Adorável Penélope

Na ocasião os olhos escuros brilhavam de excitação, uma promessa muda de que voltariam em ser ver em breve. Naquele momento, apresentavam uma frieza e desprezo que apagaram imediatamente o sorriso amigável de boas vindas de Penélope.

Ele a odiava, não havia a menor dúvida e nem esforço em ocultar esse fato.

Aprumou o corpo, passando as mãos nervosamente por sua roupa, fazendo o seu melhor para que ele não percebesse o quanto o tratamento frio a afetava. Não era mais uma adolescente tola e sonhadora, era uma mulher realista e decidida, não o deixaria atingir seu coração novamente.

— Que bom revê-lo, Diego — cumprimentou com educação, esperando que esse gesto o fizesse corresponder da mesma forma.

Ledo engano. Ele ignorou totalmente a cortesia, fazendo questão de demonstrar isso com corpo, gesto e olhos.

Contra a sua vontade e desgosto, estremeceu quando o olhar glacial percorreu seu corpo de baixo para cima, a boca retorcida de desdém.

— Não posso dizer o mesmo — ele devolveu antes de seguir para dentro do enorme salão de entrada, sem lhe dedicar mais atenção. — E meu pai? — perguntou com a face voltada para a escada que levava ao piso superior.

O tratamento a abalou, mas, firme em ocultar o quanto ele ainda mexia com ela, e seguir o tom profissional que se cobrava diariamente, respondeu:

— No quarto, repousando. O médico aconselhou repouso absoluto e nenhuma preocupação — acrescentou automaticamente, arrependendo-se quando o semblante duro voltou a encara-la.

— Agora se preocupa com o bem-estar do meu pai? — Diego sorriu com cinismo. — Quanta bondade, vindo de uma criatura que destrói tudo que toca.

Antes que pudesse retrucar, Carla se colocou entre os dois.

— Diego Freitas, comporte-se — o repreendeu e depois fez o mesmo com Penélope. — Abandone essa fisionomia zangada e modos frios, Penny. Apesar das tragédias que se abateram nessa casa, vocês fazem parte da família do senhor Roberto.

Penélope respirou fundo, apertou as mãos atrás do corpo e fechou os olhos por um instante, segurando a vontade de gritar. Era injustiça Carla censurá-la por algo que Diego também apresentava. E ele é que começou a maltratá-la desde que pisou os pés na mansão Freitas.

Travando uma luta interna entre sair de perto de Diego, ou pular no pescoço dele e aperta-lo até que se arrependesse por ser um cretino de merda, Ana, sua melhor amiga e atual secretária de Roberto na fábrica de porcelana, entrou no salão.

— Penny, já temos várias confirmações dos convites para a festa de domingo — Ana avisou, os olhos grudados na tela do tablete em suas mãos, enquanto mexia em algo nela com o dedo. — Creio que até o fim do dia terei a lista definitiva para entregar ao senhor Roberto.

— Que festa? — estranhou Diego, surpreendendo Ana, que não o tinha visto.

Carla sorriu, adiantando-se para dar a resposta.

— Nossa adorável Penélope está preparando a festa de aniversário do seu pai — contou, deixando transparecer o quanto valorizava os esforços da jovem em cuidar do lar Freitas. — Será nesse fim de semana.

Longe de compartilhar a alegria da governanta, Diego arqueou uma sobrancelha, os olhos castanhos se fixando com deboche em Penélope.

— Você tem uma ideia peculiar de “repouso absoluto” — comentou mordaz.

Erguendo a cabeça com altivez, Penélope se pôs na defensiva.

— Essa festa foi ideia do seu pai, só colaboro para que tudo dê certo — disse, acrescentando com deboche: — Se acredita que pode fazer melhor, fique à vontade para ocupar o meu lugar.

Um silêncio pesado caiu entre eles, Ana e Carla ficaram sem ação, e Penélope aguardou a reação dele. No entanto, indiferente ao ataque, às palavras dela não pareceram surtir qualquer efeito na armadura de Diego, que riu desdenhoso.

— Essa é a nossa “adorável Penélope”? — Diego perguntou com crueza, o veneno destilado em cada palavra. — Parece uma fera, pronta para atacar e abocanhar o que não lhe pertence, igual à vagabunda da mãe dela.

Recebendo as últimas palavras como um punhal, Penélope se retirou apressada, subindo as escadas praticamente correndo, ainda ouvindo as repreensões de Carla e a sentença gélida de Diego.

— Você a magoou.

— Só a coloquei em seu devido lugar.

Ana a seguiu, parando-a quando alcançou o topo da escada.

— Penny... — Ana murmurou segurando-a pelo braço, os olhos azuis reluzindo a pena que sentia.

— Cuide da lista e me entregue assim que finalizá-la — Penélope soltou abruptamente, interrompendo qualquer tentativa da amiga em verbalizar algum comentário de conforto, ou minimizar a situação. — Amanhã conversaremos sobre os preparativos que faltam.

Entendendo que a amiga não queria falar sobre o que ocorreu no piso inferior, Ana assentiu e afastou-se. Quando Penélope quisesse, e se quisesse, sabia que podia procura-la e desabafar. Embora ambas soubessem que isso dificilmente ocorreria.

Decidida a não demonstrar fraqueza, Penélope respirou fundo, deslizou os dedos pelos olhos, apagando qualquer traço de tristeza e calou fundo a própria mágoa. Armada com uma grossa camada de dureza, seguiu em direção ao quarto de Roberto Freitas para contar sobre a chegada do filho dele, como haviam combinado após Diego avisar sobre seu retorno à mansão. 

A cada passo, lamentava o terrível reencontro e, embora tenha sido uma ordem, arrependia-se de ter recepcionado Diego. No momento em que colocou os olhos nele ressuscitou a dor da rejeição e do abandono. Pelas ofensas, o mesmo ocorreu com ele.

Compreendia o ódio dele. Diego viu a família ruir por causa do envolvimento entre uma Teixeira e um Freitas. Maltrata-la era esperado, mas, quando ele direcionou esse rancor à mãe dela, morta por culpa da família dele, Penélope sentiu o insulto atravessa-la como uma facada afiada e empapada em veneno. Não poder defendê-la doía mais que o desprezo de Diego.

Paloma Teixeira foi vítima e não algoz dos Freitas. O único erro de sua mãe foi - assim como a filha - amar demais um Freitas, e ela definhou e pagou com a própria vida por causa desse amor.

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