

Roberto aspirou o ar com dificuldade.

— Quero que você esteja comigo quando ele aparecer...

— Tenho que buscar Samuel na escola e depois ir à exposição do Lucas — recordou completando com um muxoxo. — A realeza não aguardará a plebe terminar suas funções antes de visitá-lo. — Diante da expressão confusa de Roberto, resmungou: — Diego me odeia, me tratou pior que um capacho.

— Bobagem! — retrucou o homem de face cansada. — Resolverei as coisas entre vocês antes de morrer.

Atenta e com o coração palpitando acelerado de esperança, Penélope aproximou o tronco em direção à cama.

— Contará o que realmente aconteceu?

— Não há o que contar — ele respondeu desviando o olhar.

— Então como pretende mudar os sentimentos de Diego por mim e Samuel?!

— Falarei quando estiverem os dois aqui.

Exasperada por Roberto persistir em ocultar a verdade do filho, e não querendo discutir com o homem de saúde debilitada, Penélope se levantou.

— Tenho que buscar o Samuel — lembrou querendo dar fim aquela conversa. Mesmo que quisesse cobrar a verdade dele, não adiantaria. Roberto fazia o que lhe dava vontade e em benefício próprio. — Passarei aqui antes de ir à exposição do Lucas.

— Peça para o Samuel vir aqui assim que chegar.

— Ele viria com ou sem a sua permissão — disse.

Vendo o rosto de Roberto iluminar-se, Penélope considerou irônico que o menino rejeitado se transformara na única fonte de alegria daquele homem.

~*~

Agachada ao lado do portão da escola particular San Roque, a mais prestigiada e cara da região, Penélope recebeu de braços apertos o pequeno corpo de Samuel, apertando-o contra si com mais força que o habitual. Seu menino seria o mais atingido com o retorno de Diego.

Ergueu-se e segurou a mão pequena para caminharem até o ponto de ônibus. Apesar de Roberto ordenar que utilizasse um de seus três carros, guardados na garagem da mansão, ou os serviços do motorista, Penélope preferia se locomover de ônibus. Tentava ao máximo que Samuel não se apegasse ao luxo. Logo seriam somente os dois e, a menos que ganhasse uma fortuna, jamais conseguiria manter o estilo de vida da mansão.

— Como foi à aula? — perguntou após se acomodar no banco, deixando Samuel ocupar o lado da janela.

— Bom. A professora Gabriela pediu para lermos trechos de um livro e fui o único que leu sem gaguejar — gabou-se o menino.

Penélope não duvidava. Desde cedo, Roberto cobrou perfeição de Samuel em tudo que fizesse. Não aprovava os métodos ditatoriais do Freitas, que obrigava o menino a ler durante duas horas todo dia e o repreendia duramente quando errava algo. Mas sua opinião sobre a educação de Samuel nunca foi requisitada, apenas ignorada e criticada.

— Pen, o que é amante? — Samuel questionou de repente, os olhos escuros encarando-a com curiosidade.

— Porque quer saber isso? — estranhou.

— No recreio me impediram de jogar futebol porque sou sangue ruim, filho e irmão das amantes do vovô Roberto — comentou o garoto com tristeza. — Também chamaram o vovô de mau.

Penélope sentiu o coração se apertar. Não era a primeira vez que Samuel mencionava que era excluído nas brincadeiras, porém a situação evoluía para agressões verbais. Acariciou os fios castanho-escuros do cabelo de Samuel.

— Amante é alguém que ama — respondeu na definição mais suave, embora quando chegassem em casa tinha certa que Samuel procuraria o significado por conta própria. Temia a curiosidade do pequeno tanto quanto o falatório dos cidadãos de Cezário.

Samuel anuiu, em seus olhos a dúvida persistia.

— Você é amante do vovô?

— Claro que não. — Soltou um breve e fraco riso com o absurdo da pergunta. — Namoro o Lucas, lembra?

— Preferia que fosse amante do vovô — ele murmurou fazendo um bico contrariado.

Foi impossível segurar o riso diante da inocência e da implicância do irmão. Desde que começou a namorar, ha um ano, Samuel não ocultava seu desagrado. Assumia possuir parte da culpa, como acusava Lucas ao dizer que mimara o menino durante anos e continuava a circular em volta dele como a lua em volta da Terra. O namorado não compreendia que Samuel era a única família que lhe restara. Aguentava o desprezo e ofensas ao seu redor por amor àquele pequeno ser.

Mudou o rumo da conversa, pedindo para Samuel acompanha-la na conta dos cavalos pelo caminho. Poucos minutos depois desciam perto do grande portão de aço que levava a propriedade dos Freitas. Penélope usou seu controle para abri-lo e juntos caminharam por mais dez minutos pelo caminho que levava a enorme construção de pedra. Na opinião de Penélope, a casa era tão sombria por fora quanto seu dono era por dentro.

Ao passarem pela porta de entrada, Samuel soltou sua mão e correu escada acima. Penélope gelou ao se dar conta da intenção por trás da pressa dele: Visitar o vovô Roberto.

Correu atrás dele, temendo um possível encontro entre Diego e Samuel, mas ao terminar os lances de escada, deu-se conta de chegar tarde demais.

Samuel estava parado a alguns metros de distância, as mãos segurando as alças da mochila azul e branca, a cabeça erguida. Não podia ver seu rosto, mas sabia que olhava com curiosidade a pessoa parada a sua frente, que devolvia o olhar com evidente desprezo e frieza.

Tremendo, com as pernas moles e o coração acelerado, Penélope procurou apoio no corrimão de ferro, orando para Diego não descarregar seu ódio sobre Samuel. Ele não podia desprezá-lo.

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